Terça-feira, 27 de janeiro de 2009 - nº 37
A crise é ainda mais grave I
Há notícias novas no front econômico, financeiro e corporativo que indicam que a gravidade da crise internacional é ainda maior do que se avaliava há pouco mais de um mês ! Nestas últimas semanas, tivemos a divulgação de dados que nos levam a concluir que a possibilidade de uma recessão ainda mais prolongada está se tornando preponderante no que diz respeito às previsões. Citemos alguns indicadores apenas para ilustrar este nosso alerta :
- O PIB do Reino Unido caiu 1,5% no quarto trimestre do ano passado em comparação ao trimestre imediatamente anterior. A queda em relação ao mesmo período de 2007 foi de 1,8%. É a primeira recessão do país desde 1991.
- O desemprego está atingindo níveis assustadores em todos os países centrais : nos EUA, deve chegar ao redor de 9% em meados deste ano, na Europa as demissões em termos absolutos são as maiores desde a década dos 80 – na Espanha o desemprego atingiu 13,9% da força de trabalho.
- Nos EUA, o ritmo do setor de construção civil é o mais baixo de toda a história do indicador que começou a ser apurado em 1959. As demissões de trabalhadores deste setor - que puxou o crescimento do emprego na última década - é generalizada e assustadora.
- Na Ásia, Japão e China, especialmente, não há ainda medidas para estabilizar a recessão. Ao contrário, a política adotada é cautelosa enquanto o transatlântico da recessão se aproxima velozmente. O crescimento chinês, que gravitava ao redor de 10%, já está em torno de 6%, conforme dados do último trimestre do ano.
A crise é ainda mais grave II
Há outro aspecto que mesmo sendo conhecido não se imaginava fosse tão grave. Trata-se do sistema financeiro internacional. Nos EUA, discute-se abertamente a nacionalização dos principais bancos do país. Há uma enorme insuficiência de capital e a quase totalidade da primeira tranche dos recursos aportados pelo governo norte-americano (US$ 350 bilhões) no âmbito do TARP (Troubled Assets Relief Program), o programa de salvação dos bancos do país, foram entesourados. Os bancos simplesmente os utilizaram para cobrir perdas tentando mostrar um balanço anual um pouco melhor. A divulgação dos informes financeiros de 2008 mostraram que, a despeito da gestão defensiva dos banqueiros com o dinheiro público do TARP, as instituições financeiras estão quebradas e talvez muitas delas não possam prosseguir suas operações neste ano. Pode haver uma nacionalização formal ou branca (via formação de um fundo para sustentar o sistema financeiro). Tudo está nas mãos do novo governo.
Obama : discurso vazio nos temas econômicos
Sob muitos aspectos o discurso de inauguração da gestão do 44º presidente norte-americano foi marcado por sinais evidentes de mudança. Sabidamente, houve recados explícitos em relação (i) ao papel de liderança dos EUA nas matérias mais importantes das relações internacionais, (ii) no que se refere aos direitos civis e humanos (ressalte-se a postura em relação à tortura) e (iii) na ênfase à reconstrução do sonho americano, um tema ideologicamente relevante para a formação das expectativas sociais e políticas. Ocorre que nos temas econômicos Barack Obama não foi apenas cauteloso. Em muitos aspectos foi omisso. Ora, não se deve esperar muito detalhamento a partir da fala inaugural de um novo presidente. Todavia, afora as poucas referências de Obama em relação "a responsabilidade da hora", a "mudança de modelos", etc. a verdade é que o novo presidente americano deixou tudo para ser divulgado nas "próximas semanas". Isto pode custar muito caro. A cada dia, a deterioração do sistema financeiro e econômico se expande e o conserto está se tornando cada vez mais difícil. Note-se que Obama terá de obter apoio substancial junto a sua base política no Congresso, bem como junto aos republicanos que, mesmo tendo amainado seu discurso não-intervencionista em relação aos temas econômicos, podem ser uma fonte de atrasos na implementação de um plano consistente de resgate da principal economia mundial. Obama chega como um grande novidade. Na área econômica nada de novo consta.
