Política, Direito & Economia NA REAL

Política & Economia NA REAL n° 198

O governo Dilma testa uma "nova" política econômica, na qual o tripé usado nos últimos anos do governo FHC e na maior parte do governo Lula é relativizado e dá lugar a outras variáveis.

22/5/2012

Pavões também não se bicam

Na política brasileira acreditava-se – o que, aliás, se comprova quase todos os dias – que tucanos de plumas mais vistosas se bicam com gosto e frequência. Era, acreditava-se, uma característica apenas deles. Agora, descobre-se que os pavões partidários também não se bicam, embora suas "armas" sejam menores que a dos tucanos. Petistas de vários costados andam eriçados com certas ações da presidente Dilma, apenas ainda não botaram seus bicos para fora – é gente que se queixa de perda de espaço, de pouca atenção, de mudanças de política e até, agora, de ignorar os riscos de julgamento do mensalão. Menos discretos, dois coloridos (não são assim os pavões) peemedebistas, Nelson Jobim e Michel Temer, trocaram bicadas, aliás, flechadas mesmo, na semana passada, explicitando certo mal estar existente no partido que vende a imagem de estar unido em torno de seus líderes atuais. Se o PMDB não for muito bem nas eleições municipais, a disputa vai se acentuar. O ar político não está dos melhores para as aves partidárias.

O que a Petrobras não diz ao Brasil. Nem à Argentina (I)

Publicamente, o governo brasileiro e a Petrobras receberam com naturalidade a tomada pela Argentina da petroleira YPF das mãos da espanhola Repsol. O Brasil não viu ameaças aos negócios da nossa empresa estatal do setor por lá. Recebeu em Brasília o ministro argentino responsável pela área petrolífera e interventor na reestatizada YPF e até acenou, mesmo que apenas como uma cordialidade diplomática, com a possibilidade de a Petrobras fazer novos investimentos no país vizinho como deseja a presidente Cristina Kirchner. Ao mesmo tempo, apesar de desejos manifestados pelo ministro das Relações Exteriores da Espanha, que inclusive esteve em Brasília na semana passada, Dilma se recusou a condenar a posição adotada por sua colega argentina. Não aplaudiu abertamente, pela óbvia razão de não despertar desconfianças em investidores sobre o Brasil. O governo brasileiro aparentou total normalidade no caso. Para a Petrobras, dizia-se, nada muda.

O que a Petrobras não diz ao Brasil. Nem à Argentina (II)

Para o mundo real, no entanto, o conteúdo é outro. Em recente documento encaminhado à SEC, a Petrobras apresenta de outra forma a questão da YPF. Não a normalidade que passou para os brasileiros. Segundo relato das agências de Notícias Infolatam e Efe, a Petrobras informou aos americanos que é provável que o governo de Kirchner "siga intervindo" na indústria petroleira além do que já fez com a Repsol. Informa também que a intervenção na YPF pode ter "efeitos materiais adversos" sobre seus "próprios negócios, condição financeira e resultados operacionais". Diz ainda que "as permissões e concessões de exploração de petróleo e gás na Argentina estão sujeitas a condições e podem não ser renovadas ou ser revogadas". A CVM foi comunicada oficialmente dessas preocupações ? Os investidores brasileiros sabem dela ? O governo Kirchner, com quem Dilma quer manter uma vida serena, sabe dessas desconfianças brasileiras ?

O pior dos mundos ?

O governo Dilma testa uma "nova" política econômica, na qual o tripé usado nos últimos anos do governo FHC e na maior parte dos anos do governo Lula – meta de inflação, superávit primário robusto e câmbio flutuante – é relativizado e dá lugar a outras variáveis, como a do crescimento econômico vigoroso, com mais incentivo ao consumo interno num momento delicado. Os ventos do exterior sopram cada vez mais incertezas, para o lado negativo . E o mar interior não está nada róseo :

1. A inflação, discursos oficiais à parte, não dá sinais de arrefecer até agora, caminha para ficar mais para cima dos 5% do que para o perseguido centro de meta de 4,5%.

2. O crescimento da economia está lento e a recuperação do ritmo, esperada para o segundo trimestre foi adiada nas expectativas gerais, para o segundo semestre. Sem milagres, se o PIB ficar um pouco acima dos 2,7% do ano passado, em torno de 3% já será considerado excelente.

3. O forte crescimento da arrecadação tributária prevista inicialmente no Orçamento, uma das bases para, ao mesmo tempo, manter-se os gastos públicos, custeio e investimento, em níveis mais elevados que no ano passado e a meta de superávit primário de 3,1% do PIB, já está se frustrando. O Ministério do Planejamento, no relatório de avaliação fiscal do bimestre março/abril, reavaliou a previsão de receita em menos R$ 10 bilhões.

