O estado da política econômica - 1
Há que se concordar que qualquer que seja o governo este tem de dar respostas razoáveis e proporcionais às variações relevantes da conjuntura, seja política, social ou econômica. Da mesma forma, tais respostas (políticas, estratégias, planos) têm de ser guiadas por uma visão vetorial e estratégica. Este aspecto é particularmente importante quando há intervenções sobre o andamento de mercados ou de qualquer processo endogenamente formado naquela determinada sociedade, como no caso de manifestações e protestos. Isso porque o imperium não pode prevalecer a toda hora e para qualquer solução. A soberania estatal deve simbolizar a reunião de esforços em sentido específico e em prol do interesse comum (ou da res publica). A banalização da intervenção estatal sempre resulta em distorções que já não serão conjunturais, mas estruturais. Cria-se um perigoso viés, cujo custo é inexoravelmente incorrido, seja logo após a intervenção, seja à frente - lembremo-nos, neste item, do congelamento do câmbio no primeiro governo FHC. Além disso, intervenções conjunturais sem visões estratégicas acabam por se tornar um fim em si mesmo. Vira um jogo entre o Estado e a sociedade (ou parte dela). Forma-se um par antagônico, nós versus eles. Isso é quase tudo.
O estado da política econômica - 2
Reportamo-nos a entrevista do ministro Guido Mantega ao jornalista Valdo Cruz da Folha de S.Paulo no último sábado, 24/8. Vejamos alguns trechos em itálico e nossos comentários a seguir :
a) Sobre a dívida interna : "O que posso dizer é que a nossa dívida vai continuar caindo e com mais transparência em operações que poderiam suscitar dúvidas". Nosso comentário : o ministro poderia começar explicando o que persiste sem explicação, tais como as manobras fiscais envolvendo bancos oficiais e a definição arbitrária do que é e do que não é investimento na apuração do superávit fiscal.
b) Sobre reajuste dos combustíveis : "A Petrobras sempre pede. Ela tem uma política de mais de um reajuste por ano, mas sem olhar a questão cambial, de momento". Nosso comentário : primeiro seria necessário que o ministro se definisse sobre o seu próprio papel. Isso porque ele é o presidente do Conselho de Administração da Petrobras e desta função amealha alguns bons reais no bolso. Ora, quando diz o ministro que a "Petrobras sempre pede..." quer dizer o que ? Que ele pede para si mesmo ? Ademais, não sabe o ministro, ops !, o presidente do Conselho de Administração da Petrobras que existe uma enorme defasagem de preços dos combustíveis mantida pelo Ministério da Fazenda, cujo titular é o mesmo Guido Mantega ?
c) Sobre os especuladores : "Você pode ganhar, mas pode perder. Porque o nosso câmbio é flutuante. Então é preciso tomar cuidado. Houve época em que nosso câmbio flutuava apenas só para um lado. Se você apostar demais numa direção, pode quebrar a cara". Nosso comentário : Isso mesmo ministro. Concordamos que "você" pode perder ou ganhar. Parece um axioma razoável. Quanto ao câmbio este nunca flutuou apenas para um lado, ele subiu e caiu muitas vezes desde a adoção do regime flutuante, logo após a inauguração do segundo governo FHC. Este fraseado ministerial serve para explicar exatamente o que ?
d) Sobre a inflação : "A inflação tem uma trajetória sazonal. Começa alta no início do ano, vem caindo, atinge seu menor patamar em julho, depois volta a subir. O importante é a velocidade de crescimento, para que ela esteja dentro de parâmetros normais. Por exemplo, que a inflação de agosto fique em torno de 0,30". Nosso comentário : A inflação, conforme enorme literatura econômica internacional, não é aumento episódico de preços. Trata-se de aumento constante de preços. Este, no Brasil, gravita bem próximo à meta de inflação. Além disso, há uma considerável inflação acumulada nos últimos anos no Brasil, fruto de inúmeros fatores, mas um deles é constante : a falta de seriedade com que o governo trata o combate à inflação. Sobre isso nada fala o ministro. A única coisa que transparece das palavras de Guido Mantega é que a queda do câmbio é vital para o controle da inflação. Logo, é bom ter um limite para ele, mesmo que isso não dependa do ministro, mas do mercado. No caso, o mercado mundial.