Rebaixamento da nota de crédito : primeiros sinais
Três países europeus (Grécia, Portugal e Espanha) que operam com a moeda forte do Euro tiveram suas notas de crédito reavaliadas pela Standard & Poor’s. Esta reclassificação de crédito é emblemática e é provável que a partir de agora as empresas de rating comecem a mostrar a deterioração do crédito não apenas soberano (países), mas corporativos. Isto deve propiciar ainda mais medo entre as partes nas transações financeiras e comerciais. Neste campo, não podemos subestimar nenhuma possibilidade em relação ao Brasil : apesar de termos alcançado o grau de investimento há pouco tempo, é possível que o agravamento da crise externa leve a uma reavaliação do nosso crédito nos próximos meses, bem como o de muitas empresas e instituições financeiras. Essa possibilidade depende da capacidade do país (e do governo) em gerenciar a crise, mas também é parte do processo endógeno da crise internacional.
Brasil : a crise ainda não chegou
O título desta nota pode parecer exagerado. Não é. O que queremos dizer é que estando a crise lá fora ainda mais grave que há poucas semanas, na economia brasileira ainda não está refletido todo o impacto da verdadeira tragédia no mercado internacional. Em termos relativos, a economia brasileira está "atrasada" em relação ao que ocorre lá fora, sobretudo no que se refere à queda da atividade econômica (com destaque ao desemprego), à restrição de crédito externo e do investimento externo. O Brasil vai piorar mais que o mercado internacional. Novamente : em termos relativos. Nos próximos meses, a dinâmica de aumento do desemprego, redução de consumo e produção e deterioração do crédito será muito negativa. O Brasil é um país relativamente fechado quando comparado a muitos de seus pares emergentes. Todavia, a crise lá fora foi "anunciada" pela brutal especulação dos últimos anos. Porém, os seus impactos não eram previstos como sendo tão desastrosos. O Brasil será uma vítima relativamente inocente deste processo, mas será fortemente impactado a despeito do discurso oficial de muitos líderes políticos e empresariais.
A política, o medo do Planalto
Se a situação interna se deteriorar muito, principalmente pela via do desemprego, ela pode afetar o projeto político do presidente Lula de fazer de Dilma Roussef sua sucessora. Lula sabe que o maior eleitor de Dilma é ele, sua popularidade e a bonança econômica. Sem estes pilares, a candidatura Dilma não fica de pé. Mas até agora o presidente não parece trabalhar com um plano B. Até porque não há ninguém de peso na seara governista se sobressaindo. Ciro Gomes seria uma opção, porém não entusiasma o lulismo. Aécio, rompido com o PSDB e acolhido pelo PMDB, é ainda um sonho. Por isso, a ordem oficial é fazer tudo para segurar a economia este ano e no próximo. Até jogar as contas mais pesadas para depois de 2010. O governo vai investir, vai gastar. O BNDES é a ponta-de-lança dessa estratégia. Não só ele, porém : a Petrobrás, o BB, a CEF, as estatais de um modo geral. Os gestos econômicos estão fortemente condicionados pela política. E isto é uma temeridade.
E o Congresso?
Não há possibilidade de Câmara e Senado entrarem para valer no debate econômico e contribuírem com soluções criativas e com conselhos para colocar um pouco o governo de cara com a realidade. A preocupação por lá também é eleitoral – imediatamente a eleição para a presidência das duas casas ; no médio prazo, as eleições de 2010. Por esse lado, não se deve esperar nada em matéria de contenção dos gastos correntes no Orçamento federal para sobrar dinheiro nos investimentos em infra-estrutura, uma das receita para amenizar os efeitos da crise. O Congresso é caudatário do Palácio do Planalto. Os partidos governistas não dão nem bom dia sem anuência de Lula. E a oposição está desarvorada. Nosso sistema político não está preparado para enfrentar os desafios que a economia está apontando. Pode ser, inclusive, um fator de complicação.
Lula e os fóruns
Quando era apenas um candidato à presidência da República, o político Luís Inácio Lula da Silva era presença certa nas reuniões do Fórum Social Mundial, então sediados em Porto Alegre. Foi um dos seus palcos. Desprezava o encontro dos ricos em Davos. Eleito, Lula, sabiamente, resolveu dividir-se entre os dois. Aos poucos, porém, foi preferindo os salões suíços, onde era recebido como estrela. Nesse período, o FSM foi se esvaziando, saiu do Brasil, perambulou por outras plagas. Este ano retorna ao país, sediado em Belém, da prefeitura petista de Ana Lúlia Carepa. Terá ajuda de recursos federais, estaduais e municipais. E Lula vai prestigiá-lo, levando ministros, entre eles a favorita Dilma. Uma volta às origens. Diante de uma crise que pode afetar suas bases sociais com aumento do desemprego e a redução da renda das famílias, Lula volta a cortejar antigos parceiros. E com um discurso pelo social e pela esquerda.
