Política, Direito & Economia NA REAL

Política & Economia NA REAL n° 101

18/5/2010


A crise europeia está no começo

Não devemos nos enganar com os movimentos diários dos mercados e a emissão de notícias da parte dos países da UE. A crise iniciada pela Grécia não é apenas econômica. Diz respeito a todo um modelo econômico e político, tido pelos próprios europeus como "altamente civilizado", mas que se mostrou ineficaz e desvinculado dos reais requisitos para que os países possam ser considerados uma "união". O maior símbolo deste processo é a Alemanha, país que se mostra um gigante econômico e um nanico político e diplomático. A coordenação econômica entre os países é frágil e a coordenação monetária uma ilusão. Isso custará caro : o euro já está se desvalorizando fortemente e não está descartado um cenário de colapso da moeda europeia, apesar desta probabilidade ser, por ora, remota. Os mercados prosseguirão instáveis e toda esta volatilidade se refletirá em taxas de riscos (spreads) mais elevados nas rolagens de dívidas.

Anões políticos

A aliança política – impensável para quem lê os programas dos partidos – entre liberais-democratas e conservadores no Reino Unido coroa a "chanchada" que se passa na arena política do Velho Continente. Lembra muito o cenário vivido nos anos 30 do século passado, quando Hitler, Mussolini e Franco se fortaleciam dentro do continente e Stálin jogava cartas com todos. Esta fragilidade política é, ao mesmo tempo, causa e efeito da falência das concepções que os europeus têm de si mesmos. Sabemos que isso não será resolvido no curto e, até mesmo, no médio prazo. Daí, decorre a análise de que o sobe-e-desce dos mercados vai trilhar um longo caminho.

Brasil : e a análise de risco ?

Há muitas considerações macro e micro-econômicas a serem feitas pelo atual e futuro governo brasileiro em relação à Europa. O país tem volumosos investimentos europeus alocados em sua economia e riscos financeiros assumidos pelas empresas e pelos governos. Alguém no governo está rastreando oportunidades e riscos deste cenário ? (Era assim que faziam conosco quando o Brasil vivia suas "décadas perdidas")

Os conselhos dos sábios

A Eurolândia tem um "Grupo de Reflexão para o Futuro da Europa", também conhecido como "Grupo dos Sábios", de 12 membros, presidido pelo ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González, e formado, entre outros, por Lech Walesa, ex-presidente da Polônia, Vairavike Freiberga, ex-presidente da Letônia, Richard Lambert, presidente da Confederação da Indústria Britânica e Rainer Münz, economista austríaco consultor da OCDE e do Banco Mundial. No fatídico domingo em que a União Europeia anunciou uma ajuda de quase um bilhão de dólares para os países da região enfrentarem a crise que os ameaça, o grupo de González anunciou em Bruxelas o "Projeto Europa 2030", com críticas pesadas às políticas locais. "Tenho certeza que o relatório não vai agradar a todos os chefes de Estado e de Governo", avisou o ex-primeiro-ministro socialista.

Na contramão

As sugestões em boa parte andam na contramão do que os países europeus começam a fazer para conter o que é o seu mais imediato problema – os desarranjos fiscais. Enquanto Grécia, Espanha e Portugal já anunciam cortes de despesas, os sábios sugerem que os governos mantenham as medidas anti-crise, adotadas no auge do problema gerado pelos subprimes norte-americanos para garantir o crescimento e o emprego, e proclamam que os países que têm margem de manobra em suas contas públicas assumam a liderança do processo : um recado indireto para a Alemanha. Os sábios defendem ainda a economia social de mercado ao modo europeu, o Estado do bem estar social desenvolvido por lá depois da segunda Guerra Mundial, "altamente competitiva e sustentável ambientalmente". Pois é exatamente este Estado do bem estar que está sendo posto, em parte, em xeque, com a crise e o alto endividamento da maioria dos países da área do euro.

