Política, Direito & Economia NA REAL

Política & Economia NA REAL n° 159

5/7/2011

Dilma, confiança em concordata

Dilma, antes de subir a rampa do Planalto, cultivou uma imagem de uma gestora dura, inflexível, que sabia que o que queria fazer e fazia – alguém um tanto impaciente e agressiva. Mineiramente, pão de queijo com tempero gaúcho. Os "estrategistas de marketing" que transitam em torno do poder, oficialmente e oferecidamente, fizeram de tudo para lapidar ainda mais esta percepção. Dilma não cedia, não concedia, não nomeava, não soltava verbas. Esse jogo chegou a criar até certa ciumeira no imenso território que gravita em torno do presidente Lula. É fato que nomear para o ministério do Turismo, para ficar apenas nesse exemplo, o obscuro – e bota obscuro nisso – deputado Pedro Novais, contrariava tais efeitos publicitários. Mas versão era versão e assim foi-se indo. Dilma dixit.

Credibilidade em queda

De repente, depois de alguns meses, com as dificuldades naturais do ato de governo e do modo de ser da política brasileira, as fissuras na pedreira de certezas e decisões cirúrgicas começaram a aparecer. Vacilações e mudanças bruscas de posição vieram a tornar a dama de ferro num poço de contradições. Muda de opinião, recua. Corrigir a rota é uma virtude, desde que sustentada em fatos. A coerência absoluta é uma burrice. Mudar ao sabor dos ventos é insegurança, vacilação. E solapa a confiança, a credibilidade. Dilma vive este delicado momento, na abertura do segundo semestre do governo, em meio a tantas mudanças de opinião e de posições, sem argumentos que justifiquem tais idas e vindas.

Contradições e mais contradições

Já foi a favor, já foi contra e depois ficou de novo a favor do sigilo eterno dos documentos oficiais classificados como ultrassecretos. Defendeu o sigilo no valor inicial das obras ligadas à Copa do Mundo e à Olimpíada e depois ficou nem tanto assim. Sobre os pontos mais polêmicos do Código Florestal classificou-os como inaceitáveis. Na sua mais grave concessão, a presidente, na semana passada, depois de avisar que não prorrogaria mais a anulação dos restos a pagar do Orçamento de 2009, no que tinha o irrestrito aval do ministro da Fazenda, deu mais um prazo para as verbas serem liberadas. A presidente argumentava que não podia passar para a opinião pública que estava fazendo concessões em suas políticas de austeridade fiscal, cuja base é um corte de R$ 50 bi no orçamento deste ano aprovada pelo Congresso. Falaram mais alto as pressões dos deputados e senadores.

Trégua para se recompor

A consequência é que a crista dos parlamentares e partidos aliados vai crescer e os agentes econômicos e privados vão ficar com a confiança no governo em concordata. Temos pela frente, depois do dia 15, duas semanas de recesso parlamentar nos quais o Planalto terá certa tranquilidade para tentar recompor suas forças. O risco que Dilma corre é passar por uma "sarneyzação" precoce de seu governo. Ela precisa de um gesto de força real, não apenas peças de marketing. Mas isso só será possível se os parceiros colaborarem. Especialmente os dois principais, PMDB e PT.

Mais um caso de desvios

Agora, é a vez do ministério dos Transportes trazer suplícios para a presidente. Nada surpreendente numa área tão "delicada" em matéria de verbas, licitações, aquelas coisas que fazem a delícia de certo mundo político-empresarial. Lula teve ali um dos seus calvários, com o ex-ministro Anderson Adauto. Não devemos nos esquecer que a nomeação, ainda por Lula, de Luiz Antônio Pagot, reconduzido ao cargo por Dilma, para o DNIT, foi complicadíssima no Senado. Fazer de ministérios "feudos dos partidos" é sempre comprar um bilhete de loteria que pode dar errado. Há pouco mais de dois meses o governador do Ceará Cid Gomes fez publicamente graves insinuações contra o ministro Alfredo Nascimento. É certo que Cid, como seu irmão Ciro, tem a língua perigosamente solta... A disputa pelo ministério dos Transportes no governo Dilma envolveu dois políticos com poder no Amazonas : o próprio Alfredo e o ex-governador e atual senador Eduardo Braga. Braga ficou no Senado com um tonel de mágoa guardado. São casos de natureza diferente os de Palocci, de Mercadante e agora o do ministério dos Transportes. Mas três confusões pesadas em seis meses de governo, sem contar "coisas menores" – os livros do ministério da Educação, as mumunhas da Copa, as pendências do ministério do Turismo para o Maranhão – desarranjos demais para qualquer governo...