Mercado financeiro : mudamos de opinião
A relação risco versus retorno do mercado financeiro local e externo indica que nada está favorável ao investimento em ativos de risco, sejam de crédito, sejam de investimento. Destacadamente, em nossa opinião o mercado acionário terá mais uma rodada negativa nas próximas semanas e, talvez, meses. Os resultados das empresas deverá ser pior que o que até agora está refletido nas projeções dos analistas e investidores. O maior risco está no mercado cambial, pois é dele que podem surgir as maiores pressões inflacionárias, caso os fluxos externos se tornem ainda mais escassos. Alta do câmbio implica necessidade de alta dos juros para conter a elevação dos preços domésticos. Tudo isto em meio a uma recessão que se aproxima. Acreditávamos num janeiro mais tranquilo e esperançoso. O que vimos em termos de indicadores e notícias no mercado internacional (e doméstico) nos tornaram mais pessimistas em relação ao médio (seis meses à frente) e longo prazo (de doze a dezoito meses). Não há luz ao final do túnel. Infelizmente.
A decisão do COPOM
Na semana passada, chamamos a atenção de nossos leitores para o fato de que o BC estava atrasado na sua política monetária. Já deveria ter reduzido a taxa básica de juros. Foi o que ocorreu e num nível (1%) superior ao estimado pelo mercado dias antes da reunião do COPOM. Esta coluna considerava possível a redução de 1%, mesmo que inicialmente fosse menos provável. Mas há fatos mais interessantes a comentar : uma coisa é o BC estar "atrasado" ou errar na execução da política monetária. Outra coisa é tornar o BC refém de uma brutal pressão de dentro do próprio governo. Note-se que o governo Lula na essência sempre esteve ao lado e firmemente apoiando Henrique Meirelles. Não pode alegar inocência ; sabia das coisas. Agora, por força da magnitude da crise externa, faz-se de ingênuo desconhecedor da política de Meirelles para sitiar a autoridade monetária e, sabe-se lá!, impor decisões ao COPOM. Sempre fomos críticos da política de juros do BC adotada nos últimos meses. Todavia, o que o governo está a fazer é desmoralizar a autoridade monetária e a própria política monetária. Isto merece repúdio e mais : alertamos para a possibilidade de que, com a instalação da recessão que se aproxima, o governo possa vir a adotar políticas populistas.
Câmbio : preste atenção
No seu depoimento junto a deputados e senadores anterior à aprovação como novo Secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, afirmou que "a moeda chinesa era manipulada e mantida artificialmente desvalorizada". A reação chinesa foi imediata : via na fala do novo secretário sinais evidentes de protecionismo comercial e financeiro. O novo secretário de Obama apenas está explicitando de maneira mais radical a percepção de que a recuperação dos EUA depende de uma valorização das outras moedas de países poupadores (e emprestadores para os EUA). É o caso da China, mas não somente da China, como do Brasil, da maioria dos países asiáticos e da Índia. A valorização da moeda destes países melhoraria as contas externas (exportações, sobretudo) dos EUA e reduziria a dependência americana de recursos investidos no mercado de capitais do país. Além disso, manteria empregos nos EUA. O risco (no limite das possibilidades) é que estas pressões do Tesouro americano resultem numa "corrida" de desvalorizações entre as moedas do mundo com riscos financeiros e inflacionários imprevisíveis. Se isto vier a ocorrer o quadro apocalíptico de uma depressão como a de 1929 estará posto. Vamos acompanhar cuidadosamente essa discussão.
