O pior já passou ?
Não há, por ora, nenhuma evidência de que o pior da atual crise econômica mundial tenha passado. A aprovação do pacote financeiro pelo Congresso dos EUA na semana passada não deve ser vista como uma solução. É apenas uma medida, mesmo que muito importante. A reação dos mercados nesta segunda-feira não é uma surpresa total. A falta de confiança se generaliza e os investidores estão se comportando não como "seres racionais", mas como "macacos enlouquecidos".
Tudo isso é resultado de anos de irresponsabilidade dos reguladores e investidores que permitiram e patrocinaram uma brutal especulação num contexto em que tudo parecia "céu de brigadeiro". Agora, chegou a realidade. Provavelmente, travestida de uma crise incomparável desde o tempo de Franklin D. Roosevelt.
Vejamos as razões para acreditarmos que o pior não passou, sobretudo no que se refere ao valor dos ativos :
1) As eleições norte-americanas ainda vão demorar cinco semanas para ocorrer. Liderança política neste momento é fundamental. Bush está desmoralizado;
2) A crise ainda se alastra pelo mundo. A fonte de maior preocupação é a Europa, continente no qual a especulação imobiliária foi tão grande quanto na América e onde há sinais de fragilidade no sistema financeiro. As quedas apresentadas nesta segunda-feira nas principais bolsas européias são apenas um prenúncio desta nova realidade. Além disso, a reunião do último fim de semana em Paris, na qual os líderes europeus procuraram traçar estratégias para agir de forma coordenada, mostrou exatamente o contrário : o nível de coordenação é débil e a União Européia vai passar por uma prova de fogo tremenda;
3) As autoridades norte-americanas que propuseram o pacote de socorro aos bancos estão deixando evidente de que não têm dimensão dos ativos "podres" em poder dos bancos. Ainda tem-se de cumprir um longo rito para que o resgate de ativos bancários por parte do Tesouro norte-americano passe a ser algo factual;
4) A queda (monumental) dos ativos, sobretudo das ações, ainda não motiva os investidores a comprar. Sinal de desconfiança. Isso pode demorar tempo. Por exemplo : depois da "bolha da internet", detonada em abril de 2000, os investidores começaram a deixar de perder dinheiro depois de 2 anos e meio. Durante o período a queda foi de quase 70%. Note-se que a crise atual é muito mais generalizada;
5) A contaminação do setor real pela crise de crédito é inédita desde os anos 30 e numa velocidade significativa. A taxa de desemprego e a desaceleração econômica (sobretudo, da atividade industrial) estão em patamares recordes e a taxa de investimento cai rapidamente. Isto tudo no início da recessão;
6) Há uma coordenação de políticas monetárias entre as principais economias. Todavia, é baixíssima a probabilidade de que a coordenação de políticas macroeconômicas seja razoavelmente implementada num momento em que todos os países desejam maximizar o emprego e renda. A disputa entre os países deve se acirrar;
7) Quase todas as principais economias estão com déficits significativos. No exato momento em que se precisa de recursos do erário para alavancar crescimento. Veja-se o caso dos EUA : por ocasião do ataque de 11/9/2001, os EUA tinham um superávit de 2% do PIB. Atualmente, o déficit caminha para algo como 6% do PIB. Não há recursos para mais déficit sem que haja uma desorganização econômica ainda maior;
8) A inflação vai voltar por força das variações das moedas, sobretudo dentre os países emergentes. Como combatê-la num contexto recessivo ? Trata-se de um quebra-cabeça muito difícil de ser montado;
9) Se os bancos estão a sofrer com a falta de confiança e a fragilidade de seus balanços, não devemos esquecer que há uma quantidade enorme de fundos especulativos (refiro-me especificamente aos hedge funds) que sofrerão com a ausência de recursos para financiar as suas estratégias. Tais fundos atuam de forma alavancada, ou seja, adquirem ativos em volumes bem acima de seu patrimônio, utilizando-se de mercados futuros e crédito junto ao sistema bancário. No momento, estes vão reduzir ativos para pagar dívidas, um processo fortíssimo de desalavancagem.