4. Os investimentos, tanto os privados quanto os públicos, estão em câmara lenta. Segundo as estimativas do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, as inversões particulares no Brasil (medidas pela formação bruta de capital fixo, sigla FBKF) encolheram 2,5% em relação aos três meses anteriores. Do lado oficial, os investimentos tiveram uma queda de 5,5% nos primeiros quatro meses de 2012 em relação ao mesmo período do ano passado.

Nessa situação, haja discurso otimista do ministro Guido Mantega, que espalha sua confiança dia sim outro também, e de seus auxiliares. Ontem mesmo, Mantega deitava esta pregação no "Valor Econômico" e o secretário da Política Econômica do Ministério da Fazenda espargia a mesma lenga lenga no "Brasil Econômico". Como Dilma não quer ver a economia patinando, o governo começou a atacar ontem, com corte no IPI dos carros e outros incentivos ao consumo. Reprises de um filme - o crescimento pelo consumo - esgotado no momento, segundo muitos analistas.

Mais uma jabuticaba ?

Mesmo com o gosto pela cor rósea, o governo já admite internamente que o PIB deste ano não será o dos sonhos da presidente Dilma. O ministro Guido Mantega deu a senha em entrevista ao "Estadão" ao admitir que partir de um patamar de 2,7% (o PIB de 2011) não é todo ruim. Mas não dá o braço totalmente a torcer e, como os meteorologistas costumam falar em "sensação térmica" quando o frio que as pessoas sentem parece maior do que aquele que os termômetros marcam, imagina que chegaremos ao fim do ano com uma sensação de PIB de 4,5% a 5%. Mais uma genuína contribuição brasileira para o vocabulário econômico.

O BC e suas circunstâncias

É diante desse quadro que o BC não terá outra circunstância do que continuar a queda, em ritmo acelerado da taxa de juros. Para a maioria dos analistas, o piso do fim do ano da Selic não será mais 8%, mas 7,5%.

A volta de uma expressão

Se a cabriolé da economia não mudar de ritmo como Dilma quer e Mantega assegura que ocorrerá e a situação europeia se deteriorar ainda mais como muitos parecem acreditar, não será surpresa que uma expressão em voga no Brasil depois que FHC deixou o governo, a tal "herança maldita", volte ao proscênio no linguajar oficial. Mesmo que discretamente sussurrado e endereçado não mais ao seu primeiro destinatário.

Silêncio constrangedor

Mesmo diante desse quadro, a oposição não tem o que dizer. Nem para uma condenável crítica aberta, puramente oportunista, muito menos com propostas concretas para políticas diferentes das que estão em jogo. O silêncio ecoa diante dos eleitores mais atentos e mais informados. Quando alguém ousa sair do óbvio, como recentemente o senador Aécio Neves em Recife, falando em uma "agenda para o Brasil da oposição para os próximos 20 anos", não explicita suas ideias. Governo politicamente balofo e oposição raquítica de nomes e ideias : eis os males do Brasil neste momento.

Enquanto isso, na Europa...

A cada semana que passa os sinais mostram que os líderes europeus não estão habilitados a lidar com a imensa crise do Velho Continente. O desemprego grassa por todos os países e a receita germânica de austeridade dá provas inequívocas de sua incompatibilidade com a realidade financeira dos países meridionais da Europa. A Espanha está à beira de um colapso de seu setor financeiro, a França apresenta sinais de acentuação da crise de emprego e a Itália se sustenta enfrentando a cada leilão de títulos públicos maiores custos e menor liquidez. A Grécia provavelmente sairá do euro e restará mais incerteza e sofrimento. Não vale apostar numa estabilização das economias europeias caso as medidas e políticas continuem dentro do padrão atual.

Commodities em queda

Desde o começo do mês as perdas dos mercados acionários foram de mais de US$ 4 trilhões. A instabilidade europeia está diretamente ligada a este resultado. Os preços das commodities persistem caindo, no rastro de uma substancial desmobilização de ativos por parte dos especulativos fundos hedge. Na semana passada, completou-se o período de três semanas seguidas de queda nos principais índices de commodities. Grande parte do segmento de metais está caindo, bem como as commodities agrícolas, especialmente o suco de laranja. Para o Brasil, este cenário é, ao mesmo tempo, deflacionário e redutor da atividade econômica. Note-se que a China pode ter um crescimento ainda menor que os 6% inicialmente imaginado considerando-se este cenário. Neste sentido, as exportações brasileiras devem sofrer muito mais que outros países, dado que a pauta de comércio exterior está muito mais dependente do desempenho das commodities que nos anos 80 e 90 do século passado.

