Política, Direito & Economia NA REAL

Política & Economia NA REAL n° 98

27/4/2010

 

Grécia : dívida, moeda e ajuste

Muito tem sido comentado sobre a situação econômica da Grécia e sua correspondente influência sobre os mercados mundiais. O pequeno e notável país da Europa tem uma relação dívida sobre o PIB da ordem de mais de 100% e um déficit fiscal de cerca de 13% do PIB. Como se vê, uma situação insustentável, sobretudo depois do débâcle do sistema financeiro norte-americano e sua influência no mundo. Mas perguntamos : há novidade neste fato ? Não, não há. Ele existe há anos e o sistema financeiro internacional continuou financiando irresponsavelmente este cenário. Agora, questiona-se sobre a capacidade de pagamento do país. Uma contradição.

O problema grego não é único

Ocorre que a Grécia não é o único país nesta situação. A Itália, a Espanha e Portugal tem exatamente o mesmo perfil. E certamente merecerão questionamento no futuro sobre a sustentação da capacidade de solvência. Em menor medida, há quem questione o próprio Reino Unido, sócio maior da irresponsabilidade dos EUA na gestão do setor bancário.

O problema é o câmbio

Usualmente, quando países chegam a um cenário como o da Grécia e de outros países da UE, o ajuste é via câmbio : desvaloriza-se as moedas (e, por derivação, os salários) e constrói-se resultados no balanço de pagamentos que restitui a capacidade de pagamento no médio prazo. O risco é a inflação devastar este ajuste. Todavia, os países europeus estão "amarrados" ao euro que, na prática é administrado pela Alemanha e França. Portanto, nenhum dos países mais afetados pelo excesso de endividamento têm, na prática, a opção cambial. 

Um teste para o euro e a UE

Ora, no contexto acima devido, a Alemanha e a França tem de ajudar a viabilizar uma saída para a rolagem das dívidas da Grécia. Todavia, são estes países que mais atrapalham na tentativa do desgastado governo grego em garantir a sua solvência. Angela Merkel e Nicolas Sarkozy se deleitam com a liderança da UE, mas não assumem as responsabilidades de financiar os países mais penalizados pela crise internacional. Uma contradição, protegida pela necessidade de aprovar nos seus respectivos parlamentos o apoio à Grécia.

A opção da moratória

Restaria ao governo helênico exercer a sua soberania e impor uma moratória - negociada ou unilateral - para evitar um desastre na atividade econômica. Se esta opção fosse tomada, certamente o prejuízo à UE seria muito maior de vez que a pressão sobre Portugal, Espanha e Itália passaria a ser gigantesca, além de uma provável desvalorização substantiva do euro. A Grécia resiste à opção da moratória e protege a UE, a mesma que lhe nega franco apoio. Uma contradição que perdurará enquanto o povo grego suportar e não levantar suas fileiras para manter o seu interesse interno o qual sempre prevaleceu em sua história e civilização.

Cadê os profetas ?

A situação da UE deixa evidente que o euro está longe de se consolidar como alternativa de ser a "moeda-reserva" da comunidade internacional. Ocorre que há não muitos meses, sobravam analistas e economistas célebres pregando o declínio da moeda americana. Quem apostou nesta opção vê prejuízos pela frente. Não são poucos. No curto prazo, é possível ser categórico : o euro vai cair ainda mais frente ao dólar e as outras moedas mundiais. No longo prazo, não se sabe por uma única razão : não há modelo analítico razoável que permita esta previsão. A despeito dos irresponsáveis que dizem ter esta capacidade, digamos, "mediúnica".

Radar NA REAL

Não há novidades em relação ao nosso radar. Reforçamos apenas suas visões já emitidas : (i) o mercado de ações brasileiro parece estar em seu limite superior. O cenário é positivo na economia, mas parece refletido no preço das ações ; (ii) a valorização do real deve continuar no curto prazo, mas está instalando na economia brasileira riscos significativos no médio prazo. Basta vez os dados minguantes da balança comercial e no resultado externo como um todo.

23/4/10  

TENDÊNCIA

SEGMENTO Cotação Curto prazo Médio Prazo
Juros ¹
- Pré-fixados NA alta alta
- Pós-Fixados NA alta alta
Câmbio ²
- EURO 1,3338 estável/queda estável/baixa
- REAL 1,7466 estável/baixa baixa
Mercado Acionário
- Ibovespa 69.386,40 baixa estável/baixa
- S&P 500 1.208,67 alta alta
- NASDAQ 2.519,07 alta alta

(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável

COPOM : dito, mas será feito ?