Itamar, um político decente

Itamar Franco era um político complicado, meio ranzinza. Fazia jus a uma definição dele feita pelo ex-presidente Tancredo Neves, num misto de ironia e maldade : "O Itamar é capaz de guardar ódio no freezer". Tancredo foi um dos muitos políticos que tiveram com o ex-presidente da República, ex-governador de MG, ex-prefeito de Juiz de Fora e ex-senador uma relação conflituosa, mas, ao mesmo tempo, afetiva e respeitosa. E com razão, apesar de suas idiossincrasias, de suas teimosias, foi um político dedicado, digno como poucos e que deixou sua marca na vida legislativa e administrativa brasileira. Era capaz de concessões quando convencido – Dilma deveria aprender com ele. Sem bravatas, sem dizer "não faço" para depois fazer sem honra. Seu melhor momento, o Plano Real, é um exemplo. Até o último momento, Itamar tinha dúvidas sobre o programa elaborado por uma equipe de economistas comandados pelo então ministro da Fazenda, FHC. Tinha algumas ideias próprias, como um novo congelamento de preços, que a turma do Real, com base nos fracassos anteriores desde o Plano Cruzado, considerava desastrosa. Mesmo "contrariado" em alguns pontos, abraçou o Real e foi um dos responsáveis por seu sucesso. Dói no coração ver algumas pessoas aparentemente compungidas presentes às homenagens ao ex-presidente. Se ao menos aprendessem um pouco com o seu exemplo...

De bravatas e constrangimentos

Três episódios recentes mostraram ao PT e a Lula o custo das das bravatas do passado e do presente :

1. Lula nem o PT puderam fugir do constrangimento de não prestarem uma pequena homenagem que fosse ao ex-presidente FHC por seu seus 80 anos. Os mesmos que se confraternizam com Sarney e Collor foram constrangidos ao silêncio a respeito de um político que, além de seu legado na Presidência, esteve muito próximo de Lula nos delicados tempos das greves do ABC paulista. Livrou-os a nota menos que protocolar da presidente Dilma.

2. O mesmo quadro se repetiu na morte do ex-ministro da Educação, Paulo Renato, introdutor na área pública dos princípios de avaliação e desempenho. Lula e o PT ficaram silenciosos. Amenizou outra nota de Dilma e a presença do ministro Fernando Haddad no velório.

3. Por fim, a morte do ex-presidente Itamar Franco. Na fila lá estava Lula, ao lado de Sarney e Collor nas homenagens ao senador na Câmara Municipal de Juiz de Fora. Menos mal. Mas poucos esquecem o que o PT e Lula fizeram com Itamar, de puro olho nas eleições e no poder : (a) se recusaram a participar do governo de união nacional proposto por Itamar naquele momento de crise e até expulsaram Erundina do partido porque ela aceitou o ministério da Administração do então novo governo; (b) votaram contra o Plano Real; (c) combateram com tenacidade a mudança da moeda, a ponto de Lula apostar no seu fracasso, sob orientação de Aloizio Mercadante, na campanha eleitoral de 1994.

Nada como o dia seguinte para uma boa penitência.

BNDES, a serviço de quem ?

A criação do BNDES, fundado no segundo governo Vargas em 1952, é símbolo da crença do país nas suas possibilidades de industrialização. Seria propulsor de crédito para criação e desenvolvimento de setores econômicos, sobretudo os nascentes e essenciais para o país. O BNDES atenderia aos interesses verdadeiramente republicanos no que tange ao desenvolvimento econômico brasileiro. Não foram poucas as fases em que o banco virou um "balcão de negócios" a serviço de transações pautadas na ausência de transparência e em interesses mesquinhos de empresários. Todavia, sua filosofia sempre foi a referência para que não se caísse na mesquinhez desprovida de uma visão verdadeiramente nacional. Conforme consta de sua apresentação "(...) o BNDES reforça o compromisso histórico com o desenvolvimento de toda a sociedade brasileira, em alinhamento com os desafios mais urgentes da dinâmica social e econômica contemporânea." (Grifo nosso).

BNDES, a serviço de quem ?

Diz ainda a apresentação do Banco que "o BNDES investe em empreendimentos de organizações e pessoas físicas segundo critérios que priorizam o desenvolvimento com inclusão social, criação de emprego e renda e geração de divisas". O BNDES não é obviamente uma ilha em meio à administração pública. Obedece aos programas e aos interesses do governo de plantão. É o que ocorre com a atual gestão. Note-se que está inserido num contexto no qual não existe de fato nenhuma política consistente que faça o país superar a sua condição eterna de emergente. A taxa de câmbio se valoriza por força de uma política monetária sem nenhuma evolução relevante nos últimos anos – temos a maior taxa de juros do mundo –, não há agregação de tecnologia suficiente nos produtos industriais, não há nenhuma mudança crucial no campo do desenvolvimento, o déficit externo se acumula numa velocidade impressionante... e assim vai. Uma olhadinha nas políticas da China e da Índia dão a noção exata de que estamos ficando para trás. E daí ? Perguntamos ao governo e ao BNDES.

