Política, Direito & Economia NA REAL

Política & Economia NA REAL n° 34

6/1/2009

 

Lula, o equilibrista

O presidente sancionou sem vetos o Orçamento de 2009, aprovado, todos sabemos, de que modo pelo Congresso... Lula tinha pressa para começar a liberar recursos para obras e projetos federais, entre eles o PAC, logo no início do ano. Esta a razão, também, para a manobra que permitiu a emissão de títulos do governo federal no valor de R$ 14,22 bilhões para encher o caixa do Fundo Soberano do Brasil. Sabe-se que tirar o Orçamento das mãos dos parlamentares apenas exigiu grandes mágicas para não desagradar deputados e senadores, ávidos por recursos que os ajudem a se reeleger daqui a dois anos. A corrida começa cedo. Inventou-se no desespero até uma receita extra de mais de R$ 2 bilhões, a ser arrecadada com a venda de imóveis da extinta Rede Ferroviária Federal. Agora é tempo de rever o Orçamento, um exercício para ases do trapézio : cortar despesas - pois as previstas não caberão dentro das receitas - preservando os grandes projetos de interesse de Lula, sem confrontar o funcionalismo e sem descontentar os parceiros petistas e os aliados. E combinando tudo isso com novas políticas de incentivos a alguns setores para manter a economia aquecida. Alguns economistas, entre eles um dos gurus atuais de Lula, o ex-ministro Delfim Neto, têm advertido para o risco de se tentar manter um crescimento muito elevado do PIB este ano, artificialmente. Outros países estão aumentando seus investimentos públicos. Mas de olho também nas contas públicas. Vamos ver se Lula consegue um milagre.

Não gostou

Não foi por outra razão que Lula ficou muito descontente com os prefeitos que assumiram pregando austeridade e anunciando cortes de despesas para adaptar seus caixas à nova realidade orçamentária que aponta no horizonte para 2009. Ele conta/contava com os prefeitos (e governadores) para ajudar a deslanchar seu plano de tornar o Brasil um grande canteiro de obras em 2009 e 2010. Até marcou uma reunião em Brasília com todos os mais de 5.600 prefeitos brasileiros, no dia 10 de fevereiro. Vai exortá-los a um mutirão anti-crise. Poderá ter uma surpresa desagradável : deve receber cobranças de mais recursos para os municípios.
 

Um vai colaborar

Pena que eles sejam adversários políticos – até aqui, cordiais ; no futuro, não se sabe. Mas quem pode fazer a alegria do presidente Lula é o governador de SP, José Serra. Ele armou um Orçamento para este ano que lhe permitirá gastar no Estado, em investimentos, mais do que Brasília poderá gastar no Brasil inteiro. O mesmo esquema está sendo armado para 2010. 
 

Qual o nome disso ?

Sim, da insistência de Lula em expandir os gastos governamentais e o esquema montado por Serra para ter fartura de recursos para investir em 2009 e 2010... Ora, chama-se política. Ou melhor, eleições presidenciais.
 

O ano Dilma

No calendário chinês, 2009 é o Ano do Boi – resiste sem reclamar e alcança prosperidade com paciência e trabalho duro, segundo o resumo da revista "The Economist". No Brasil, eleitoralmente para o governo, será o Ano Dilma. Os 365 dias decisivos para firmar a candidatura da preferida de Lula à sua sucessão e para convencer os aliados, especialmente o PMDB e alguns partidos de esquerda (PC do B e PSB) a ficaram no mesmo barco. O primeiro, não se bandeando, em parte, para o condomínio PSDB/DEM; os outros dois, desistindo de uma aventura como Ciro Gomes. Assim, a ministra-chefe da Casa Civil será a grande estrela - a segunda, obviamente, pois Lula não é de ferro - de todos os grandes eventos do governo federal em 2009.
 