Já emitimos diversas notas em colunas anteriores dando conta das pressões da inflação e da impossibilidade de se sustentar uma taxa de crescimento do consumo no padrão chinês sem a contrapartida nos investimentos. Assim sendo, a probabilidade de um aumento de 0,75% na próxima reunião do COPOM é quase de 100%. Ademais, um aumento de 1% é possível e seria uma forma de afirmação do BC perante o governo. Na semana passada, Guido Mantega deu o tom da disputa entre o Planalto e a sede do BC : "quem disse que o país não pode crescer um pouco mais ?", disse o ministro. O recado tem endereço certo : os ouvidos de Henrique Meirelles e seus colegas de diretoria do BC. Eles estarão moucos a este tipo de afirmação ?

Onde está o Wally planaltino ?

Causou espanto a ausência do presidente Lula na festa do PT no sábado passado para lançamento do senador Aloizio Mercadante ao governo de SP, Estado de origem do partido, onde o PT nunca governou e que marca 16 anos de hegemonia do PSDB. Mercadante não queria concorrer, preferia, com grandes chances, tentar continuar senador. Foi empurrado por Lula. Dilma apareceu, muito animada, embora ainda sem jeito para o palanque.

Fato será recorrente

Não é de estranhar a ausência de Lula. Ele não foi também a uma festa idêntica de seu partido, no RJ, no domingo. Era o pré-lançamento de Lindberg Farias como candidato petista ao Senado. Foi uma tentativa de mostrar que vai tudo muito bem na aliança PT/PMDB por lá. Dilma e Sérgio Cabral compareceram ao evento, muito animados, diga-se. A razão é simples e não deveria espantar os parceiros : Lula não pode sair pelo país afora participando de cada evento de lançamento de pré-candidatura de aliados. Ainda mais porque há muita confusão em um bom número de Estados.

O outro motivo

Mas há outro motivo, mais oculto, não confessado, visível há pelo menos três semanas : Lula está, nesta fase de pré-campanha, evitando eventos de cunho eleitoral. Não abandonou sua candidata, mas está deixando ela mais sozinha. E, assim, evita polêmicas diretas com a oposição. Vai durar até quando esta posição ? Difícil saber. Mas coincide com a confirmação, pelo TSE, de duas multas - R$ 15 mil - aplicadas ao presidente por fazer campanha antecipada para sua predileta e com o endurecimento verbal da Justiça Eleitoral. Nas duas últimas semanas tanto o antigo como o atual presidente do TSE fizeram advertências ao presidente.

Errou nos primeiros passos

De todo modo, esse "abandono" temporário do presidente em relação à pupila está sendo prejudicial : ela ainda não está preparada para caminhar sem o amparo da cadeira de rodas presidencial. Desde a saída dela do Ministério, sua campanha praticamente só gerou fatos negativos, externa e internamente. A qualquer momento PT e aliados vão passar a empunhar um cartaz com os dizeres : "Volta Lula".

Erro de cálculo e prepotência

Já avisávamos nesta coluna há semanas : acuado, humilhado, o ex-ministro Ciro Gomes poderia reagir com uma biruta de aeroporto dotado de um bom estoque de mísseis. Por que o governo deixou o problema chegar tão longe ? Excesso de confiança, prepotência e coisas tais. O tal : sabemos/sei de política e podemos/posso tudo. O estrago desta primeira explosão de Ciro deverá ser eleitoralmente pequeno. O problema é se o ex-ministro gostar da brincadeira...

Mordeu a isca ?

A combinação, na seara governista, era que ninguém entraria em polêmica com o "mercurial" ex-ministro da Integração Nacional. Dilma, porém, não resistiu e foi ao microfone dizer que está preparada para governar. O que confirma o que se dizia em Brasília desde o primeiro momento : o que mais doeu e preocupou nas declarações de Ciro Gomes foi o ponto em que ele diz que Serra tem mais condições de governar do que Dilma. Parte da estratégia eleitoral de Serra é esta mesmo : mostrar que ele é bem mais preparado para o governo do que a ex-ministra chefe da Casa Civil.

Contas a pagar

A fatura que o PSB está apresentando para degolar Ciro Gomes hoje - salvo reviravoltas de última hora, impensáveis nesta altura - está inflacionando o mercado. Outros aliados estão revendo suas notas fiscais eleitorais. Há gente escolhendo até que cargo o PT deve disputar e quem compõe o quê. No PR, por exemplo, o PDT de Osmar Dias - irmão do tucano Álvaro Dias - quer que Gleise Hoffmann, mulher do ministro Paulo Bernardo, seja candidata a vice-governadora na chapa pedetista e não concorrente ao Senado. A razão : temor de algum tipo de traição. No RJ, o PMDB fincou praça e não deu espaço na chapa governista para o senador Marcelo Crivella, nem aceita Lula e Dilma no palanque de Garotinho. Com isso, isola dois bons puxadores de voto na campanha da predileta presidencial.

