Política, Direito & Economia NA REAL

Política & Economia NA REAL n° 183

17/1/2012

Dilma, entre o corte e o crescimento

No mundo economicamente conturbado que descrevemos em notas abaixo, a presidente da República prepara-se para definir os rumos da economia brasileira em 2012. Os objetivos básicos, teóricos, de Dilma são três :

1. Crescimento do PIB para chegar num ritmo de 5% no final do ano, com um mínimo de 4% para o ano cheio.

2. Trazer a inflação para perto dos 5% ao ano, o quanto mais próximo possível dos 4,5% do centro de meta marcado pelo Conselho Monetário Nacional.

3. Fechar o ano com o juro Selic de um dígito, de 9% ou 9,5%.

O essencial, no entanto, é o crescimento, do qual a presidente não abre mão depois dos decepcionantes, para ela, 3% ou menos de PIB no ano passado. A chave dessa equação é o investimento público, tido como indutor do investimento privado, segundo a ótica oficial. E, por isso, o jogo é saber quanto é possível cortar do Orçamento deste ano sem comprometer esta rubrica e ainda manter os programas sociais os quais Dilma também não dispensa. Analistas privados e parte da equipe econômica calculam que será necessário um corte inicial de entre R$ 60 e R$ 70 bi para que se cumpra a meta de superávit primário cheia de 3,1% e com isso o BC possa tranquilamente continuar cortando os juros e mesmo assim ajustando a inflação. Outra parte dos que falam de economia no governo acham que um corte desta magnitude é impossível sem sacrificar investimentos. É equilibrar essas duas posições que a presidente está desafiada a fazer nas próximas semanas, uma vez que as divergências de opiniões entre seus auxiliares já começam a pipocar na imprensa e a provocar disputas e boatos. Veja, a propósito, declarações do secretário-executivo do ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, sexta-feira em SP, entrevista do secretário do Tesouro Arno Augustin, no "Valor Econômico" de ontem, e declarações esparsas do ministro Guido Mantega. Eles não estão totalmente em sintonia. Para completar as dificuldades da presidente, há a avidez eleitoral de deputados, senadores, governadores e prefeitos para menos rigidez no controle dos gastos públicos.

Brasil, em ritmo lento

O Brasil sofre os efeitos do enfraquecimento da economia mundial nos últimos três anos, mas a perda de dinâmica se deve fundamentalmente à letargia governamental em promover reformas e engendrar políticas públicas para sustentar o crescimento econômico. Não há reformas econômicas estruturais, sobretudo no que tange à desoneração tributária e o conteúdo tecnológico de nossas exportações é baixo e pouco dinâmico num ambiente internacional altamente competitivo. O governo teima na viabilização de seu PAC, mas o que se vê é um lento, gradual, mas consistente processo de desindustrialização. A moeda está valorizada, sob qualquer critério de avaliação, e os juros, muito embora sejam declinantes no curto prazo, se mantêm elevados nos prazos mais elásticos. O que se vê é uma estagnação muito além da mera observação dos indicadores econômicos. É quase uma atitude mental. As atividades no setor financeiro ou de fusões e aquisições, apenas para citar um exemplo, estão bem vigorosas. Todavia, escondem a essência daquilo que transformaria o país : os investimentos públicos são pouco eficientes e produtivos, a infraestrutura carece de uma oferta crescente e o setor privado ainda está desconfiado com o ambiente externo e com a consistência do crescimento doméstico. Mesmo que o Brasil cresça, digamos, 5% este ano, falta ao país a evidência de que este crescimento é sustentável e digno da denominação de país emergente.

Cenário do mercado

O desempenho da bolsa de valores brasileira demonstra claramente que o Brasil está estagnado. Os resultados para o investidor no ano passado foram negativos e no último trimestre relativamente ao início do ano, o resultado pode ser considerado irrelevante. Como sempre enfatizamos aos nossos leitores, não fazemos previsões. Preferimos falar de tendências. A nosso ver o destaque positivo do mercado neste primeiro trimestre deve ser o mercado acionário dos EUA, que vivem um momento de recuperação econômica que merece redobrada atenção. O Brasil deve ser favorecido por esta tendência favorável nos EUA. Do ponto de vista negativo, apontamos a China como o principal risco potencial e a Europa, obviamente, como o risco visível mais relevante. Assim sendo, para o investidor ainda é tempo de manter cautela, dado que nada indica que a crise internacional terá solução mais duradoura por força da confusão da política europeia. De toda a forma, não há porque se acreditar piamente num processo ainda mais danoso, muito embora esta possibilidade sempre exista. Os custos de um colapso do euro, apenas para citar o exemplo mais evidente, é algo tão grandioso que de nada adianta fazer previsões sobre as consequências, caso esta hipótese se tornasse real. Por fim, é concretamente possível que ao menor sinal de consistente recuperação da Europa, o desempenho mundial seja bem melhor que estimam os analistas, economistas e agentes. Rupturas ocorrem em momentos de euforia e recuperações em momentos de depressão. O importante é observar as mutações das variáveis de risco e retorno. Uma tarefa diária já que as bolas de cristal dos gurus de mercado parecem trincadas.