Algumas recomendações para montar uma estratégia
Muitos se perguntam como agir num momento tão difícil. Aliás, um momento no qual poucos de nós viveram, pois estamos a falar de uma crise semelhante - a da grande depressão. Eis alguns pontos que recomendamos que sejam observados :
1) Dê preferência à liquidez. Isso significa que não é momento de pensar em retornos elevados (com riscos correspondentes);
2) Venda ativos que não têm perspectivas fundamentais, mesmo que estejam desvalorizados;
3) Não especule com câmbio. Analise e defina a moeda para referenciar os seus ativos. Não queira ganhar muito em várias moedas;
4) Acompanhe o noticiário, mas não se contamine com ele. Todos os mercados em algum momento se estabilizam e voltam a subir. O noticiário não necessariamente reflete esta mudança de tendência. Basta ver os jornais de há pouco tempo que os analistas falavam em "crise passageira", "o Brasil não será contaminado" e outras coisas do tipo;
5) No mercado acionário, seja categórico : empresa com gestão incompetente ou não-confiável deve ser abandonada. Simplesmente abandonada;
6) Nunca acredite que você é mais esperto que o "mercado" e nem que o mercado é guia seguro. Analise com calma e não tente adivinhar o futuro. Apenas seja ponderado, sereno e tolerante com riscos que pode tolerar;
7) E não esqueça que a economia segue a política. E não o contrário. Portanto, os primeiros sinais de que a crise chegou ao auge, e começará a ser contornada, virão da área política.
Especulação no mercado de ouro
Há quem discuta seriamente os impactos inflacionários do pacote de recursos a serem injetados no mercado financeiro norte-americano. Este possível impacto afetaria os preços do ouro, o principal metal a ser beneficiado num cenário de falta de credibilidade nas principais moedas internacionais. Nos últimos tempos, este tipo de discussão tem sido muito comum. De fato, pouco se sabe sobre como a economia mundial sairá deste processo atual. Mais difícil ainda é prever um cenário inflacionário. Recomendar a aquisição de ouro é algo ainda mais obscuro. Este tipo de análise é semelhante àquelas que diziam que o petróleo chegaria no curto prazo a US$ 200/barril (ontem fechou abaixo de US$ 88) e que as commodities estavam num momento de alta continua – os principais indicadores das mais importantes commodities estão no patamar de três anos atrás. Despencaram em poucas semanas.
A (ir)relevância dos organismos multilaterais
Como dissemos anteriormente, a coordenação satisfatória de políticas macroeconômicas é improvável quando quase todas as economias estão a lutar bravamente para não cair numa recessão profunda. Mesmo assim, nunca foi tão necessário que os organismos multilaterais fossem efetivos. Todavia, falta-lhes credibilidade quando há envolvimento com os principais acionistas de organismos como o FMI, o BIRD e o BIS. Afinal, os alertas quanto aos riscos da imensa especulação que imperou nos últimos anos por parte destas instituições foram muito moderados. Não falaram mal do patrão e se tornaram órgãos ainda mais irrelevantes.
Relatório incompleto
Na semana passada o FMI apresentou o seu Relatório de Perspectiva Econômica Mundial. Não foi tão sombrio quanto o momento é. Todavia, as recomendações de que "os emergentes têm de dar uma resposta para frear a inflação", embora corretas, carecem de recomendações mais sólidas de como os países ricos devem agir. Afinal de contas, foram os ricos que despejaram a crise nas cabeças das empresas e trabalhadores. Ao FMI falta coragem e liderança. O BIS está sem papel aparente. O BIRD está funcionalmente perdido e inativo. E assim vai...Quanto às Nações Unidas...Vamos parar por aqui...
A equação de Lula
A não a[ser que tenha mudado de opinião nos últimos dias, diante principalmente do "derretimento" geral dos mercados ontem, Lula já passou suas determinações para seus assessores a respeito da estratégia brasileira para enfrentar a crise "do Bush" desse lado do hemisfério :
- manter o otimismo
- não deixar a economia crescer menos de 4% este ano e em 2010 (o BC e muitos analistas prevêem um PIB maior entre 3% e 3,5% apenas em 2009)
- não deixar faltar crédito para o consumo, principalmente o de baixa renda
- não prejudicar mais a economia com outras pauladas nos juros
- não sacrificar os programas sociais e os investimentos, especialmente o PAC.
Considerando que : (a) orçamento é curto, (b) está comprometido em cerca de 80% com despesas obrigatórias, (c) há despesas pesadas já contratadas, tais como os aumentos para o funcionalismo público, (d) a receita deve cair com a diminuição da atividade econômica; conclui-se que a tarefa passada por Lula ao ministro Mantega e seus assessores é dessas que vai exigir extraordinária criatividade econômica deles. Ainda mais porque muita coisa vai depender do mundo político e do andar da carruagem eleitoral imediata e futura.
