Política, Direito & Economia NA REAL

Política & Economia NA REAL n° 96

13/4/2010


Juros : política e economia no mundo real

A próxima reunião do Copom acontecerá apenas nos dias 27 e 28 próximos, mas já está acesa a disputa entre os "políticos" do governo, na figura de Guido Mantega, e a dos "técnicos", na figura de Henrique Meirelles. Embora pareçam conformados, os "políticos" não consideram inevitável o aumento dos juros básicos, que o BC praticamente já anunciou, e o chamado mercado já aguarda. Deve vir algo como 0,75% de aumento da Selic na próxima reunião e até o final de ano a taxa deve chegar a 12,75% ou 13%. Estes patamares não agradam em nada os "políticos". As declarações de Mantega, de que o Brasil não passa no momento por um choque de demanda, e as análises do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em entrevista ao Estadão, de que o Brasil não vive um surto inflacionário, fazem parte deste cenário para angariar ajuda contra o BC do setor não-financeiro da economia.

As pressões partidárias e Meirelles

As pressões veladas da área partidária são ainda maiores. E saem do PT e aliados, do estafe de Dilma, e mais discretamente ainda do palácio do Planalto. Uma das estratégias - notas já começam a pulular na imprensa - é enfraquecer a autoridade de Meirelles, mostrando que ele perdeu credibilidade por conta de sua aventura política. O objetivo é isolar Meirelles, reduzindo a influência dele sobre os demais diretores do BC. A direção da instituição, com a saída do diretor Mário Mesquita, não tem mais nenhum alienígena, ou seja, é toda composta de funcionários públicos de carreira. Eles seriam mais susceptíveis aos apelos e desejos ministeriais e presidenciais. Este será um ponto a conferir. Se os adversários de um aumento mais pesado da Selic não conseguirem justificar-se com argumentos objetivos e convincentes, em vez de desacreditar Meirelles, desacreditam o BC e as promessas do governo de que não se deixará influenciar por injunções vindas do palanque.

Não gostaram

Muita gente na Esplanada dos Ministérios ficou profundamente infeliz com a decisão do Meirelles de abandonar prematuramente uma carreira política que ele nunca iniciou de fato. Discretamente, Meirelles foi incentivado a prosseguir, porém, na última hora, Lula não seguiu o script e deu a oportunidade a ele de recuar e ficar no BC. A disputa pela indicação do seu substituto estava acirrada e algumas áreas viam nisto a possibilidade de retomar o controle sobre o BC, perdido para Meirelles com sua interlocução direta com Lula.

Outra disputa

Nas rodas brasilienses, um dos nomes aventados para substituir Meirelles era o do presidente do BNDES, Luciano Coutinho. Dizia-se que era uma vantagem, pois já começaria a ser formada a equipe do BC no futuro governo Dilma. Coutinho não mordeu a casca de banana. E não foi simplesmente porque está muito bem onde está - o BNDES é hoje um dos órgãos mais influentes na política econômica de Lula. Mas porque tem outros planos mais elevados para 2011. Os mesmos de alguns daqueles que quiseram promovê-lo ao BC agora.

Inflação é mesmo preocupação

Os aumentos de preços do início deste ano foram fortemente influenciados pelos efeitos das chuvas sobre os produtos agrícolas. Portanto, não se tratava de inflação - que é o aumento contínuo dos preços -, mas de um aumento localizado dos preços. Todavia, os últimos dados de quase todos os indicadores de inflação demonstram que (i) o aumento de preços se espalhou por diversos setores econômicos e (ii) as expectativas sobre os aumentos de preços estão se deteriorando. Assim sendo, se é fato que não estamos em meio a um surto "superinflacionário", de outro lado é certo que há riscos contra a estabilidade de preços. A ação do BC é mais do que necessária. Terá de ser suficiente.

A bolsa é o termômetro

Após uma rodada de conversas desta coluna com investidores brasileiros e estrangeiros, podemos afirmar que já há um consenso de que as ações não devem apresentar um desempenho positivo e excepcional este ano. Muitos analistas falam em "seletividade" como a palavra da hora. A maioria absoluta acredita que o Ibovespa pode superar o patamar dos 73,5 mil pontos no curto prazo, mas que dificilmente este nível será mantido. Além disto, o Brasil já não é mais o queridinho dentre os emergentes. A Índia e (ainda) a China devem receber mais atenção dos investidores que o Brasil neste ano. Além disto, os EUA, caso confirmem as indicações de recuperação da demanda, terão muita demanda para o mercado acionário. A conferir.