A teimosia alemã e a derrocada europeia

Não precisa ser um analista financeiro para perceber que a estratégia fiscalista da Alemanha está fracassando na busca da recuperação da economia europeia. Desde outubro de 2011, quando foi adotada completamente a estratégia de Angela Merkel, o euro caiu 9,5% frente ao dólar, as bolsas europeias despencaram, enquanto o S&P 500, principal indicador do mercado acionário norte-americano, subiu 3,4%. E tem mais : nem a estratégia do presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, de emprestar recursos, de forma ilimitada, para o sistema resultou na recuperação da confiança no Velho Continente. Os "tecnocratas" que estão a comandar a política na Espanha, Portugal, Grécia e Itália, continuam com o seu receituário de contenção fiscal, mas os agentes persistem inquietos e pedindo mais "prêmios por risco" a cada leilão de títulos europeus.

Agora a Standard & Poor's…

Não bastasse o euro ser a pior moeda entre as dez mais relevantes, incluso aí o Brasil (que teve o melhor desempenho em termos de valorização cambial), o México, e a Nova Zelândia, a agência de classificação de risco Standard & Poor's revisou no fechamento da semana passada a nota de nove países europeus ; a França foi "rebaixada" e perdeu a sua condição de "triple A". O efeito deste rebaixamento é a redução da demanda por títulos franceses de vez que muitos fundos são proibidos de adquirir títulos que não possuam a classificação máxima em termos de risco de crédito. Do ponto de vista informacional a S&P nada mais fez do que colocar gasolina na fogueira e projetar o que todos esperam no atual contexto : mais depreciação do euro, mais turbulência financeira, mais risco de colapso de empresas privadas e o desemprego campeando o Velho Continente.

O setor privado vê o crédito se contrair

A elevação dos prêmios de risco dos títulos soberanos está alijando as empresas europeias do mercado de crédito. Os custos de contratação e rolagem de empréstimos estão subindo celeremente e as empresas começam a concorrer ainda mais para obter recursos no sistema financeiro. Este processo maléfico está se espalhando pelo sistema e já atinge inclusive grandes conglomerados empresariais de toda a Europa.

A Alemanha não é uma ilha

O PIB alemão mostrou-se sólido em 2011 e cresceu 3%. Isto está no retrovisor. Daqui para frente, a demanda europeia por produtos alemães vai cair e o desempenho do país dependerá ainda mais de seu sólido setor exportador. Além disso, a crise bancária pode (deve ?) contaminar os bancos alemães que estão com ativos recheados de títulos soberanos da Itália, Espanha, Portugal e Grécia. Angela Merkel sabe disso, mas se recusa a admitir que o BCE cumpra o seu papel de emprestador de última instância, como faz o Fed do outro lado do Atlântico. A aposta de Merkel é grande e há quem creia nela. Até agora, o barco europeu só fez balançar e se encher de água. Veremos.

Lembrança

Nas três vezes em que o Brasil, no governo FHC, sofreu colapsos cambiais, as autoridades econômicas assinavam acordos com o FMI prometendo aumentar o superávit fiscal. Era uma medida importante. Todavia, o essencial era o papel de "emprestador de última instância" do FMI e outras instituições multilaterais. Por que, no caso europeu, isto seria diferente ?

EUA, recuperação consistente ?