O Brasil será atingido
Se fosse possível recomendar algo para o governo neste momento difícil seria que o presidente e os ministros encarassem a crise como efetiva e relevante para o Brasil. Não dá para prever com precisão o grau do impacto da crise mundial sobre o país. Todavia, este impacto não será desprezível. Ao contrário : o desenho da crise lá fora é tão horrível que a sabedoria recomendaria que o governo lançasse mão de políticas imediatamente. Se falassem menos e agissem mais...como seria bom....
Não esqueçamos (de novo)
O Brasil não fez nenhuma reforma estrutural nos últimos anos. Nenhuma. O país se beneficiou do excepcional cenário externo. Agora, o outro lado da moeda vai aparecer. Além disso, menor crédito externo significa menor crédito interno. Vai-se reduzir, assim, a outra alavanca do crescimento dos últimos anos. A descrença nestes fatos é erro grave. Ou bravata, o que seria pior.
Arrecadação menor X ajuste fiscal
O Brasil vem sustentando superávits fiscais desde 2000 que permitiram que a relação entre a dívida total do setor público e o PIB fosse declinante. Devemos alertar que a menor atividade econômica vai mostrar uma face bastante inquietante : o aumento das despesas públicas nos últimos anos foram "compensadas" por um aumento da arrecadação em larga medida influenciada (positivamente) pelo bom desempenho do PIB. Com uma possível recessão à porta de nossa economia é preocupante o cenário fiscal do país, pois a manutenção da estabilidade da dívida em relação ao PIB será tarefa dificultosa, sobretudo do ponto de vista político. Menor atividade é igual à menor arrecadação. Com a palavra, a Fazenda. Mais alto o juro, mais alta a despesa. Com a palavra, o BC.
A equação de Meirelles
Desta vez, com a ameaça de uma queda forte na atividade econômica neste último trimestre do ano e no início da 2009, estão quase insuportáveis (palavras de um BC ortodoxo) as pressões para que o Copom pare de vez os reajustes da taxa Selic. A marcação homem a homem está direta e, agora, em nível superior – nada de intermediários. É possível que o BC, com Meirelles à frente, já tenha chegado à conclusão de que é hora, ante as novas circunstâncias da economia mundial, de pisar no freio dos juros. Mas, nenhum BC do mundo aceita pressão explícita, até para não dar a impressão que está entrando no jogo político-partidário. É uma questão de manter a credibilidade. O governo faria melhor se deixasse os homens da política monetária agirem espontaneamente. Na última reunião eles já deram sinais de que estavam para arrefecer o ímpeto altista dos últimos Copons. As pressões podem criar um stress dentro da própria diretoria do banco, com reflexos nos mercados.
Uma figura a observar
Por falar em curto circuito interno no BC, anote este nome, Alexandre Tombini, diretor de normas da instituição. Ele é um funcionário da carreira do BC e liderou o grupo de três diretores que na última reunião do Copom votou por um aumento de apenas 0,50 ponto de percentagem na taxa de juros contra os 0,75 que acabam prevalecendo, com o voto inclusive de Meirelles. Ele é próximo de gente do Ministério da Fazenda. Em abril, quando em Brasília circularam boatos de que Meirelles poderia sair do banco (para seguir a carreira política e porque, na ocasião, o mar estava maravilhosamente para os peixes defendidos por Mantega) o nome de Tombini foi o mais falado para substituí-lo.
Uma situação a consertar
O presidente Lula quer sua equipe com um discurso unificado sobre a crise econômica, para não dar a impressão de que o governo está perdido, batendo cabeça diante de seu primeiro grande problema no campo econômico. O temor é causar pânico na população e afugentar investidores. A ordem é manter o otimismo, com algumas doses homeopáticas de realismo. Antes, porém, Lula deveria unificar os discursos internamente, fazer com que o Banco Central e o Ministério da Fazenda, pelo menos neste momento, passem a rezar pela mesma cartilha. E que um deixe de falar mal do outro reservadamente e em algumas colunas na mídia.
Argentina: a conta não fecha.
A crise é grave em todas as partes do mundo. Será particularmente grave no caso de países em que a irresponsabilidade foi maior nos últimos anos. É o caso de nossa vizinha do sul, a Argentina. A queda das cotações das commodities que foram não somente fonte de financiamento externo, mas também fonte de financiamento fiscal do país (via impostos sobre exportações) inviabiliza a forma de gestão do governo na dupla Cristina/Nestor. Anote aí, com letras garrafais : a crise lá será muito mais grave que na média mundial e dos emergentes.