JP Morgan : mais um sinal dos tempos

A perda de US$ 2 bilhões em operações de tesouraria com derivativos do banco americano não deve ser considerado como uma "exceção" na indústria financeira internacional. Muitos bancos podem não ter registrado perdas gigantescas como esta, mas o potencial de perdas é enorme. Infelizmente, desde a crise de 2008, os órgãos reguladores das principais economias não foram capazes de impor legislações mais rigorosas para que se evite este tipo de perdas. Os lobbies da área financeira são poderosos e paralisaram a onda reformista que parecia estar surgindo ao final de 2008. O que se vê é um elevado nível de complacência regulatória que enfraquece o sistema financeiro e a economia mundial. Os políticos permanecem captando recursos para as suas campanhas eleitorais no rico mundo financeiro. Sobretudo nos EUA. Especialmente, no caso do ex-reformista Barack Obama.

Direto para o forno de pizza

Ou alguns políticos mais audazes e menos comprometidos entram no jogo ou a CPI Cachoeira-Delta vai morrer lentamente nas mãos de pizzaiolos de diversas colorações partidárias. A oposição discursa e faz corpo mole. E os situacionistas ficam definidos no torpedo "nós somos teu" dirigido pelo deputado petista de SP e ex-líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, ao encapuzado (ou melhor, "enguardanapado") governo do RJ, Sérgio Cabral. O lado mais raivoso do situacionismo tinha como foco na CPI o procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, parte da imprensa, em especial a "Veja" e a oposição. Agora, o foco (ou a falta de foco) é evitar que a CPI vá mais fundo nas investigações. Para Dilma é um alívio que os aliados tenham tomado juízo, pois chegar fundo na Delta e em Cachoeira paralisa o Congresso e pode parar centenas de obras federais Brasil afora.

Salvando os bancos públicos ?

A intenção, anunciada na imprensa e não desmentida oficialmente, de transferir créditos atrasados (também conhecidos como créditos podres) da CEF para a Empresa de Gestão de Ativos do Ministério da Fazenda, e que pode ser estendida a outros bancos oficiais, BB e que tais, tem cheiro de limpeza dos balanços dessas instituições, depois que elas foram forçadas a ser generosas nos juros e nos empréstimos ao público. Salvamento disfarçado em operação técnica. Há indícios de que o balanço da Caixa mostrará que todo o lucro dela decorre da remuneração dos serviços prestados ao governo, como um dos agentes financeiros oficiais. As operações com o público estariam no vermelho e com um azul bem tisnado.

Rir para não chorar

Como não tem infraestrutura viária (nem hoteleira, diga-se) para atender as necessidades de circulação de visitantes da cidade na Rio + 20, o governo carioca de Eduardo Paes, de comum acordo com o governo estadual e Brasília, declarou oficial feriado local nos dias da reunião de cúpula da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, 20, 21 e 22 de junho, um feriadão que vai de quarta-feira até domingo. E, como o ritmo dos preparativos para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 está de lento a quase parando, já se prevê que feriados idênticos poderão ser decretados por ocasião de algumas das competições desses grandes eventos. Pela Copa, ainda, o calendário escolar deverá mudar no país inteiro e as cidades-sedes deverão ter feriados nos dias dos jogos para facilitar o trânsito. A possibilidade é tanta que o humor carioca já está sugerindo até que se enforque de uma vez também o ano de 2015, exprimido que ficará entre duas memoráveis festas.

E a Igreja Católica ainda não sabe o porquê

Atrelada a exigências e comportamentos um tanto antiquados, alguns até mediáveis, a Igreja Romana mostra as estatísticas : vem perdendo fiéis para outras denominações religiosas, especialmente os neopentecostais. Estas andam muito mais afinadas com o "novo mundo". Em São Paulo, por exemplo, a Igreja Universal tem pelo menos um templo em que há um "drive thru de oração". Outro, tem uma espécie de "terceirização" também das orações : o fiel encontra um caixinha onde deixa o pedido de uma reza, sua contribuição pecuniária e alguém de direito ora por ele. Não há conhecimento ainda se a Universal aceita orações pela Internet ou tem delivery para esse serviço.

Radar NA REAL

18/5/12 TENDÊNCIA
SEGMENTO Cotação Curto prazo Médio Prazo
Juros ¹
- Pré-fixados NA estável estável/alta
- Pós-Fixados NA baixa baixa
Câmbio ²
- EURO 1,2823 baixa baixa
- REAL 2,0412 baixa estável/baixa
Mercado Acionário
- Ibovespa 54.513,16 estável/baixa estável
- S&P 500 1.295,22 estável alta
- NASDAQ 2.778,79 estável alta

(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA – Não aplicável

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.