Não resta dúvida de que houve uma recuperação significativa do consumo dos norte-americanos no último trimestre, com resultados ainda reduzidos sobre o desemprego. Todavia, a estratégia de "atolar o mercado com liquidez" do Fed, está com menor pressão política da parte dos republicanos e dos agentes econômicos. Ponto para o candidato à reeleição Barack Obama. Os diversos segmentos econômicos estão em recuperação, muito embora a consistência deste movimento apenas se confirme ao longo deste ano. O mercado financeiro e de capital está com um desempenho crescentemente otimista e, não fosse o risco europeu, os investidores poderiam estar comemorando lucros maiores. O grande teste, todavia, será político. Obama tentará a reeleição e, até agora, conta com a fragilidade do discurso republicano, muito embora as pesquisas eleitorais mostrem um empate técnico entre Obama e seu provável adversário Mitt Romney. O tempo dirá, mas a eleição será decisiva para reforçar ou mitigar o enorme esforço monetário da maior economia mundial.

China, o enigma

Os dados econômicos divulgados pelo governo comunista de Pequim mostram que o vigor da economia chinesa está à prova. O crescimento marginal da atividade econômica está tendendo para uma redução para algo entre 6% e 7%. A China perde dinamismo interno em setores vitais, tais como a construção civil e alguns setores de consumo. O emprego se sustenta e pouco se sabe concretamente sobre a situação de crédito. As exportações estão vigorosas, mas as importações crescem, sobretudo em setores tecnologicamente mais avançados. Para o bem do mundo e especialmente para os exportadores de commodities, tal qual o Brasil, é essencial que a China estabilize o seu crescimento em patamares elevados. Caso contrário poderemos assistir a um ajuste negativo na economia mundial, absolutamente indesejável num momento em que os países centrais estão atolados na estagnação.

Radar NA REAL

13/1/12   TENDÊNCIA
SEGMENTO Cotação Curto prazo Médio Prazo
Juros ¹
- Pré-fixados NA baixa baixa
- Pós-Fixados NA baixa baixa
Câmbio ²
- EURO 1,2677 baixa baixa
- REAL 1,7873 estável/baixa estável/baixa
Mercado Acionário
- Ibovespa 59.146,60 estável/alta estável
- S&P 500 1.289,09 alta alta
- NASDAQ 2.710,67 alta alta

(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA – Não aplicável

Reforma sem reforma

E improvável que Dilma faça uma ampla alteração na composição nominal de seu ministério, como em algum momento se chegou a imaginar e alguns ainda torcem para que aconteça : uns de olho na possibilidade de se melhorar a qualidade da equipe e outros (os partidos aliados) nos cargos. É mais improvável ainda, como assessores da presidente chegaram a insinuar que poderia acontecer, que Dilma aproveite a ocasião gerada pela saída de ministros candidatos para fazer também uma reforma da conformação ministerial, fechando e fundindo pastas. Sairão uns quatro ou cinco ministros e no máximo haverá um enxugamento. Por duas razões :

1. Embora infunda medo nos aliados, Dilma não tem condições de afrontar os partidos, como ficou agora claro no episódio envolvendo o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, e o PSB do governador Eduardo Campos.

2. Não dá ainda para romper bruscamente com a herança pessoal de Lula, de quem o PT, os aliados e o próprio governo vão depender muito para um bom desempenho eleitoral em outubro. Ainda mais se a economia se complicar, Lula será a salvação. Ele e a fraqueza da oposição.

Na trilha de Ascenso Ferreira

O poeta pernambucano tem um verso que diz mais ou menos assim (citado de memória) :

"Hora de comer, comer / Hora de dormir, dormir / Hora de descansar, descansar / Hora de trabalhar, pernas pro ar que ninguém é de ferro".

Este é o lema que a oposição brasileira adotou no ano sabático que se concedeu em 2011, com o fito de incomodar o menos possível a presidente Dilma e seus aliados. E que ainda não foi encerrado, haja vista a vista grossa que se fez com o caso Bezerra. Será que Aécio Neves, José Serra e suas turmas sabem que haverá eleição este ano e que elas poderão ser determinantes para 2014 ?

Balanço preliminar de 2012

Para não perdermos tempo este ano, nem gastarmos bits inutilmente, vamos já de uma vez eliminar alguns temas que costumam rondar os debates políticos brasileiros todos os anos.

1. Por ser um ano eleitoral, a reforma política ampla não se realizou, ficou adiada para 2013.

2. Do mesmo modo, pelas mesmas razões, a reforma tributária ampla, voltada para simplificar o sistema de cobrança de impostos no Brasil e começar uma redução da carga tributária nacional, não avançou, está à espera de melhor ocasião.

3. Foi ainda protelada a reforma sindical e trabalhista.

Dito isto, vamos nos concentrar nos assuntos possíveis.

____________

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.