Política, Direito & Economia NA REAL

Política & Economia NA REAL n° 158

28/6/2011

Copa para o povo, banquete para poucos ?

O sigilo dos orçamentos das obras e serviços da Copa do Mundo e da Olimpíada no Rio, que o governo diz que "não é bem assim", não é a única janela escancarada à bandalheira contida na MP 527, já aprovada em suas regras gerais na Câmara, mas ainda dependendo da votação de destaques pelos deputados e depois de apreciação pelo Senado. Ele é apenas o mais escancaradamente visível no Regime de Contratação Diferenciado. Diz o governo que o artigo sobre a licitação sem preço-base anunciado previamente é o melhor método e que houve interpretações equivocadas como classificaram as críticas à presidente Dilma. Além dos políticos do PMDB que se renderam ao argumento vindo do Palácio do Planalto, há especialistas, principalmente em obras civis, que endossam a tese. Dizem que reduz a possibilidade de corrupção.

Então...

Sendo assim, falta responder a algumas questões para convencer os leigos :

1. Por que foi incluído na MP, na última hora, no dia da votação, pelo relator José Nobre (PT/CE) e não constou desde o início do relatório ?

2. Por que a mudança na lei de licitação não foi proposta há mais tempo ?

3. Por que adotar a norma somente para a Copa e a Olimpíada e não estendê-la para tudo a partir de agora ?

Bodes mal cheirosos

No RDC para a Copa e Olimpíada, na realidade o sigilo pode ser apenas o bode na sala, para deixar, ao largo das críticas, outros itens do projeto multiplicadores de licenças para jogadas nada ludopédicas :

1. Quem faz o projeto pode também tocar a obra.

2. Foram beneficiadas com as facilidades as capitais situadas a até 350 Km de uma cidade-sede o que deixará quase todas as capitais estaduais no perímetro das vantagens.

3. Mesmo obras não diretamente ligadas ao evento esportivo (mobilidade urbana, aeroportos, por exemplo) podem entrar no rateio, desde que a União, os Estados e municípios baixem uma resolução nesse sentido. Pode entrar uma estrada, um hospital e sabe-se lá o que, no limite, até o famoso trem bala.

4. Não há limite para elevação dos custos dos projetos, basta a FIFA ou o Comitê Olímpico mostrarem a necessidade de adaptação do que foi licitado.

5. O Comitê Olímpico e a FIFA estão isentas do pagamento do ISS (imposto municipal) nos serviços que utilizarem no Brasil.

Dois exímios pipoqueiros

No jargão do futebol, agora não tanto em voga quanto esteve nos tempos de Lula, diz-se que um jogador é pipoqueiro quando ele não faz esforço para chegar numa bola que deve dividir com um zagueiro mais virulento – finge que corre, mas não corre. Nesta questão do jogo inaugural da Copa de 2014, a FIFA de Joseph Blatter e a CBF de Ricardo Teixeira estão se revelando dois grandes pipoqueiros. Fingem que querem a abertura do mundial em São Paulo, porém jogam com má vontade nada discreta porque, para puxar o saco do governo Federal querem mesmo que o jogo vá para Brasília. 2014 é ano de eleição presidencial, tem reeleição ou a luta por um terceiro mandato, que daria para faturar nas urnas, sem ter de dividir a festa inaugural com os tucanos paulistas. Por esse ângulo, entende-se também porque tantas facilidades para evitar um vexame logístico em 2014.

Apagão olímpico

Nada tão exemplar que os apagões elétricos do "Engenhão". Já somam cinco os jogos de futebol interrompidos pela falta de energia elétrica – o último neste último fim de semana. Ali, no Estádio João Havelange, ex-sogro do eterno presidente da CBF Ricardo Teixeira, projeta-se para todos os olhos a incompetência em relação às obras voltadas para os eventos esportivos : foi ali que se realizaram boa parte dos Jogos Panamericanos em 2007.

O outro sigilo

Pelo menos um outro sigilo – os dos documentos oficiais secretos – vai cair. O PMDB de José Sarney e o ex-presidente Fernando Collor de Mello não seguram sozinhos a bomba do Senado depois que a presidente Dilma, pressionada pela opinião pública e pelo PT, desdisse o que havia desdito.

Encerra-se o trimestre

Este trimestre do ano está a fechar-se com evidentes sinais de estagnação na economia dos países centrais. Semana passada os EUA divulgaram os gastos dos consumidores e o resultado foi sofrível, mesmo para os produtos de primeira necessidade. Na Europa, a crise da Grécia, Irlanda e Portugal impõe restrições ao crédito em todo o Velho Mundo. A Espanha está igualmente quebrada e a Itália super endividada. No Japão, os efeitos da tragédia de dois meses atrás ainda impõe ao governo medidas para restabelecer o status quo anterior da produção. Até mesmo na China, os sinais são de queda da atividade econômica que gravita ao redor de 8% neste ano (10% no ano passado). O segundo semestre do ano, depois das férias no hemisfério norte, definirá se estamos entrando num novo ciclo negativo para economia mundial. Até lá, mercados "andando de lado". Como os caranguejos.

A Grécia e as velhas "leis de mercado"

Sabe-se que os germânicos e seus atuais parceiros europeus (Inglaterra e França, sobretudo) estão interessadíssimos que a pequena Grécia não dê um calote no tal do mercado. Os bancos alemães possuem muitos ativos espanhóis e não querem reconhecer os prováveis prejuízos que virão caso a Grécia busque uma saída para a sua própria tragédia. Ora, se há uma saída legítima, esta seria impor prejuízos aos investidores que investiram mal o seu dinheiro, incluindo os acionistas dos bancos. Como ocorreu nos EUA. Enquanto isso, parcelas substanciais da juventude grega, portuguesa, irlandesa e espanhola "bancam" um desemprego ao redor de 35%. O capitalismo atual do FMI e do Banco Europeu continua com as velhas práticas que fizeram vigorar a "década perdida" dos anos 80 na América Latina. Agora chegou a vez dos europeus. Por que não uma saída verdadeiramente de mercado ?

Brasil, sem estratégia

Os impactos modestos da crise externa sobre o Brasil escondem os sérios problemas do país em meio à crise externa. A valorização cambial é "compensada" pelos bons preços das commodities, mas o volume global do comércio externo (exportações+importações) indica que há pouca agregação de tecnologia na produção industrial brasileira como ocorre com a China. Ora, este processo torna a economia local estruturalmente pouco competitiva. Não há, do lado político, nenhuma sensibilização em torno do tema. Afinal, o desemprego é baixo. Todavia, a conta virá no médio prazo e, nesta ocasião, virá um maior desemprego e maior inflação, caso o câmbio se desvalorize.

A propósito do tema...

Vejamos esta declaração de Luciano Coutinho ao jornal Valor Econômico na última sexta-feira :

Valor : O que o governo pretende fazer com a nova política (industrial) ?

Coutinho : O que estamos fazendo é buscar reforçar a competitividade da indústria através de uma série de medidas.

Valor : Que medidas ?

Coutinho : Infelizmente, não posso adiantar porque estamos ainda (grifo nosso) numa agenda de discussão.

O problema de competitividade do Brasil já perdura por mais de seis anos e a agenda persiste em discussão. Todas as medidas de crédito tomadas há seis meses não produziram essencialmente nenhuma alteração de rota no que tange ao problema externo brasileiro.

Parcerias privadas

Em conversa com esta coluna, um dirigente de empresa muito interessado em participar de concessões de serviços públicos mostrou-se bem mais otimista que há seis meses com a visão do governo sobre o tema. "Eles (governo) perderam a arrogância e estão começando a conversar mais abertamente sobre novas concessões. Acho que vem mesmo uma onda de novas concessões a partir do segundo semestre. A incompetência estatal ficou às claras...", vaticinou o dirigente. A conferir.

Lei das terras

Mais uma do capitalismo estatal brasileiro : o governo quer ser sócio dos estrangeiros que compraram terras aqui, por meio de uma golden share. Para um país que não precisa de investimentos...

O perigo amarelo

Nem contando chinesinhos durante a noite toda, boa parte dos empresários consegue dormir tranquilamente – aliás, esse exercício costuma mesmo é aumentar a insônia crônica dos produtores nacionais. Não é para menos, enquanto pelo menos o Brasil continuar jogando para trás em matéria de (des)incentivo à competição com o mundo afora. Historinha exemplar contada por Eduardo Neger, presidente da Associação das Empresas da Area de Internet, e da Neger Tecnologia e Sistemas : a empresa utiliza no seu equipamento para amplificação dos sinais de celulares uma placa fabricada na China. Ela manda o projeto da placa para o fabricante chinês pela internet e recebe o produto pronto três dias depois, por um serviço de postagem rápida. E pagando todos os impostos, tem uma placa de alta qualidade cerca de 50% menos do que pagaria se fizesse a encomenda aqui no Brasil.

Vitória lulista

Justiça seja feita : Lula sabe usar a sua imagem internacional com competência. A vitória de José Graziano para a direção da FAO (sigla em inglês para Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) foi espetacular. Graziano disse que "quem tem fome, tem pressa", ao se referir à necessidade de recursos (algo como US$ 50 bi por ano) para alavancar a produção de alimentos no mundo. Soa como lema de campanha, mas funcionou nos ouvidos dos representantes dos países em desenvolvimento e pobres que votaram em massa em Graziano. Agora, resta a Graziano estabelecer o diálogo necessário com os países desenvolvidos para reformar a FAO e fazê-la um organismo efetivo. Até lá nada de muitas taças de vinho nos bons restaurantes de Roma, a Cidade Eterna que sedia a FAO...

Uma ameaça a menos

Sempre é bom esperar para comemorar, contudo, tudo indica que o acerto para a votação do regulamento da Emenda 29 (aumento da aplicação orçamentário de recursos para a saúde) eliminou o renascimento da CPMF, com o nome fantasia da Contribuição Social para a Saúde (CSS). Se o Ministério da Fazenda deixar.

Uma ameaça a mais

No entanto, está no forno oficial a criação de um novo imposto sobre a exploração de recursos minerais no país.

Incompatibilidade de gênios

Se o cabriolé da reforma tributária continuar a ser conduzido do ritmo de Brasília, em pouco tempo não devem ser convidados para o mesmo pé de moleque junino os governadores do Norte e Nordeste e os do Sul e Sudeste e os negociadores do governo. Em entrevista semana passada (leitura obrigatória) ao jornal "Valor Econômico", o governador de Sergipe, Marcelo Déda, deu o tom da insatisfação geral avisando que ele e seus colegas não estão para discutir apenas mudanças no ICMS.

Fora do ritmo

O mesmo governador Déda indicou que não devem aparecer no mesmo forró alguns grupos de petistas, especialmente os forrozeiros paulistas.

Em berço esplêndido

Enquanto isso, a oposição dormita. Não sabe da reforma tributária, deixou para Sarney os primeiros (depois abafados) gritos contra o sigilo da Copa... Continua acreditando que explorar escândalos basta.

E por falar em escândalos...

Por que será que a oposição não prossegue as investigações sobre a fortuna amealhada por Palocci, o episódio de venda do Banco Panamericano, as nomeações governamentais e outros tantos escândalos que levaram à tribuna os próceres oposicionistas ?

De olho na reforma do BC

Ao que parece o BC está fazendo uma reforma que tem chance de aumentar a sua eficiência por meio da eliminação de funções intermediárias que reduzem a sua agilidade em termos de supervisão e fiscalização. Eis aí um bom princípio para reformar o Estado. Da mesma forma, seria um tema a ser analisado pela classe política que tanto critica o BC quando o assunto é a política monetária. Poderiam os políticos prestar um serviço verdadeiramente republicano e verificar se estas alterações favorecem de fato o cidadão que lá na ponta paga extorsivos juros bancários e custos de serviços que nem banqueiros internacionais acreditam ser praticados.

Radar NA REAL

24/6/11 TENDÊNCIA
SEGMENTO Cotação Curto prazo Médio Prazo
Juros ¹
- Pré-fixados NA alta alta
- Pós-Fixados NA alta alta
Câmbio ²
- EURO 1,4201 alta alta
- REAL 1,6003 estável/queda estável/queda
Mercado Acionário
- Ibovespa 61.016,70 baixa estável/alta
- S&P 500 1.268,45 estável/baixa alta
- NASDAQ 2.652,89 estável/baixa alta

(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA – Não aplicável

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.