EUA : A questão do tempo

Enquanto crescem os riscos fiscais no Brasil, os números divulgados da economia norte-americana são desastrosos. O final de ano foi uma significativa representação do momento. As vendas do comércio foram 34% menores que a do mesmo período do ano anterior. O desemprego bate recordes em décadas e a confiança dos investidores e consumidores está mais abalada do que nos anos 70, período de longa estagflação. Dito isto, a questão é em quanto tempo virá a recuperação. O pacote de US$ 700 bilhões está sendo usado inclusive pelo setor industrial. As grandes montadoras de automóveis e o setor de autopeças são os primeiros beneficiados, além dos (quebrados) bancos. Os economistas estão a colocar números no computador para estimar os próximos dois anos. Os modelos de equilíbrio macroeconômico levam em consideração o pacote de estímulo fiscal do novo governo Obama e estabilidade nas taxas de juros e câmbio. Tudo Ok, portanto. Assim sendo, já em 2009, nos últimos trimestres a recuperação se iniciaria. De outro lado, economistas mais pessimistas como Nouriel Roubini não acreditam numa recuperação rápida. Motivo : o pessimismo está tão grande que os novos fatos teriam de ser tão fortes que isso não é possível no curto prazo. Assim sendo, a recessão será duradoura e significativa. O certo é que nada pode ser previsto de forma acurada. Barack Obama e sua tropa são um fato novo e significativo. Os seus primeiros 100 dias devem definir as perspectivas de 2009 e 2010. É pagar para ver.

As primeiras indicações de Obama

Obama, neste último sábado, chegou a Washington vindo de suas (divertidas) férias no Havaí. Desembarcou com uma ousada proposta de gastos da ordem de US$ 775 bilhões. Considerando os benefícios adicionais de previdência social e saúde, bem como a ajuda aos estados e municípios (algo entre US$ 150 e US$ 170 bilhões), o pacote deve alcançar a monumental cifra de US$ 1 trilhão. Um estímulo fiscal da ordem de 10% do PIB norte-americano. Para se ter mais convicção sobre os efeitos deste pacote tem-se de verificar o que se tornará efetivamente gasto (por exemplo, os investimentos em infra-estrutura por parte do governo) e o que apenas implicará em "efeitos contábeis" (por exemplo, reduções de dívida entre partes do sistema privado). Há grande esperança nestas medidas, mas Obama terá de enfrentar o Congresso norte-americano. Ali não há amadores. Obama sabe disso e conta com o vasto apoio da população para seduzir até os mais conservadores em matéria de gastos públicos. A viúva está para soltar as burras.
 

O mercado financeiro : nossa recomendação

Aí vai a nossa recomendação para os investidores no mercado financeiro. Janeiro será um bom mês para os investimentos. As ações devem se destacar, sobretudo de dois setores : energia (petróleo de forma especial) e bancos. Isso mesmo : os bancos estão com valores de mercado muito baixo, apesar dos riscos que rondam o setor nos EUA e na Europa. O Real deve se valorizar, mesmo que de forma não significativa. E a taxa de juros será menos volátil com a moderação da visão sobre o futuro do BC. No médio prazo (seis meses à frente) não temos uma visão clara, de vez que queremos analisar os primeiros passos de Obama. Pouco a pouco vamos formar um cenário e colocá-lo à prova junto aos nossos leitores.

Um lembrete

No mercado financeiro as expectativas sobre a economia e a política são mais importantes que os fatos. Na política a equação é inversa : os fatos formam as expectativas. É por isso que estamos sendo cautelosos em relação à análise de médio prazo. A hora é política. E política é fato ! Isso vale para o Brasil e o mundo !

Até mesmo a Igreja

A mensagem de fim de ano do Cardeal de New York, Edward Egan, foi bela e significativa. Falou de tempos duros na economia e na política. Nestes tempos, disse o Cardeal, é preciso redobrar a atenção para a caridade. O aumento da pobreza na Big Apple é notável e notória, e as confissões religiosas cumprem papel determinante na solução de alguns problemas. O Cardeal recordou fatos da Grande Depressão nos anos 30 e deu exemplos de abnegação daqueles "tempos duros". A homilia de Egan repercutiu nos jornais mais importantes dos EUA. Trata-se de uma expressão significativa dos temores que rondam a maior nação do mundo.

