Francisco Petros*
De novo, alta dos juros
Há indicadores de inflação que vêm apontando alta nos preços. Quais os produtos que estão com preços em elevação? Resposta: aqueles produtos cujos preços estão relacionados com as cotações externas (denominados tradeables, tais como os produtos siderúrgicos e alguns derivados do petróleo), as tarifas indexadas a índices de preços (tais como telefonia e energia elétrica), serviços que tiveram mudanças regulamentares relevantes (o exemplo mais relevante são os planos de saúde) e os alimentos e o vestuário que sofrem efeitos sazonais relacionados especialmente com aspectos climáticos. Os denominados “preços livres” têm apresentado um comportamento relativamente estável ao longo dos últimos meses.
Pois bem: é muito provável que nesta próxima quarta-feira o COPOM referende um aumento na taxa básica de juros. As expectativas são de que a elevação seja de 0,25% a 0,5% ao ano. O objetivo desta elevação é o de demonstrar a responsabilidade inequívoca do BC em relação às metas de inflação. Vale ressaltar que as taxas de juros no mercado futuro já refletem esta postura presumivelmente “conservadora” do BC. As aplicações prefixadas com prazos de vencimento de um ano já estão com taxas de juros de 18% ao ano. Os empréstimos pessoais e empresariais também estão com taxas mais altas há cerca de três meses. Resta saber o quanto a taxa de juros básica deveria subir para “enquadrar” as “expectativas” formadas no processo “circular” acima descrito.
Do ponto de vista político, o Banco Central parece “autorizado” a realizar o “ajuste” na taxa de juros básica. O Ministro da Fazenda Antônio Palocci e o Ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu falaram abertamente na semana passada sobre a perspectiva de elevação da taxa de juros. Ambos reiteraram que o “crescimento econômico está assegurado, mesmo que as taxas de juros estejam mais elevadas”. Um desejo perfeitamente compreensível. Resta saber se é realizável.
Tudo isto nos remete novamente aos aspectos que já foram levantados em diversos artigos publicados neste espaço. Vamos a eles:
1) O sistema de metas de inflação tem de ser monitorado e fiscalizado pelo Legislativo. Trata-se de uma questão de governance. Não é razoável que o Executivo proponha as metas de inflação, cujos critérios de estabelecimento merecem ser conhecidos e debatidos, e, a partir daí, passe a “perseguir” tais metas sem a supervisão independente de nenhum órgão ou Poder;
2) É preciso estudar com profundidade este processo de “formação de expectativas” em relação à inflação futura. Não existe nenhuma evidência “científica” de que tais expectativas, baseadas em pesquisas junto ao “mercado”, sejam críveis para fins de estabelecimento da taxa de juros básica;
3) É urgente que se investigue e, sobretudo, se estabeleçam regras para o fornecimento de informações e as reuniões entre o Banco Central e o “mercado”. Notícias da imprensa relatam que há grupos de pessoas e/ou instituições (um tal “Grupo de Fátima”, por exemplo) com acesso privilegiado à autoridade monetária. Tais reuniões podem, eventualmente, estar contribuindo para a “formação das expectativas” em relação à política monetária;
4) Não existe nenhuma evidência empírica ou científica de que a taxa de juros básica (selic), a qual indexa as aplicações pós-fixadas diariamente, tenha de estar em termos reais (descontada a inflação futura) em níveis ao redor de 10% ao ano. Sabe-se apenas que a relação risco versus retorno é extremamente favorável ao detentor de poupança financeira e prejudicial ao setor produtivo;
5) Deveria ser obrigatório que, a cada decisão do COPOM, o Tesouro Nacional publicasse qual é o impacto previsto sobre as contas públicas da elevação ou redução da taxa de juros básica. Seria muito educativo que a sociedade brasileira tivesse pleno conhecimento dos custos da política monetária para o Erário, ou seja, para o bolso de cada um de nós. Este item é particularmente vital para um país que tem uma relação dívida bruta/Produto Interno Bruto de quase 80% (56% descontando-se as reservas);
Depois de quase dois anos do governo do Partido dos Trabalhadores, está evidente de que não houve alterações fundamentais na condução da política econômica governamental. É claro que os fundamentos da boa gestão econômica - no que se refere à responsabilidade fiscal e a gestão da política monetária - têm de ser mantidos e uma “ruptura” com estes princípios não faz sentido. Entretanto, é preciso desvendar e reavaliar os critérios que norteiam as práticas destes fundamentos. A política monetária adotada pelo Banco Central necessita de um debate e revisão urgente. É preciso que a sociedade brasileira entenda que o maior ônus para um sistema produtivo é o custo de capital. Não se pode atribuir uma “sabedoria superior” àqueles que têm a responsabilidade de gerir as políticas que estabelecem este custo. Sob pena de se estar redistribuindo os recursos da sociedade de maneira injusta e descabida.
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petros@migalhas.com.br
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