Lula no Irã

Há que se reconhecer que o presidente Lula obteve um significativo e positivo resultado na sua missão no país dos aiatolás. Diante do enorme ceticismo mundial e, sobretudo, da imprensa local, o anúncio do acordo envolvendo Brasil, Turquia e Irã mexeu nas peças do complicado tabuleiro do Oriente Médio. Diante de poucos dados dá para tecer poucos comentários, mas não dá para nos omitirmos em alguns pontos :

1 - As sanções planejadas pelos EUA contra o Irã estão mais distantes de serem executadas. A sua viabilidade política encontra barreiras fortalecidas por parte da China e da Rússia ;

2 - O Brasil acaba por firmar-se mais um pouco no cenário diplomático internacional. Todavia, temos de avaliar os efeitos : o Brasil atrapalha planos ambiciosos da maior potência mundial e este não é um movimento que ficará sem resposta. Lula colocou o seu dedo num assunto que complica demasiadamente a política externa conduzida por Hillary Clinton ;

3 - Ainda não se sabe como vão reagir os órgãos multilaterais em relação ao acordo, sobretudo no caso da Agência Internacional de Energia Nuclear, que terá de dar seu aval sobre os aspectos técnicos do acordo; e,

4 - Por fim, não devemos esquecer que o Irã tem a tradição de ir em frente com um acordo por alguns dias ou semanas e depois recuar. Esperemos que não seja o caso deste surpreendente acordo.

Popularidade internacional

A pressa que a chancelaria turca teve em anunciar o acordo com o Irã – em antecipação à divulgação oficial do Itamaraty - indica que o assunto tem não apenas efeitos externos, mas efeitos domésticos relevantes. No caso de Lula, tais efeitos são positivos, mesmo que os assuntos externos não sejam parte essencial do "imaginário eleitoral" dos brasileiros. Lula não tem apoio substantivo entre os chamados "formadores de opinião" no Brasil, mas de outro lado, sabe transformar seus feitos econômicos e políticos em dados assimiláveis pela grande massa de eleitores. Não será diferente em relação ao acordo com o Irã, o qual contava com franca oposição da imprensa local, mas será "fato novo" a entrar no proselitismo político. Dilma há de se beneficiar disso. Por fim, restará ao presidente brasileiro os "resíduos" favoráveis, caso este acordo se torne um sucesso completo, para futuros passos políticos em casa ou no universo dos organismos multilaterais. Coisa que poucos conseguiram.

Brasil : as contas oficiais preocupam

A decisão dos ministros econômicos de fazer um corte adicional de R$ 10 bilhões, além de R$ 21,8 bilhões podados anteriormente, nas previsões orçamentárias de 2010, foi recebida com reservas pelos especialistas e pelo dito mercado. Primeiramente, porque dá a impressão de improviso : anunciou-se o tamanho do corte para depois se começar a procurar onde é possível passar a tesoura. O que somente se saberá no próximo fim de semana. Depois, porque a margem de poda é pequena, preservado o que é "incortável" e o que Lula não admite rever.

Intenções e expectativas

A intenção é atuar mais sobre as expectativas dos agentes econômicos e conter qualquer sanha do BC em relação a novas elevações significativas da taxa de juros. O Boletim Focus desta semana, com novos reajustes nas expectativas dos agentes do mercado, mostrou que a primeira investida não foi bem sucedida. A previsão do PIB de 2010 passou de 6,26% para 6,30% e a da inflação cresceu de 5,50% paras 5,54%. Os departamentos econômicos dos principais bancos, no entanto, trabalham com números maiores : PIB acima dos 7% e inflação no topo da meta 6,5%.

Venezuela : atenção para o crédito

Uma eventual piora do cenário externo vai cair como se fosse uma bomba atômica sobre o governo do caudilho Hugo Chávez. Os problemas de crédito do país são muito sérios e podem desabar num cenário de riscos concretos para sua solvência.

Petrobras, luz quase vermelha

A Petrobras, com as pressões diretas e indiretas para a aprovação pelo Senado, o mais rápido possível, da proposta que permitirá sua capitalização na base da concessão onerosa de poços do pré-sal que receberá do governo, já começa a despertar desconfianças. A empresa ameaça, inclusive, recorrer ao mercado se a autorização não passar rapidamente no Senado, o que muitos analistas consideram complicado, pois exigiria desembolsos diretos do Tesouro Nacional, sem recursos para tanto. Alega a Petrobras que o atraso prejudicará os programas do pré-sal. Pode ser.