Modéstia a parte

Para completar um mês em que a exposição de seu candidato tem sido muito mais positiva do que a candidata adversária, a oposição faz um redobrado esforço para mostrar-se humilde e coesa. Mas há ebulições internas e a fogueira das vaidades está próxima de voltar a arder no campo de Serra. Especialmente no emplumado tucanato.

Coalizão ou esculhambação ?

O analista político Sergio Abranches inventou a expressão "presidencialismo de coalizão" para definir, na nossa balbúrdia partidária, a necessidade que o governo no Brasil - qualquer governo - tem de montar uma ampla e amorfa aliança de partidos para garantir um mínimo (mínimo mesmo) de governabilidade no Congresso. Essas alianças, legítimas numa democracia, por aqui nunca foram muito republicanas, ou melhor, nunca foram apegadas à santidade. Mas, do modo como se está caminhando nos ajustes de pré-campanha deste ano, brevemente passaremos a um "presidencialismo de esculhambação". Ou de rimas mais pobres e chulas.

Ela está certa

Vamos deixar de barato que a ex-ministra Marina Silva age assim para atrair a simpatia de Ciro Gomes, embora a brava senadora do AC tenha dado demonstrações completas de sua capacidade de ser generosa. Vamos deixar de barato, também, que o deputado Ciro Gomes plantou a humilhação que agora está colhendo por sua prepotência, embora ele não tenha escondido de ninguém que estava na corrida presidencial para valer e tinha esperanças de que Lula não seria contra ele, sem nunca ter sido contrariado. Ainda assim, é perfeito sobre o processo de trucidamento de Ciro o que escreveu a candidata do PV em seu blog :

"Qual o sentido político da democracia ? É a liberdade de escolha bem informada. Numa eleição em dois turnos, como a presidencial, o primeiro foi concebido para oferecer ao eleitor um leque de alternativas políticas. A partir da diversidade de ideias e do debate entre elas, compete ao cidadão escolher as que entende serem as melhores para si e para o país. É particularmente perverso que esse processo, que está no cerne da democracia, seja instrumentalizado para impedir abalos na manutenção de projetos de poder. Não é admissível que se queira manipular o direito de escolha por meio da redução forçada do leque de opções. Assistimos agora, com o veto à candidatura de Ciro Gomes, uma expressão exemplar desse tipo de intolerância democrática. É fácil prever que os mesmos grupos que trabalharam para tirar Ciro da disputa presidencial tentarão agora assimilá-lo. Os que costumam agir dessa maneira são aqueles que têm dificuldade em transformar a visão democrática em ação e não admitem a alternância de poder. Primeiro, buscam eliminar os adversários que querem disputar legitimamente a preferência dos eleitores. Depois, tentam se colocar como o único hospedeiro possível para que os expurgados consigam sobreviver na vida pública. Aquele que foi empurrado para fora do processo passa então a ser apontado como bom companheiro, patriota, desde que aceite ser assimilado por aqueles que articularam o seu expurgo. Perde o país, perde a democracia."

Limpa ou suja ?

Está prometida para esta semana a aprovação na CCJ do Senado do projeto conhecido como dos "fichas-sujas" (ou "fichas-limpas" sob outro ângulo). Jogo para a arquibancada. O que se está tramando vai gerar no máximo uma proposta "ficha meio-suja" (ou meio-limpa). E ainda assim, para ficar no limbo. Se passar rapidamente no plenário da Câmara, empaca no Senado. Para não valer nada nas eleições deste ano. Talvez não valha nem para a eleição de 2012.

MP : ameaça e chantagem

A decisão da AGU de fazer uma representação contra dois integrantes do MP que atuaram contra o leilão de Belo Monte é uma tentativa inaceitável de tentar intimidar a instituição responsável pela defesa dos interesses da sociedade e da lei. Entende-se que o MP às vezes erra, exagera, mas estas falhas são poucas se comparadas com o excelente trabalho de vigilância que eles exercem sobre os poderes da República. Uma das grandes conquistas institucionais do país nos últimos anos foi o conjunto de obrigações e prerrogativas que a CF/88 legou ao MP. Mas como sabemos, não há poder, por mais democrático e republicano que seja que conviva bem com críticas, com fiscalizações, com contraditórios. Ainda mais quando ele se julga superior, acima do bem e do mal.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.