Radar NA REAL

31/3/10

TENDÊNCIA

SEGMENTO Cotação Curto prazo Médio Prazo
Juros ¹
- Pré-fixados NA alta alta
- Pós-Fixados NA alta alta
Câmbio ²
- EURO 1,3585 estável/queda estável/baixa
- REAL 1,7579 estável/alta estável/baixa
Mercado Acionário
- Ibovespa 71.417,27 alta estável
- S&P 500 1.194,37 alta alta
- NASDAQ 2.454,05 alta alta

(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA – Não aplicável

A coisa está ficando feia

Demissões no Ibama, explicadas apenas em parte pelas questões envolvendo a usina de Belo Monte. Demissões aparentemente sem justificativas plausíveis no ministério da Cultura. O segundo escalão Federal está fervilhando. São os preparativos para a troca de poder, as forças se reposicionando para permanecerem onde estão ou então subirem de posto.

A arrancada do PSDB

Com um entusiasmo não muito próprio de um partido frio (cerebral ?) como o dos tucanos e com uma demonstração de unidade nunca antes vista entre eles, o tucanato deu a partida oficial para a sucessão presidencial melhor até do que seus dirigentes imaginavam. Surpreendeu até o governo, que sempre apostou no contrário : frieza na campanha e na divisão entre Aécio e Serra. Aécio surpreendeu pela vontade e pela contundência das críticas. Certamente o entorno de Dilma deverá rever seus planos.

Estratégia oposicionista

Ficou muito clara na festa para Serra sábado em Brasília a estratégia da oposição para se contrapor à estratégia de campanha de Lula, de esconder um pouco Dilma e concentrar as discussões na comparação entre o governo dele e suas realizações e o governo de FHC e seus feitos. Serra vai mostrar os planos de governo e do embate direto com Dilma. A discussão sobre o passado ficará por conta de Fernando Henrique, Aécio e outros líderes tucanos e dos aliados. O mote está no discurso de Aécio. O governador mineiro, aliás, nem demorou a começar a provocação. No Estadão de ontem apareceu dizendo que Dilma terá de explicar como se haverá com o PT ideológico e o PT dos aloprados.

Aliados complicados

A inesperada decisão do ex-ACM senador César Borges de troca uma aliança de seu PR na Bahia com o PT do governador Jaques Wagner por um acordo com o PMDB de Geddel Vieira Lima expõe outra dificuldade da formação dos palanques regionais : a coligação nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados e para as Assembléias Legislativas. Wagner, em busca da reeleição, garantiu o apoio petista à candidatura de Borges ao Senado. O PT, com o justo medo de perder cadeiras de deputados estaduais e federais para o PR, partido do senador, se a aliança for total, vetou o acordo nas eleições proporcionais. Esta confusão aparece em outros lugares, inclusive na enrolada relação PT/PMDB em Minas. O partido de Lula já parece conformado com a ordem de dar a vaga de candidato a governador para o peemedebista Hélio Costa. Mas teme a eleição proporcional casada, principalmente porque o PMDB em Minas está muito mais espalhado pelos mais de 800 municípios do Estado do que o PT. Isto poderia roubar dos petistas vagas preciosas de deputados.

Outra complicação em Minas

Na terra de Aécio há outra pedra a pôr em risco a aliança governista por lá : o fato de o candidato tucano, Antônio Anastásia, disputar a eleição para o Palácio da Liberdade no cargo de governador. Com isso, ele não poderá ser candidato à reeleição. Já Hélio Costa, se eleito, poderá pleitear num novo mandato em 2014, o que pode significar, para o PT, ficar longe do poder em MG até 2018. Portanto, Anastásia pode ser uma solução para o futuro do PT mineiro do que o ex-ministro das Comunicações.

Confusão à vista ?

Do modo como está sendo atabalhoadamente o leilão da usina de Belo Monte é prenúncio de confusão na certa. Ainda mais se a disputa se ancorar na generosidade do BNDES e dos fundos de pensão das estatais.

