Francisco Petros*
Temos de debater a meta de inflação!
Ao invés de justificar de forma racional a meta de inflação de 5,5% em 2004, o Presidente apenas criou a “parábola da multiplicação das metas de inflação”. (Ainda bem que não é o milagre!). Ao se mostrar um “ortodoxo” na matéria econômica, o presidente se desvia do real debate: o custo do capital e do Tesouro. De outro lado, se alguém debate a meta de inflação, torna-se um inflamado defensor da inflação. Pode?!
Não sou defensor da inflação, não rezo pela cartilha da irresponsabilidade monetária. Todavia, acredito que tenho (todos!) o direito de colocar alguns aspectos relativos a este debate:
- A taxa básica de juros, atualmente em 16,5% ao ano, é o mais importante instrumento disponível pelo BC para “formar as expectativas dos agentes econômicos” em relação à política monetária futura. Ao manusear a taxa de curto prazo (conhecida como taxa Selic), o BC busca influenciar o que se chama de “estrutura a termo da taxa de juros”, a chamada “curva dos juros” (curto médio e longo prazo). Note que o BC “busca influenciar”, pois quem forma a “estrutura a termo da taxa de juros” é o “mercado”. Aqueles que compram e vendem títulos públicos de diferentes prazos e privados (cujos prêmios de risco dependem da qualidade do emissor acrescidos da taxa básica de juros).
- Se uma meta de inflação é estabelecida de forma “errada”, logo o BC vai “persegui-la”, via taxa de juros de curto prazo (Selic), de forma mais custosa para todo o sistema econômico. E vice-versa.
- Mas, como é estabelecida a “meta de inflação”? Através da previsão de um determinado índice de preços ou de um conjunto destes que se torna(m) a meta de inflação. A partir do estabelecimento desta meta, o BC manuseia a taxa nominal de juros (Selic) para que a inflação “permaneça dentro da meta”. No Brasil, o índice de inflação adotado para o estabelecimento da meta de inflação é o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor – Amplo) coletado nas principais capitais dos estados e baseado numa cesta de produtos que incluem desde alimentos até serviços públicos (água, energia elétrica, etc.).
- Ocorre que a variação de um índice de preços nem sempre significa alta da inflação. Um exemplo simples: se há chuvas em excesso numa região, os preços dos alimentos podem subir, mas isso não significa que subirão necessariamente de forma constante. Outro exemplo: se as cotações do mercado internacional de petróleo sobem, os preços dos combustíveis são majorados. No primeiro caso, o aumento da taxa de juros não contribuirá para “controlar as chuvas” que afetam a oferta de alimentos. No segundo caso, um aumento da taxa de juros no mercado local, não influenciará a cotação do petróleo que é uma commodity.
- É natural que, mesmo diante de “choques de oferta” ou variações de preços de commodities, a autoridade monetária esteja atenta para que estes aumentos não “se espalhem” por toda a economia. Ou seja, o BC deve ser conservador. Contudo, quando se analisa um conjunto enorme de variações de preços, é preciso muita acuidade, senão o BC seguirá sempre sendo “conservador” e a taxa de juros adquire um “viés altista”. Afinal de contas, como saber se há alta de preços (variação de índices de preços) ou alta constante de preços (inflação de facto)? Esta é uma das razões pela qual o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA não estabelece uma “meta de inflação”, pois o Fed julga ser quase impossível fazer “uma leitura” correta sobre a evolução dos índices de preços. Contudo, é um acreditado guardião contra a inflação.
- Como agem os BCs com credibilidade? A exemplo do que ocorre na prática, usam uma combinação de “arte” e “técnica” e olham a economia como um todo. Pesquisam com profundidade as variações de preços e usam técnicas para projetar a inflação futura. Não desprezam os aspectos técnicos, mas também não os engrandecem. Analisam a realidade da atividade econômica, dos fluxos de capital, do mercado de trabalho e assim por diante. Assim como no caso da técnica, a realidade aparente também merece desconfiança dos responsáveis pela gestão da política monetária. Projetam, mas analisam possíveis erros.
- Agora vejamos o caso atual do Brasil. Os índices de inflação neste início de ano subiram em função de choques de oferta nos alimentos, altas anuais das mensalidades escolares (índices de preços ao e, no caso dos índices de atacado, em função de altas das cotações das commodities, como aço, produtos petroquímicos, metais especiais, etc. A atividade econômica persiste fraca, mesmo que crescente. Vem de um ano de recessão. O desemprego bate recorde. Os empresários se sentem inseguros. Houve alta de impostos.
- A partir de janeiro, o BC parou de reduzir a taxa básica de juros e começou a emitir “atas do COPOM (Comitê de Política Monetária)” sinalizando que “talvez” a inflação suba além da meta de 5,5%. Uma meta sobre a qual pesam dúvidas de natureza técnica. Será que as recentes altas de preços se tornarão altas constantes de preços (inflação)? Há demanda para isto? Com a sua atitude “ortodoxa”, o BC instalou na sociedade e, em particular, nos agentes econômicos a desconfiança. Surgem as perguntas. Há algo errado em termos de inflação? Será que será possível crescer? Deterioram-se as expectativas.
- Mais um detalhe: quem estabeleceu a meta de inflação? O próprio governo, através do Conselho Monetário Nacional (CMN)! Sem a supervisão de nenhum órgão ou poder “independente”. Apenas com base na sabedoria dos próprios policy makers. É como se um magistrado fosse ao mesmo tempo legislador e julgador de causas baseadas naquela lei que o próprio juiz criou.
- De um modo simplista, há “dois custos” numa economia nacional: (a) o custo da mão-de-obra (salários) e (b) os outros custos de produção. Os salários são estabelecidos pelo mercado de trabalho. Os outros custos são determinados pelo “custo de capital” que nada mais é do que o “custo de oportunidade” de consumir e/ou investir comparado à renda obtida pelas aplicações financeiras. Com efeito: quando uma sociedade aceita passivamente que um governo estabeleça uma meta de inflação sem discuti-la, está aceitando um determinado “custo de capital”. É razoável que isto não seja discutido e debatido? É razoável que se deixe um tema tão caro à sociedade somente sob a “batuta” de um BC? É razoável que se onere o orçamento com pagamento de juros sem que se fiscalize a formação de seus custos?
Política monetária é um tema muito complexo. Reconheçamos. O estabelecimento de metas de inflação necessita de muita reflexão, técnica e talento. Entretanto, não existe “suprema sabedoria” da parte de ninguém para dizer qual é a meta de inflação correta e como conduzir a política monetária à luz desta. Contudo, a melhor maneira de evitar erros grosseiros é debater, entender e fiscalizar a autoridade monetária. A diretoria do Banco Central não está acima da sociedade. Suas políticas merecem debate. Como qualquer outra entidade de natureza pública. Debater não quer dizer que se deseja inflacionar o país. O que se deseja é transparência!
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* Economista e pós-graduado em Finanças. Foi Vice-Presidente e Presidente (1999-2002) da APIMEC – Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (São Paulo).
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