Aviso dos analistas de Wall Street
Relatório divulgado nesta terça-feira (6/10) do Morgan Stanley alerta : "Recessão mundial é agora consenso." Trata-se de mais um relatório divulgado durante esta crise dando conta desta fatalidade. Ficamos muito agradecidos a este pessoal pela grande percepção que eles nos passam. Chega a ser de uma inteligência ímpar esta conclusão após o desastre pelo qual estamos a passar. Há pouco tempo vendiam o paraíso.
Relaxa e goza, mas não vota
A ex-ministra e ex-prefeita Marta (ex) Suplicy recebeu menos votos no primeiro turno desta eleição (32,79% dos votos válidos) que em 2000 (38,13%) e 2004 (35,82%). Aparentemente, o povo relaxou e gozou. Mas, não votou nela.
A eleição foi municipal, caros !
Havia a ilusão de que a eleição municipal poderia ser "federalizada". O eleitor não é trouxa. O que ele quer saber é quem vai conduzir os negócios públicos que afetam mais diretamente a sua vida. Foi assim que ele votou no domingo, com as raras e honrosas exceções etc., etc., etc. De que outra forma, se pode explicar que apesar de todo o empenho do presidente Lula, com seus 80% de popularidade, ele não tenha conseguido alavancar de fato a candidatura da ex-prefeita Marta Suplicy, a ponto dela ter perdido para o até pouco tempo inexpressivo Gilberto Kassab no primeiro turno e está em uma enrascada para a segunda rodada ?
Simples : valeu a boa imagem do prefeito atual, a avaliação positiva que ele tem. O eleitor escolheu o que ele tem na mão. Por isso, também, não dá para atribuir ao governador José Serra, um sujeito mais ou menos oculto na campanha paulistana, a maior parte do mérito da arrancada de Kassab. O fenômeno se repetiu mais ou menos pelo Brasil, com um número inédito de reeleições em todos os rincões. Pode-se dizer, como escrevi no meu blog ontem e o jornal Valor Econômico analisou em manchete, que foi a eleição da continuidade.
Um bom sinal da qualidade dos novos políticos-executivos (ou "velhos-novos executivos") que estão na vida política e do eleitor, o qual está deixando se levar menos pelo discurso demagógico e por outros vícios de nossa vida pública.
Isso não quer dizer, no entanto, que o resultado das eleições deste domingo não venha a ter uma enorme influência nas eleições de 2010 – e não apenas na eleição presidencial. Para uma análise mais correta disso é preciso estudar mais profundamente a direção dos votos e como ficaram as novas forças dentro do quadro partidário e dentro de cada partido. Afinal, ainda teremos algumas votações cruciais para essas definições, entre elas as disputas no chamado "Triângulo das Bermudas (São Paulo, Minas, Rio)", na Bahia e no Rio Grande do Sul.
E o Legislativo ?
A nova conformação das forças partidárias terá também forte repercussão nos dois próximos anos na Câmara e no Senado. Era objetivo do governo descer na capital da República com uma vitória acachapante de sua base de sustentação parlamentar, para fazer algumas reformas – tributária e política – do jeito que ele quer. Lula viria reforçado por ter sido o "grande eleitor" e nada seria negado a ele. Não resta dúvida que os partidos aliados somados tiveram um grande desempenho. Porém, erros na hora de unir os aliados em candidaturas comuns e alguns tropeços no primeiro turno – Marta em São Paulo, Luiz Marinho em São Bernardo, Crivella no Rio – acabaram por criar fraturas na base que precisarão ser consolidadas. O que leva tempo. E outras poderão surgir no segundo turno – em pelo menos 15 cidades na segunda rodada, a eleição será de aliados contra aliados (no Rio Grande do Sul e na Bahia, por exemplo, será PT contra PMDB em luta de carnificina). Para completar, o PMDB sai de novo forte das urnas. E para quem conhece o mais dividido dos partidos políticos brasileiros, sabe o quanto isso pode ser complicado para um presidente que depende de uma bancada como a peemedebista no Congresso.
E a oposição ?
A oposição deve dar graças a Deus pelos tropeços políticos cometidos por Lula e por seus aliados. Acabou não sucumbindo como Lula queria e se imaginava que poderia acontecer. Ganhou uma sobrevida que poderá ser maior dependendo do que ocorrer em algumas cidades no segundo turno – especialmente em São Paulo, onde suas chances, agora, são grandes. Precisará apenas arrumar um discurso, curar suas feridas e cauterizar algumas vaidades.
Tese em desuso
"Eleger poste" só em teoria e em sonhos. "Voto é um patrimônio muito pessoal."