Há outra razão

Desconfia-se de outra razão também : com muitos investimentos, a empresa precisará de mais recursos de caixa para fechar as contas. Há lembranças de 2008, quando a empresa precisou se socorrer, numa emergência, na CEF, no BB e até numa operação pouco ortodoxa de diferimento no pagamento de impostos.

Radar NA REAL

Anote aí : pelos nossos lados, até o final do ano, o cenário que está se desfraldando é o de mercado de ações em baixa e câmbio em alta. Tudo em sintonia com a crise europeia e com o cenário eleitoral que será emocionante. Lá fora, os EUA permanecerão na liderança da recuperação econômica desde que a "contaminação" europeia não seja vigorosa – grave já é. O mais provável cenário para o mercado financeiro local é aquele em que o real desliza para baixo, juntamente com as ações, enquanto os juros sobem. Resta saber qual o grau de volatilidade que será experimentado pelo país.

14/5/10  

TENDÊNCIA

SEGMENTO Cotação Curto prazo Médio Prazo
Juros ¹
- Pré-fixados NA alta alta
- Pós-Fixados NA alta alta
Câmbio ²
- EURO 1,2349 baixa baixa
- REAL 1,8052 baixa baixa
Mercado Acionário
- Ibovespa 63.412,47 baixa/estável baixa
- S&P 500 1.135,68 baixa/estável alta
- NASDAQ 2.346,85 baixa/estável alta

(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA – Não aplicável

Os temores do PT

Apesar do alívio - para o PT- trazido pelas pesquisas do Vox Populi (empate técnico, mas com três pontos de vantagem para Dilma) e do Sensus (Dilma 35,7% versus Serra 33,2%), ainda permanecem alguns temores em relação ao desenrolar da campanha de Dilma. Questões que podem fazer estragos na imagem dela, laboriosamente em construção por seus marqueteiros a partir dos insights do presidente Lula. Temia-se – agora se teme um pouco menos – que se pudesse pespegar na criatura de Lula a imagem de quem não tem muitos compromissos com a verdade, a partir de casos envolvendo o currículo de Dilma postado na internet e do embate sobre encontros – negados – que ela teve com a ex-secretária da RF, Lina Vieira, com pedidos para amaciar investigações sobre a família Sarney. Por isso, inclusive, o PT atacou com veemência o site "Dilma Mente" patrocinado pela oposição.

A experiência de Dilma

Afastou-se também em parte o temor entre o confronto entre a grande experiência de Serra e a dita pouca experiência de Dilma e até de um confronto entre os dois nesse campo. Mas ficou muito vivo ainda outro empecilho : a possibilidade de a oposição tentar pregar os selos de "terrorista" e "assaltante de bancos" na candidata situacionista. É coisa capaz de assustar a parte mais conservadora da classe média brasileira. Por isso, não foi gratuita a comparação que Lula insinuou na televisão entre sua pupila e o líder sul-africano Mandela, apontado pelo presidente como alguém que também aderiu à luta armada para depois salvar seu país de suas agruras sociais, a começar pela luta contra o apartheid.

Marta fez a sua parte

Na mesma linha, está mais um escorregão (terá sido mesmo escorregão ou coisa de caso pensado ?) da ex-prefeita Marta Suplicy sobre o candidato verde ao governo do Rio, com apoio dos tucanos : "Vocês notaram que do Gabeira ninguém fala ? Esse sim sequestrou. (...) Ele era o escolhido para matar o embaixador. Ninguém fala porque o Gabeira é candidato ao governo do Rio e se aliou com o PSDB".

"Lulodependência" em baixa ?

Outro fantasma que o PT tentou afastar em seu programa da semana passada foi a visão que já começava a ganhar corpo de que Dilma só existe por causa de Lula. Com habilidade, Lula tentou transferir parte do sucesso de seu governo, traduzido em seus altos índices de audiência, para auxiliar, primeiro a "Ministra das Minas e Energia" e depois "poderosa condutora da Casa Civil e mãe do PAC".

Reviravolta mineira ?