A indústria dos Hedge Funds

Em teoria os denominados hedge funds deveriam ser instrumentos de investimentos diversificados de forma a que os seus retornos fossem, digamos, "equilibrados" frente a cenários alternativos (positivos e negativos). Na prática, estes fundos basicamente se tornaram meios de uma brutal e, em muitos casos, fraudulenta especulação. Muitos fundos estão quebrando ou sendo fechados. Muito cuidado é necessário em relação a este segmento do mercado. A coisa boa de tudo isso é que o mercado será mais saudável sem uma presença tão forte destes fundos. Pelo menos é isso que se espera.

E por falar nisso...

A quebra dos fundos do mega-investidor fraudulento Bernard L. Madoff, algo ao redor de US$ 50 bilhões, vai dar muito que falar, inclusive no Brasil. Ao que parece, a partir de investigações da SEC e do FBI, o esquema de fraudes também abarcava a captação de recursos mundo afora. Pessoas físicas, sem licença para tal, captavam recursos para o investidor fazer suas traquinagens. Neste momento as autoridades querem saber quem e o quanto estes distribuidores captaram de forma fraudulenta.

Assim falou a The Economist

Bem disse a prestigiada revista inglesa sobre o caso Madoff : "Não existem heróis na história de Madoff; apenas vilões e idiotas."

Assim falou a The Economist – 2

Vale uma leitura atenta a última edição do ano da primorosa revista semanal inglesa, "O mundo em 2009", com destaque na capa para Barack Obama. É uma extraordinária interpretação para o momento em que vivemos, em todos os quadrantes, com um bom número de projeções para os próximos 365 dias. Com direito até a um artigo do presidente Lula. Naturalmente tudo pode dar errado nas projeções. É, no entanto, matéria para reflexões. Como aperitivo, fazemos dois destaques :

1. O artigo de Daniel Franklin ("O ano da insustentabilidade") no qual o autor, diante da crise, se pergunta se os governos e as empresas vão se mostrar sérios e preocupados com as políticas de responsabilidade social ou abandonarão seus projetos nessas áreas, numa demonstração de que tudo não passa de jogadas de marketing.

2. Um texto de John Rose ("Fabricado no Reino"), escrito para o contexto da Inglaterra, mas aplicável em diversas latitudes, criticando a política econômica inglesa de algumas décadas por ter optado por transformar o país numa economia de serviços e abandonado a manufatura e as indústrias que produzem com alto valor agregado.

Questão para debate

Há algo de errado no reino do câmbio : alguém que fez um negócio de verdade, daqueles que geram emprego e levantam fábricas, sofreu o que o diabo amassou com o câmbio nestes últimos dez anos. A faixa de oscilação da moeda brasileira foi de R$ 4,00 a R$ 1,50 por US$ 1,00. O Congresso, tão inoperante nestes anos todos, poderia analisar e criar um arcabouço institucional para proteger aqueles que querem crescer no Brasil. Há muito a se debater sobre o tema e não apenas colocar a culpa no que ocorre lá fora pelas nossas mazelas cambiais.

Por onde começar

Uma primeira investigação sobre o câmbio poderia se iniciar pela forma e critérios adotados pelo BC para intervir no câmbio. Quem pode viver com tanta instabilidade no Real.

Dinheiro para gastar

A oposição já contestou no STF a MP editada no crepúsculo político e administrativo de 2009 permitindo ao governo emitir títulos do Tesouro Nacional para o FSB. Será uma batalha jurídica.

Marolinha política

Como diria Caetano Veloso, daqui até o dia 2 de fevereiro, quando acontece a eleição nas duas casas do legislativo federal, tudo pode acontecer na disputa pelas presidências da Câmara e do Senado. Ou nada. Tanto pode dar Michel Temer, Aldo Rebelo ou Ciro Nogueira na Câmara, e Tião Viana, Garibaldi Alves ou José Sarney no Senado, quanto qualquer outra composição. Está aberta, apenas, a temporada de caça – e de negociações. É certo apenas que nada se fará sem Lula nem contra o PMDB. São posições vitais para o jogo congressual. E ainda mais para as composições presidenciais. Daí o frisson que o tema causa em Brasília.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.