O estado da política econômica - 3
Na semana passada, quando o tal do mercado mostrou que o dólar poderia subir bem mais, o governo anunciou que intervirá com US$ 50 bilhões no mercado cambial, via leilões de swaps cambiais. Tanto a elevação do dólar quanto a intervenção governamental são fatos importantes. Do lado do dólar as razões para a alta são bem claras : deve-se (i) a valorização da moeda americana no mercado internacional e também (ii) aos temores de que a economia brasileira não caminha bem por força da política da presidente Dilma Rousseff e que é executada pelo ministro Mantega. Mas e a intervenção no dólar ? Atende a algum objetivo estratégico ? Ou é algo meramente de controle conjuntural ? Há preocupação do governo com a competitividade da indústria nacional ? Além da intervenção do governo, o BC vai elevar a taxa de juros além daquilo que está previsto pelo mercado ? Não existe uma inflação "represada" nos combustíveis ? Não contou o governo com a queda das tarifas de transporte, pós-manifestações de junho/julho, para a queda da inflação ? O governo tem algum plano fiscal novo ? Bem, o governo Dilma Rousseff carece de uma visão estratégica e opera o dia a dia da política e economia. E ainda culpa o setor privado por ter dúvidas sobre o destino ao qual o país está sendo levado. Neste caso, o país pode "quebrar a cara" ?
Em prol da transparênciaDada a nova vocação do ministro Mantega para a "transparência em operações que poderiam suscitar dúvidas" por que não se estimula o presidente do BNDES Luciano Coutinho, colega de Conselho de Administração de Mantega na Petrobras, a divulgar com clareza os resultados das operações de empréstimos do banco para as empresas de Eike Batista e para outros setores econômicos, tais como os frigoríficos, nossos "campeões mundiais" ?
Recordar é viver : "Carta aos Brasileiros", Lula, PT 2002"Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à inflação, mas acompanhado do crescimento, da geração de empregos e da distribuição de renda, construindo um Brasil mais solidário e fraterno, um Brasil de todos. A volta do crescimento é o único remédio para impedir que se perpetue um círculo vicioso entre metas de inflação baixas, juro alto, oscilação cambial brusca e aumento da dívida pública. O atual governo estabeleceu um equilíbrio fiscal precário no país, criando dificuldades para a retomada do crescimento. Com a política de sobrevalorização artificial de nossa moeda no primeiro mandato e com a ausência de políticas industriais de estímulo à capacidade produtiva, o governo não trabalhou como podia para aumentar a competitividade da economia. Exemplo maior foi o fracasso na construção e aprovação de uma reforma tributária que banisse o caráter regressivo e cumulativo dos impostos, fardo insuportável para o setor produtivo e para a exportação brasileira. A questão de fundo é que, para nós, o equilíbrio fiscal não é um fim, mas um meio. Queremos equilíbrio fiscal para crescer e não apenas para prestar contas aos nossos credores." Seria cômico, não fosse trágico.
Tucanos, uma nau sem rumo - 1
Não se pode dizer que os tucanos ganhariam as eleições em 2002, 2006 e 2010. Na sucessão de Fernando Henrique Cardoso havia um ambiente de "fadiga de material" a prejudicar qualquer que fosse o candidato governista. Na reeleição de Lula, o presidente já havia se recuperado da crise do mensalão e ainda começava a colher os frutos de uma boa fase da economia internacional e nacional. Na hora da substituição de Lula, o clima econômico era mais favorável ainda a um candidato governamental, o que facilitou a eleição do então "poste político" que Lula escolheu para substituí-lo. Mesmo assim, os tucanos que concorreram com os petistas - José Serra duas vezes e Geraldo Alckmin uma - embora tenham ido para o segundo turno, coisa que Lula não conseguiu nas duas vezes em que se bateu com Fernando Henrique Cardoso, poderiam ter tido um melhor desempenho. Não ganhariam, provavelmente, mas teriam se saído melhor na segunda rodada das urnas. Matou-os a incrível fogueira de vaidades que os consome.