Os colonizadores e os colonizados

Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o aumento real acumulado na remuneração dos trabalhadores da administração pública e autarquias, entre 2003 e 2009, foi de 56,1%. Já o dos trabalhadores no setor privado foi menos da metade : 26,65%. Brasília é mesmo a metrópole de um país real colonizado.

Mais um "não fato" político

A política brasileira vive mais de "não-fatos" - ou factóides - do que de fatos reais. Mais um acaba de ser desmascarado. O vice-presidente José Alencar anunciou no fim de semana o que todo mundo já sabia : não será candidato a nada em outubro. Nunca foi de verdade. Entrou de mentirinha na eleição mineira, a pedido de Lula, ora como candidato ao Senado, ora como candidato a governador, para fazer confusão no mundo tucano e assustar Aécio Neves. Como a confusão se instalou mais na seara governista e Aécio não perdeu um segundo de sono com a história, tratou de, com ensinava o filósofo do futebol Neném Prancha, de "arrecuá os arfes, para evitar a catrastre (catástrofe governista em MG)".

Esqueçam

Trecho de uma matéria de ontem, na Folha de S.Paulo, com uma entrevista da ex-ministra Dilma : "Questionada se a reforma tributária será um dos temas de sua campanha, ela diz que sim, mas acrescenta que os 'empresários sabem da dificuldade de se fazer reforma tributária no Brasil por conta da questão federativa'. Quanto à desoneração da folha de pagamentos, ela, a princípio, diz que não preferia comentá-la. Diante da insistência, afirma que 'é fundamental, temos de caminhar para isso, temos de buscar a desoneração, é uma distorção que temos. Agora não é coisa simples de fazer. É o bom senso'".

Traduções :

1. Sem o prestígio de Lula, se eleita Dilma não vai comprar briga deste tamanho no Congresso.

2. Não quer falar sobre desoneração da folha salarial porque este assunto divide os sindicatos de trabalhadores e ela não quer se indispor com este eleitorado.

O fato e o marketing

Há meses, quando de um dos surtos de entusiasmo oficial com o trem bala RJ/SP, dissemos aqui, com base em informações de especialistas do setor de construção civil pesada, que no máximo a obra atingira o trecho Campinas-São José dos Campos, o único tido como economicamente viável, sem precisar de subsídios governamentais. A ladainha do trem bala total, no entanto, prosseguiu. Ficou como uma estrela do PAC 1, com promessas de um leilão "amanhã". Ressurgiu ampliado há três semanas no PAC 2, ampliado para BH, Uberaba e Curitiba. De R$ 30 bilhões, saltou para mais de R$ 46 bilhões. A realidade, porém, é outra. Como disse Dilma na mesma entrevista da Folha citada acima, numa primeira etapa o trem vai apenas até São José dos Campos. O Rio fica para depois, um depois que não se sabe quando. Os cariocas de Sérgio Cabral não vão gostar.

Ficha limpa

Se a pressão externa se tornar insuportável, a Câmara pode aprontar para o Senado : ela aprova a proposta de barrar os "fichas-sujas" nas eleições e deixa para os senadores o desgaste de condenar a sugestão ou fazer corpo mole para que ela não vigore nas eleições deste ano.

A tragédia do Rio

As inundações e soterramentos na Cidade Maravilhosa e em todo o Estado são o retrato mais fiel dos efeitos da "realpolitik" sobre a administração pública. Sabe-se que a gestão urbana no Brasil é uma das faces de maior descaso, corrupção e falta de investimentos do setor público. Os acontecimentos do RJ não são apenas a consequência de tudo isto. É a alvorada de problemas crescentes no setor urbano.

Em tempo

Haverá efeito dos últimos acontecimentos no Rio de Janeiro sobre as pesquisas eleitorais. Pode não ser pequeno e aqueles que estão sem querer aparecer pelos lados da população carioca poderão se surpreender. Já há ensaios estatísticos correndo na praça que mostram que há mudanças relevantes na opinião pública do Rio.

Cúpula atômica

A presença de Lula na cúpula sobre segurança atômica promovida pelo governo Obama não deve apenas respirar constrangimentos ao país quando o assunto for o Irã. Há possibilidade concreta de mudanças na posição chinesa e, neste caso, o país poderá ficar isolado no que se refere ao tema.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.