Sinais emitidos desde o front mineiro – e sem desmentidos enfáticos – trouxeram alento para as hostes oposicionistas : o ex-governador Aécio Neves estaria reconsiderando sua antiga posição e admitindo formar a chapa PSDB-DEM-PPS como vice-presidente de José Serra. As fontes são das melhores e Aécio está de novo no Brasil depois de um mês de férias na Europa. A reconsideração do neto de Tancredo, no entanto, depende de uma análise da situação que encontrará em Minas Gerais. A prioridade de Aécio é eleger Antonio Anastasia como sucessor. Pela lógica da política mineira, quem não tem o Palácio da Liberdade fica capenga e sem força na política regional. E mesmo senador, sem força em Minas, Aécio perde poder de fogo na política Federal e em seu partido. Depende, então, repetimos, do que ele e seus assessores julgarem melhor para ajudar Anastasia. E nesta conta entram os movimentos do PT e do PMDB no Estado. Quando mais o governo Federal aperta o cerco para fechar um acordo para valer do PT com Hélio Costa e mais tenta limitar os espaços de Aécio mais ele pode olhar para a vice-presidência.

Facho baixo

Se os tucanos estão com caras mais animadas pelos sinais de fumaça desde Minas, as pesquisas mais recentes do Vox Populi e do Sensus baixaram o facho oposicionista. Eles andavam muito animados com os sucessos públicos de Serra e os ditos escorregões de Dilma. As sondagens mostraram que estas coisas ainda não chegaram aos eleitores. O que está chegando mesmo é a identificação cada vez maior entre Dilma e Lula.

O PMDB e suas confusões

Preocupado com as dissidências regionais em seu partido, o presidente do PMDB, Michel Temer, prepara uma contra-ofensiva. Afinal, calcula-se que em cerca de 12 Estados o PMDB local poderá optar pela candidatura de Serra ou por ficar neutro, negando palanques para Dilma Roussef em conjunto com o PT. Temer quer que a Executiva Nacional do partido dê um apoio formal, ainda que não oficial, à sua candidatura a vice de Dilma, mostrando que com o PT e Cia. está a aliança preferencial. Temer deseja também aval para intervir nos Estados nos quais o PMDB local vai preferir Serra. A dúvida, porém, é : como o PMDB é uma confederação de seções estaduais, terá o comando nacional força para se impor ? Nas condições vistas de hoje a resposta é um explosivo não.

Marina, devagar e sempre

Sem o estardalhaço do PT e do PSDB, o PV da ministra Marina Silva fez uma festa bem singela – ao estilo dela – para lançamento da candidatura oficial do partido. Mas, apesar de simples, foi significativa, pois permitiu à ex-ministra introduzir no debate eleitoral outros temas mais próximos da realidade do dia a dia do eleitor brasileiro, ausentes (ou pouco clamados) nos discursos dos dois principais partidos concorrentes ao Palácio do Planalto. É uma estratégia que pode angariar votos preciosos para a ex-ministra do Meio Ambiente. Insuficientes, é quase certo, para levá-la a um segundo turno, mas caros o bastante para que ela tire votos de um ou de ambos os candidatos e para que Marina comece a pautar também o debate. Não deve impressionar a estagnação de Marina registrada nas pesquisas. Somente agora ela começa a ser mais conhecida como candidata, ao contrário dos dois adversários.

Um vício da imprensa ?

Não deu para entender o destaque dados pelos principais órgãos de imprensa à escolha do vice de Marina, um dos donos da Natura, Guilherme Leal, e o fato de se tratar de um "milionário" em detrimento das ideias e das propostas levantadas pela candidata do PV. Preconceito ou um falso viés social ? 

Copa : manobras ?

Quem lida com obras, em áreas do setor público, não se impressiona com as ameaças da FIFA, de algum modo endossadas pela CBF, de que a Copa do Mundo de 2014 pode ser tirada do Brasil porque já há atrasos nos projetos apresentados pelo país para ganhar a concorrência. Os atrasos não seriam significativos a ponto de inviabilizar agora a candidatura brasileira. As pressões – na verdade, um poderoso lobby – viriam para forçar derrubadas de limites e imposições legais no processo e licitação e para amaciar o coração de governadores e prefeitos e fazê-los abrir mais generosamente seus cofres.

Perguntar não faz mal

O que foi feito (ou o que será feito) dos cerca de R$ 10 bilhões recolhidos pelo FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) e depositados nos escaninhos do Tesouro Nacional ?

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.