Tucanos, uma nau sem rumo - 2
Do modo que as coisas vão entre eles, os tucanos caminham novamente para perder a eleição presidencial, com um ano de antecedência, ante à sua incapacidade, primeiro, de se entenderem minimamente, e segundo, por sua incapacidade de apresentar uma alternativa de governo ao que está em prática. Tanto quanto o governo eles parecem não ter entendido bem o que a dita "voz rouca das ruas" está pedindo. Pelo andar da carruagem, depois de outubro de 2014, Serra vai passar a gozar de definitiva aposentadoria da política, e Aécio Neves, mais jovem e ainda com mandato, vai ter de recomeçar do zero sua corrida para quem sabe um dia chegar ao Palácio do Planalto. Naturalmente, num outro partido, pois os tucanos não resistirão intocados a um novo vexame eleitoral nacional.
De intrigarApesar da quase desintegração dos tucanos, são eles que ainda assombram mais o Palácio do Planalto e o PT. Basta ver a insistência com que os informantes informais palacianos insistem em dizer ora que o grande adversário da Dilma é a Marina Silva, ora que é Eduardo Campos. Sempre acrescentando que Aécio é figura descartada. Há nessa conversa uma clara intenção de inflar Marina e Campos, dois candidatos com estrutura bem menor e menos sólida do que o possível candidato tucano. O fato real é que embora os tucanos estejam meio perdidos nesta sucessão, em princípio, são eles que ainda preocupam os governistas. Por pouco tempo, pelo que estamos vendo da "pax tucana".
Só ele salva ?O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso engajou-se de fato na campanha de Aécio Neves. Aliás, como não o fez nas outras três campanhas em que o PSDB foi derrotado pelo PT. Conseguirá manter o partido mais ou menos unido e entusiasmado para o embate ? Só ele é a esperança dos tucanos.
Também é somente ele
A presidente Dilma, como sempre ocorre quando o mundo econômico e/ou político ameaça desabar sobre um governo, passou quatro horas na semana passada no confessionário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em SP. Tempo suficiente para discutir a escalação do Corinthians e passar em resumo toda a Bíblia. Também serviu para Lula dar instruções eleitorais e administrativas à pupila. Dilma aproveitou a vinda à SP para se aconselhar a respeito do que fazer sobre a maré de insatisfações políticas e econômicas que ronda o Palácio do Planalto. Os oráculos de Brasília esperam que a presidente se torne um pouco mais cordata com o mundo político depois desta conversa. Também se espera mais ações na economia para atrair de novo a atenção dos empresários. Há expectativas de novas mudanças nas regras de concessões.
É tudo com elePara sentir cada vez maior a influência do ex-presidente nas coisas que Brasília faz, veja o que escreveu sábado em seu artigo semanal da "Folha de S.Paulo", o jornalista e professor da USP, André Singer, porta-voz do Palácio do Planalto, na primeira fase do governo Lula : "Seja como for, o bloco reunificado [de empresários] foi se queixar a Lula, como se tornou costume à esquerda e à direita, obtendo uma espécie de recuo do desenvolvimentismo em quase todas as frentes no último semestre : aumento de juros, privatizações generalizadas na área de transportes, maiores taxas de retorno nas concessões, expansão das desonerações, suspensão das restrições ao capital especulativo e corte de dispêndio público". Leia-se : é Lula quem faz. E leia-se em certos amuos petistas : esta mudança de rumo não está agradando.
Entenda quem quiser
Muito se incensou - e justamente - a fala do ministro Celso de Mello, do STF, na primeira sessão de julgamento do mensalão, após a altercação entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Foi de forma elegante, um desagravo a Lewandowski, mas foi principalmente uma reafirmação da autonomia e independência do Supremo, acima de algumas paixões, quase um Fla-Flu (ou um Corinthians-Palmeiras) com que determinados grupos estão tratando o julgamento da AP 470. O recado foi muito claro, em uma substancial sentença, curiosamente ignorada por uma parte das arquibancadas : "Não nos olvidemos, jamais, senhor presidente e senhores ministros, das sábias palavras do saudoso ministro Luiz Gallotti, que lançou grave advertência sobre as consequências do processo decisório nesta Corte, ao enfatizar que o Supremo Tribunal Federal quando profere os seus julgamentos, também poderá, ele próprio, ser 'julgado pela Nação' (RTJ 63/299, 312) e pelos cidadãos desta República". Ou seja : o STF não é um ser anódino, apartado da sociedade. Para quem quiser entender, isto basta.