Serra, Alckmim, Aécio
A interpretação generalizada nos meios políticos e entre os analistas é a de que o governador Serra deu um golpe de mestre ao convidar Alckmin para ocupar uma Secretaria de seu governo. Teria apaziguado o PSDB paulista e fechado a brecha pela qual Aécio pretendia criar um núcleo a favor da sua candidatura em SP. A prudência aconselha dizer (muito mineiramente, ou como Caetano Veloso) : pode ser que sim, pode ser que não. As reações do governador mineiro e seus aliados, ironias de Aécio à parte, não foram das mais simpáticas. Talvez tenha faltado a Serra um gesto de aproximação com Aécio, antes de dar esse lance. O mineiro pode esticar a corda, para ver até onde tudo vai. Ele tem uma eleição garantida para o Senado. E como lembram os tucanos de SP, idade para esperar. Nas cordas, Aécio pode estar preparando o troco, que pode ir além da defesa das prévias para constranger Serra e seus adeptos. Não seria, porém, a saída do partido para o PMDB ou PSB para ganhar apoio de Lula se Dilma não decolar. O próprio Serra em 2002 e Alckmin em 2006 já provaram o veneno : a falta de empenho do governador em Minas prejudicou a campanha deles. E Minas é o segundo colégio eleitoral do Brasil.
Lições de um avô
Mesmo considerando que Aécio não tem interesse de deixar o PSDB, aliados lembram um manobra do avô Tancredo Neves, nos estertores da ditadura militar. Sem espaço para seus vôos no PMDB, então sob total controle de Ulysses Guimarães, Tancredo saiu da legenda com um grupo de amigos para fundar o Partido Popular, o PP. Depois de tudo pronto, teve o registro do PP negado por ação do governo Figueiredo. Tancredo então patrocinou a incorporação do PP ao PMDB. Tempos depois, virou candidato indireto – posteriormente eleito – à presidência pelo partido. Golpe de mestre ?
Tudo pelo social
Quando ainda era apenas um professor e consultor econômico, o hoje presidente do BNDES, Luciano Coutinho, teve participação relevante no processo que culminou com a compra da Antártica pela Brahma. Agora, com a chave da recheada burra do BNDES nas mãos, foi decisivo nos alinhamentos empresas-governos que culminaram na reestruturação do setor petroquímico brasileiro e com a venda da Brasil Telecom para a Oi (ex-Telemar). Todos, digamos, muito momentosos, dadas as implicações macroeconômicas e para a competição nesses setores. O BNDES de Coutinho acaba também de apoiar, com a bagatela de R$ 2,4 bilhões, a compra da Aracruz Celulose pela VCP, do Grupo Votorantim. O mesmo que vendeu 49,9% de seu banco, por quase R$ 4,2 bilhões, para o BB. Homem de visão!
Nada como viver num país rico
O orçamento para publicidade do Palácio dos Bandeirantes passou de R$ 158 milhões em 2008 para R$ 227 milhões em 2009 - um acréscimo de 43,7%. No Palácio do Planalto, a verba saltou de R$ 406 milhões para R$ 547,4 milhões – um incremento de 35%.
Ao ritmo que se diz baiano – parte 2
Recebemos a seguinte nota, já postada nos comentários da coluna anterior (clique aqui) :
"Prezados, tendo em vista a opinião dessa coluna sobre a aquisição da Brasil Telecom pela Telemar (NA REAL n° 36 - 20/1/09 - clique aqui), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica informa que, não obstante o processo ainda não tenha sido remetido ao órgão, fez uso dos instrumentos acautelatórios de que dispõe e celebrou Acordo para Preservação da Reversibilidade da Operação – APRO, cujo inteiro teor encontra-se disponível em clique aqui. Com isso, assegurou que eventuais restrições que venham a ser impostas possam ser implantadas, a qualquer tempo, de maneira eficaz. Aguardo retorno. Atenciosamente," Lali Fonseca - Assessoria de Comunicação Social – Cade
Na nota citada, como se lembra o leitor, não nos referíamos especificamente ao Cade, mas ao desinteresse de várias partes envolvidas no negócio da BrOi de postergar ao máximo a apreciação do processo e criar fatos consumados. Podemos pegar um exemplo : a Anatel, que bateu todos seus recordes para aprovar a mudança no PGO e autorizar o negócio, ainda não fez a sua parte na análise dos riscos de concentração e ameaças à concorrência. O Cade, no momento exato, quando o processo ganhar celeridade nas outras áreas do governo, terá oportunidade de demonstrar suas preocupações expressas na missiva. Ainda sobre o tema, no que se refere à concentração econômica, especialistas do setor e ex-membros do próprio Conselho lembram que a análise dessa situação deve obedecer a critérios regionais e não apenas a não apenas ao critério nacional. O setor tem muitas especificidades e uma análise apenas global pode levar a distorções.