Francisco Petros*
A “nova política”
Gostaria de incorporar alguns aspectos deste processo com o que está a ocorrer na política e com os políticos ao redor do mundo. Estou convencido que, assim como no caso da “nova economia”, há uma “nova política”, construída em bases pouco confiáveis, mas com características semelhantes à “nova economia”. Nos últimos dias, tivemos exemplos transparentes deste fenômeno.
Um destes exemplos foi o debate entre os candidatos presidenciais dos EUA George W. Bush (Republicano) e John Kerry (Democrata), o qual foi visto por pelo menos 1/3 dos eleitores que pretendem exercer o direito de voto no dia 2/11 próximo. Foi um debate vazio de idéias, a despeito de ter evidenciado diferenças claras entre os dois candidatos.
De um lado, viu-se o discurso “patriótico” de Bush pregando que o mundo está melhor e mais seguro sem Saddam Hussein. Pouco refletiu sobre a presumida existência de “armas de destruição em massa” naquele país. Quase nada falou sobre a situação atual do Iraque, à beira da guerra civil, com atentados contínuos e incontroláveis. No mesmo dia do debate, um novo atentado em Bagdá provocou 200 vítimas entre mortos e feridos. Diabólicas foram as cenas de crianças mortas entre os escombros ou nos braços de seus pais desesperados. A barbárie em toda a sua expressão. Enquanto isso, em um local ignorado, Saddam Hussein está preso e à espera de um “julgamento”. O ex-ditador abandonou a antiga crueldade e agora lê e escreve poesias, envia cartas à esposa e filhas e é tratado de um câncer de próstata, fato que pode ser até reconfortante do ponto de vista físico para um prisioneiro solitário e, provavelmente, a caminho da pena de morte.
Bush, naquele debate prestou os seus serviços à “nova política”. Um discurso vazio e a imagem de “Comandante-em-Chefe das Forças Armadas” a lhe servir de “prótese mental” para a ausência de conceitos e políticas consistentes. Coisa típica de “marketeiros”.
John Kerry emplacou um discurso mais equilibrado, tocando em temas mais profundos como a necessidade de se ter aliados e de se construir alianças. Citou o próprio pai do atual Presidente dos EUA como exemplo do que não deveria ser feito: invadir um país sem que exista uma solução minimamente visível para o período pós-ocupação. Entretanto, conseguiu trair-se – de forma ridícula – ao tentar convencer o eleitorado que ao votar a favor da autorização para uma guerra injustificada não autorizou a invasão de um país. Ao invés de dizer que não teve a coragem de ir contra a opinião pública, naquele momento da votação sobre a guerra, em função do “clamor patriótico” da população, o democrata preferiu fazer uma contorção circense e provou-se ser um bom malabarista.
No que tange às alternativas para a política estadunidense em relação ao Iraque, nenhum dos dois conseguiu elaborar nenhuma “idéia de valor” no debate. Assim como na “nova economia”, a “nova política” explorou o imaginário popular e o seu “espírito maníaco”. E o mundo assistiu com paciência ao show televisivo dos dois “novos políticos”. Sem valores definidos e, ao mesmo tempo, delineados por “imagens construídas” por gente especializada em marketing. “É a nova política estúpido!”, poderíamos dizer.
O segundo evento da semana passada que merece destaque foi o discurso do Primeiro-Ministro inglês Tony Blair na convenção anual do Partido Trabalhista. Ao contrário de George W. Bush, Tony Blair não atrai aos olhos do público uma imagem arrogante. Sua feição de sacristão devotado, seus gestos suaves e sua voz calculada e com variações elegantes parecem genuínas. Contudo, tudo isto é útil ao marketing da “nova política”. Com ar de solenidade, o Premier britânico pediu desculpas aos seus correligionários pelos erros cometidos pelos serviços secretos ingleses em relação ao Iraque. De fato, disse ele, superestimou-se a existência de “armas de destruição em massa”. Assim como ocorria com os lucros das empresas da “nova economia”, o conceito de “superestimativa” aplicado à “nova política” é bastante “específico”. Onde se lê “muitas armas de destruição em massa”, entenda-se nenhuma! Ora, ora...
Enquanto discursava, os poucos correligionários que se indignaram com o discurso do “sacristão” de Sua Majestade eram retirados por seguranças musculosos. Rua! Afinal de contas, aquele não era exatamente um ambiente para discordâncias. Uma convenção... Além disso, tratava-se do líder trabalhista, outrora socialista, com a imagem refeita perante a opinião pública a prostrar-se piedosamente no seu palanque a dizer: “Foi só uma mentirinha! Importante mesmo foi derrubar Saddam! Quanto às razões para tal, não importa...” Provavelmente, algum “marketeiro” pediu para ele pedir desculpas para completar aquela cena ridícula. Shakespeare sairia do recinto também indignado – será que nos braços de seguranças? Talvez Wilde dissesse que aquele discurso lhe inspirara a peça “The Importance of Being Earnst”.
Georg Wilhelm Friedrich Hegel consolidou a dialética como forma de pensar o mundo e a política. A tese, a antítese e a síntese consolidaram o processo de análise a partir das contradições internas dos fatos e da própria vida. Pôde, assim, filosofar sobre a Política e a Sociedade.
É possível que na “nova política” a coisa funcione assim: não existe propriamente uma tese, mas uma “imagem” somada a um interesse de um pequeno grupo. A “antítese” não é o contraditório per se. É apenas a “tese” disfarçada por outra “imagem”. Já a “síntese” seja “O Nada”. Lembrando que este Nada pode ser uma guerra injustificada, uma alteração substancial de política econômica e assim por diante. O Nada é, portanto, a única coisa concreta! (Nada melhor do que filosofar sobre Política nos dias de hoje, hein!?). Todavia, não se iluda! Um cenário como este jamais é “neutro” para a vida das sociedades.
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