BNDES, a serviço de quem ?

O anúncio da possibilidade de o BNDES apoiar a fusão do Pão de Açúcar e o Carrefour chega a ser um atentado ao bom senso, não fosse um bofetão no conceito de interesse público. O governo, por meio de sua instituição mais importante e poderosa no que tange ao desenvolvimento nacional, apóia uma fusão que concentra o mercado varejista nas principais áreas econômicas do país, que agrega valor aos acionistas em detrimento da renda do cidadão, que não agrega nada em termos de competitividade externa, que não favorece as classes mais pobres da nação... e assim vai. Enfim, uma operação que apenas serve aos poderosos acionistas de ambas as empresas. De um lado, um empresário desejoso de "emparedar" o seu atual sócio francês, o Casino, e de outro uma empresa com sérios problemas societários na França e no mundo. É disso que se trata e nada mais. O resto fica por conta de análises tendenciosas e maliciosas que pretendem dar credibilidade a esta operação.

Assim sendo...

O caso Pão de Açúcar/Carrefour/Casino, resulte no que venha a resultar exige providências com urgência urgentíssima :

1. Reavaliar, reestudar a política do BNDES, que, no fundo, é a nova política de capitalismo estatal brasileiro. O banco de investimento já produz carne, já vende celular, já está nos plásticos.

2. Revisar toda a política brasileira de concorrência e o papel de órgãos com o CADE, a SAE e a SDE. Há um projeto sobre isto tramitando no Congresso que, além de estar andando no "ritmo do Congresso", é considerado insatisfatório em alguns pontos e, até mesmo, perigoso pelos especialistas.

3. Tornar o consumidor, o cidadão, o verdadeiro foco as políticas públicas nacionais.

Por fim, não nos esqueçamos que é o dinheiro do distinto trabalhador que está a financiar este capitalismo duvidoso.

Grécia : a tragédia continua

O governo grego, carente de apoio popular, mas ainda sólido no parlamento, adicionou mais aperto fiscal para sancionar as requisições da União Europeia e receber US$ 12 bi que permitem a solvência no curto prazo. Os mercados reagiram com euforia e os ganhos foram generalizados, não apenas na Europa, mas em todas as áreas geoeconômicas relevantes. Pois bem : a possibilidade do país superar a sua crise de endividamento permanece distante. Não há uma luta a ser travada pelos gregos, quase sempre vitoriosos em sua bela história. O que há é uma impossibilidade lógica, daquelas que os grandes pensadores helênicos logo saberiam. Sem a alternativa de desvalorizar a moeda e com a atividade econômica despencando não há como obter uma taxa de produtividade que permita consistência na solvência externa. A Grécia pagará o preço de seus erros, mas é o escudo que protege os outros países endividados da Europa, sabidamente a Espanha, Portugal, Irlanda e Itália. O custo pode ir além de uma década perdida...

Visão de mercado

Lá no hemisfério norte a tigrada do mercado está preparando as malas para curtir as suas férias. Mar, sol e, quem sabe, alguma tranquilidade farão parte do itinerário. Todavia, não tenhamos ilusões. Apesar de toda euforia da semana passada, o ambiente externo permanece turvo, os lucros das empresas estão cadentes e o desemprego campeia a maioria dos mercados relevantes. Os riscos cresceram nos últimos meses e os governos parecem paralisados. Os EUA, com seu PIB que equivale a ¼ da economia mundial, estão agindo como anões perdidos na multidão. Há sinais de estagnação e os riscos estruturais, do lado fiscal e monetário permanecem elevados. E o pior, a política não tem saída para nada disso... Permanecemos recomendando aos nossos leitores redução das suas posições de risco, sobretudo no mercado acionário local e externo.

Radar NA REAL

1/7/11 TENDÊNCIA
SEGMENTO Cotação Curto prazo Médio Prazo
Juros ¹
- Pré-fixados NA alta alta
- Pós-Fixados NA alta alta
Câmbio ²
- EURO 1,4502 alta alta
- REAL 1,5560 estável/queda estável/queda
Mercado Acionário
- Ibovespa 63.394,30 baixa estável/alta
- S&P 500 1.339,67 estável/baixa alta
- NASDAQ 2.816,03 estável/baixa alta

(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA – Não aplicável

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.