Aos embargos aquilo que é, de fato, infrigenteA questão "técnica" sobre a validade ou não do regimento interno do STF no que toca aos embargos infringentes é questão muito polêmica e passível de legítima dissecação dos excelsos jurisconsultos. Todavia, em sendo a Ação Penal 470 uma espécie de proxy sócio-política do Estado da Nação, a possibilidade de desvios jurisprudenciais é elevada. E mais : servirá de perigoso paradigma para esta questão "técnica". Todos os juízes ao redor daquelas mesas do plenário sabem disso e já revelaram a interlocutores suas preocupações. O problema é que, caso o andamento do julgamento caminhe para uma revisão das sentenças, poderemos ver coisas surpreendentes nas manifestações dos ministros. Os ácidos recados do presidente do STF poderão ir além do que já foi registrado. Nem parecido com Ulpiano, aquele jurisconsulto que firmou a máxima de que "tais são os preceitos do direito : viver honestamente, não ofender ninguém, dar a cada um o que lhe pertence".
Tão simples explicar
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, cada vez menos ministro e cada vez mais candidato ao governo de SP, sempre uma figura muito afável em suas entrevistas, está exibindo clara irritação com as críticas e contestações à importação de quatro mil médicos cubanos que o governo pôs em prática esta semana. Boa parte delas, as de ordem legal, envolvendo inclusive questões trabalhistas, poderia ser facilmente rechaçada com a divulgação completa das datas e tudo mais do convênio que o governo brasileiro assinou com a Organização Panamericana da Saúde (OPAS) para tornar viável a importação. Simples assim.
Também quero o meu
Entusiasmado com o que no governo é visto como um grande sucesso de "público" do ministro da Saúde, o programa "Mais Médicos", seu colega da Educação, Aloizio Mercadante, que lá no fundo ainda não "revogou" sua pretensão de concorrer ao governo de SP, anunciou que poderá também lançar em sua pasta um sucedâneo do programa de Padilha, o novo programa "Mais Professores". A questão é saber de onde virão esses profissionais se, como no caso dos médicos, não houver brasileiros suficientes para suprir as vagas a serem oferecidas pelo MEC : preferencialmente de Cuba também ? Dos países lusófonos ? Do Vietnã, Japão ou China ? E mais serão dispensados, como os médicos de um exame de validação do diploma e de um teste de eficiência em Língua Portuguesa ? Eleição, o que não se faz em seu nome !
Frase da semana
Do escritor e jornalista Gilberto de Mello Kujawiski em artigo no Migalhas :
"Por fim, permito-me reparar ainda que a denúncia da 'corrupção' gritada e escrita nas manifestações de junho não se limita a receber ou dar propina, não envolve forçosamente dinheiro. Refere-se à outra corrupção mais profunda e danosa : a deterioração das relações dos governantes com o Estado, apropriando-se do público em seu proveito, como se privado fosse, e pior ainda, provocando a degeneração do projeto de país em projeto de poder, sem limites." (clique aqui)
Comissões da verdade
Consta que os Estados já criaram nove "Comissões da Verdade" para apurar violações aos direitos humanos no período 1946-1988. Somadas tais comissões estaduais à sua "mãe" Federal o Brasil parece viver um verdadeiro período de apuração histórica sobre o papel da repressão (estatal ou não) sobre as pessoas e entidades. Observados os resultados de tais apurações verificamos que pouco ou quase nada se acresceu aquilo que já se sabia. O trabalho de tais comissões deve ser até sério, mas convenhamos : será que dá para ter algo "novo" sem uma abertura geral e irrestrita dos arquivos estatais, sobretudo aqueles nas mãos dos militares ? Com resultados tão pífios não seria o caso destas comissões se debruçarem sobre os 50 mil homicídios que o Brasil tem todos os anos ? Este indicador é sim uma violação monumental aos direitos humanos, um recorde mundial que nos envergonha.
Radar NA REAL
23/8/13 | TENDÊNCIA | ||
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Mercado Acionário | |||
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- S&P 500 | 1.663,50 | estável/alta | alta |
- NASDAQ | 3.657,79 | estável/alta | alta |
(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável