Política, Direito & Economia NA REAL

Política & Economia NA REAL n° 135

11/1/2011

Editorial

O ano novo

A posse da presidente Dilma é fato significativo do ponto de vista histórico, mas é muito mais do ponto de vista do atual quadro político brasileiro. A ascensão de uma mulher à posição de primeira mandatária do país atesta per se o papel social, político e econômico das mulheres neste século. Ademais, temos "a presidente de todos os brasileiros", como ela própria acabou por definir-se em seu discurso inaugural no Congresso. Que assim seja, em nome da democracia. Não podemos, contudo, deixar de colocar em perspectiva este novo momento. Neste sentido, é preciso aguçar o nosso espírito crítico para não cairmos na crença de que estamos diante de um quadro de continuidade. Não estamos. A história nos prova que a percepção de que "as coisas continuam iguais" é equivocada - eis a única continuidade verdadeira do ponto de vista histórico. A cada medida de tempo temos mudanças, muitas delas significativas. Os desafios brasileiros persistem imensos a despeito das mudanças das duas últimas décadas. Há oportunidades e riscos para o país que carecem de liderança. A nova presidente está necessariamente comprometida com o aproveitamento das oportunidades e a minimização dos riscos. Preocupa-nos, dentre os muitos aspectos que poderiam ser relacionados, a inexistência de verdadeiras inovações nas políticas governamentais que possam retirar tais riscos e aproveitar as oportunidades históricas que se apresentam perante o país. A inflação elevada, os elevados e ineficientes gastos estatais, a duvidosa qualidade do ministério do novo governo, a presença incômoda do ex-presidente Lula por detrás das cortinas da nova administração, a valorização cambial, a falta de competitividade tecnológica do setor industrial, a ausência de propostas dos partidos de oposição, a ausência de reformas estruturais (previdenciária, sindical, tributária, etc.), a corrupção, a insegurança pública, apenas para citar alguns, mostram a necessidade de uma ação vigorosa e inventiva da nova presidente. Dilma Rousseff tem toda a legitimidade para liderar o país. Parece-nos importante que possa estabelecer uma agenda coerente, temperada por prudência de um lado, e audácia de outro. O Brasil merece muito mais que a propalada continuidade que se espalha por aí. Feliz ano novo.

Do ensaio ao bloco na rua

Os primeiros dez dias do novo governo, empanados pela briga meramente fisiológica entre o PMDB por nacos de verbas, foi marcada por uma (estudada ?) diferença de estilo entre a presidente e seu antecessor – saiu a exuberância marqueteira e "palanqueira" de Lula e subiu a discrição tecnocrática de Dilma. Os porta-vozes da presidente, os oficiais, os oficiosos e os simplesmente oferecidos, fazem questão de marcar esta diferença espalhando a tese de que voou do Palácio a intuição lulista e pousou a racionalidade dilmista. Acentua-se também que Dilma é de decidir rápido em contrastes com os modos protelatórios de Lula. Mesmo assim, a primeira semana marcou uma rendição do novo ao velho modelo : o anúncio, com pompa, de um programa de erradicação da miséria absoluta no país, sem metas, sem verbas alocadas e até sem a definição do universo dos futuros beneficiados. Em princípio, um perfeito factóide. A reunião ministerial de sexta-feira, quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fará uma exposição sobre a situação econômica, e poderá anunciar o tamanho da dieta que seus colegas deverão cumprir, servirá para marcar a entrada do bloco de Dilma efetivamente na rua. Até agora foi apenas concentração e ensaio.

Os três desafios de Dilma

Para começar a pôr sua marca no governo e acertar o passo, a presidente terá ainda que enfrentar três provações, ou, como se diz em linguagem rebuscada e imprópria : equacionar três desafios :

1. A sua relação com Lula – embora recolhido a um silêncio respeitoso no Guarujá, o ex-presidente, até telepaticamente na voz do amigo e ministro Gilberto Carvalho, emite sinais claros de que não sairá de cena nem pretende ser um protagonista de terceira categoria, desses que entram mudos e saem calados do set de filmagem, na política brasileira. Carvalho (ou Gilbertinho como os íntimos o chamam) já avisou que "temos o Pelé no banco".

2. A relação com a base política governista – montada na base do fisiologismo, do qual ninguém escapa, ela terá se ser alimentada constantemente, sob pena de virar a dor de cabeça para Dilma que a oposição promete não ser.

3. Fazer o ajuste fiscal – o corte de gastos terá de ser volumoso, para não assanhar as forças econômicas. Bons observadores do mercado já perceberam que há mais nervosismo agora, com o governo instalado, do que nas fases mais agudas da campanha eleitoral. Na outra ponta, é preciso não provocar com a poda de despesas clientelas como os sindicalistas, os funcionários públicos, os parlamentares.

O governo Dilma começará de fato depois que essas contas tiverem sido acertadas. Senão, ela perderá um bom tempo administrando crises artificiais.

A voz do "mercado"

Esta entidade obscura, mas presente, chamada "mercado" está fazendo as contas e as análises em relação ao governo Dilma. Os indicadores internos contam muito : a inflação preocupa e a ausência de poupança pública preocupa muito mais. Não veremos no curto prazo nenhum economista do setor financeiro propagando notícias e análises negativas. Simplesmente porque não interessa fazê-lo. Por ora. Mas o Brasil não é o mundo. Há um incômodo cenário internacional, recheado de desafios, que condicionará o andamento da economia brasileira. A relação entre as principais moedas do mundo, especialmente o contencioso entre a China e os EUA, a letargia econômica nas principais economias e o desemprego que desestabiliza governos são pontos altos da agenda. O Brasil é destaque no mundo. Todavia, é ilusório pensar que sem avanços o país persistirá protagonista em termos de crescimento e investimento.

BC : primeiros sinais são somente os primeiros

Anotem aí : os primeiros sinais que sairão do BC em relação à política monetária serão em linha com a política anti-inflação "tradicional" de qualquer autoridade monetária séria. Não é aí que residem os riscos, digamos, institucionais para o BC. O maior risco virá com o tempo. Existe a crença em vastos setores do governo de que o BC no Brasil não pode funcionar como nos países desenvolvidos. O "modelo" mais estudado é o chinês. Esse mesmo da China comunista.

Guru no Planalto

Um destes gurus que não falam somente para os seus pupilos soltou esta para o ministro Mantega e a presidente Dilma : "se quiserem controlar o câmbio, não tenham ilusões = controle cambial se faz adotando controles sobre fluxos de capital. Não tem jeito".

Esqueçam o que eu disse

Por falar em corte de despesas, veja-se a frase da então candidata à presidência da República no dia 30 de agosto, quando da campanha eleitoral : "Eu não vou fazer ajuste fiscal em hipótese alguma por um motivo : o Brasil não precisa mais de ajuste fiscal". Nada como um dia depois das urnas.

O homem e o mito

É discretíssimo, porém não imperceptível, o processo em andamento em corredores de Brasília para desidratar a imagem de Lula. Simplesmente opor o mito ao homem.

Teoria conspiratória ?

De um atento leitor das coisas de Brasília : "A oposição não dispõe de nenhuma polícia secreta, nem mesmo de um mero Inspetor Clouseau, para levantar leviandades oficiais como, por exemplo, a concessão de passaportes diplomáticos a dois filhos e a um neto de Lula. Portanto..."

Deitou na cama ? Pague e não chore !

O PMDB escarrapachou-se na cama, agora assuma a fama, pois ele bem a merece. Mas não sozinho. Quando o PMDB pede um cargo é fisiologismo – e no mais das vezes é mesmo. Quando o PT avança sobre os cargos dos outros, é uma opção técnica, para melhorar a gestão pública. Caso - sem risos, por favor - do petroleiro sindical de Campinas, Wagner Pinheiro, que de repente ganhou foros de especialista em coisas postais e surrupiou os cobiçados e encalacrados Correios das garras peemedebistas. Quando o PT e o PSB fazem acordo para barrar os avanços do PMDB no nordeste e dividir entre eles o melhor butim oficial na região trata-se de espírito desinteressado de colaboração. Já o PMDB é um faminto guloso. Se o PMDB fosse possuído de algum senso de humor, uma gota sequer, poderia dizer para o PT e adjacências da base aliada : "Eu sou vocês amanhã."

Sinal aberto

Primeiro Guido Mantega, depois Dilma. Abriram as porteiras para um reajuste do salário mínimo, "os imexíveis" R$ 540 decretados por Lula. O ministro da Fazenda, quando disse que o governo vetará qualquer valor diferente, deu aval para qualquer parlamentar dar um voto para agradar a plateia, pois o governo avisa que zelará pelos cofres públicos. E a presidente quando repreendeu Mantega por ter anunciado o veto, no fundo disse aos congressistas que podem ousar mais que o governo garante.

Novo aparelho ?

No ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge trabalhou principalmente com servidores de carreira e técnicos nos postos-chave da pasta. O novo ministro, Fernando Pimentel, tem outro critério : primeiro, os nossos companheiros.

Sumiço

Encerramos o ano 2010 sem ter o que falar da oposição, em recesso desde a derrota eleitoral. Começamos 2011 também sem ter o que dizer dela, pois, ao que parece, continua em férias. Desses, Dilma não precisará se defender. O inimigo mora ao lado – PMDB, PT, PDT...

Radar NA REAL

São discretos os movimentos do mercado financeiro e de capital neste início de ano. Todavia, as dúvidas sobre o desempenho da bolsa de valores estão crescendo. Os fluxos de capital externo estão em ritmo lento e a capacidade de geração crescente de lucros das empresas está sendo colocada em dúvida. Todos sabem que no mercado não há continuidade. No Brasil, as ações são a maior dúvida do mercado. No que diz respeito ao câmbio, o mercado continua a esperar por nova medidas que contenham a valorização do Real. A reunião entre Obama e o governo chinês, no próximo dia 18, será fundamental para definir o desempenho do dólar norte-americano no cenário internacional. A taxa de juros vai para cima com o objetivo de conter a alta de preços. O problema maior da política de juros será o de coordenar a alta de juros com a desejada desvalorização cambial. Até o mundo mineral sabe que uma das razões que não proporcionaram mais inflação foi a valorização do câmbio, que aumentou a concorrência doméstica via importações, bem como conteve as variações dos preços das commodities no mercado internacional. E se o dólar subir perante o Real ? Não haverá mais inflação ?

7/1/11   TENDÊNCIA
SEGMENTO Cotação Curto prazo Médio Prazo
Juros ¹ - Pré-fixados NA estável alta - Pós-Fixados NA estável alta Câmbio ² - EURO 1,2896 alta alta - REAL 1,6840 estável/alta estável/alta Mercado Acionário - Ibovespa 70.057,20 estável/baixa estável/baixa - S&P 500 1.271,50 alta alta - NASDAQ 2.703,17 alta alta

(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA – Não aplicável

Centena

Esta coluna atingiu ao final de 2010 a marca de 100 mil assinantes. Algo significativo para os seus autores e para a direção do prestigiado Migalhas. Isto nos gratifica e, ao mesmo tempo, impõe a continuidade da responsabilidade jornalística e ética pela tarefa a qual nos propomos. Obrigado aos nossos leitores. Continuaremos juntos neste 2011.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.