Terça-feira, 23 de março de 2010 - nº 93
Apertar ou não apertar, eis a questão !
Não é somente no BC que residem as inquietações sobre a política monetária a ser seguida nos próximos meses. Na Europa, o Banco Central Europeu está inquieto por dois fatores básicos : (i) os efeitos que uma subida da taxa de juros podem gerar sobre os países mais endividados (especialmente Grécia, Espanha, Portugal e Itália), bem como a enorme dispersão das taxas de crescimento na zona do euro. Nos EUA, apesar do enorme déficit fiscal, as dúvidas sobre a sustentação do crescimento são enormes. Na China, pouco se sabe sobre como há de se comportar o governo comunista de Pequim. Por lá há sinais de que a situação fiscal se deteriorou significativamente e as consequências da desvalorização exagerada da moeda chinesa é pauta de qualquer discussão entre o país e os seus parceiros comerciais. Uma alta dos juros seria lida como negativa neste momento. Por fim, a Índia tomou o rumo do aperto monetário ao aumentar a taxa básica na última sexta-feira. O problema é que este sinal foi visto como parte de um movimento geral dos emergentes no sentido de reduzir a atividade econômica.
Assim sendo...
...a combinação de políticas fiscais frouxas e atividade econômica cambaleante é um problema enorme para o estabelecimento de políticas monetárias consistentes nas principais economias mundiais. O efeito disto tudo é que os investidores continuaram com a guarda alta, esperando para ver o que os governos vão fazer. O problema é que eles não sabem...
COPOM mostra suas dúvidas
Por aqui as dúvidas são menores, mas igualmente complicadas. Estas se inserem no contexto eleitoral. A votação dos membros do COPOM na última reunião mostrou mais que hesitação : há uma dúvida se a inflação alta dos últimos meses foi apenas um ponto (fora ?) da curva ou é parte de um processo. De toda a forma, a gastança pública é alta e a atividade está firme. Tudo isto recomendaria certo aperto. O problema é que a pressão governamental sobre o BC é gigantesca e a instituição carece de liderança neste momento em que Henrique Meirelles sai da cena econômica e entra na política. A nossa previsão é que na próxima reunião o processo de elevação da taxa básica de juros se iniciará. O céu não é o limite, mas determiná-lo ainda é muito incerto. Dependerá de muitos fatores, inclusive o político. E sob nova liderança no BC.
A vitória de Obama
Foi significativa a vitória do governo democrata no que se refere ao setor de saúde nos EUA. Trata-se de uma reforma após 40 anos da implantação do sistema atual. O efeito desta vitória vai além do seu significado objetivo : Obama se guiou pelas suas convicções a despeito da impopularidade das medidas e colherá bônus e críticas por isto. Todavia, a sua liderança permanece sólida num momento em que outra proposta entrará em votação : a reforma sobre financiamento de campanhas e partidos. De outro lado, o grande risco continua a ser a eleição parlamentar deste ano que pode fazer minguar o apoio político a Obama.
Reformas no Brasil
Se Obama reforma lá nos EUA, por aqui a coisa é vergonhosa. Nada de reformas estruturais. Ao contrário, o Congresso discute apenas aquilo que é conjuntural, a começar pelo ridículo processo de repartição dos recursos do pré-sal. A discussão é paroquial e sem significado mediato para a população. Sequer assuntos como a escalada da violência merecem atenção dos políticos e do governo. A mediocridade impera sob a manta do crescimento deste ano e da popularidade de Lula. Falta convicção.
Alerta
Do economista norte-americano Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI, em entrevista ao repórter Fernando Dantas, do "Estadão" :
"Pergunta : O sr. acha que o Brasil vai fazer isto [crescer de 6 a 7% em 2010 e manter esse ritmo por uma década] ?
Resposta : O maior risco para o Brasil, como de costume, é o político. É o risco de que, em vez de continuar a melhorar a governança, o sistema político foque em transferências e outras medidas de curto prazo para impulsionar a popularidade do governo. Aí o crescimento poderia murchar um pouco. Ainda, seria um crescimento decente, mas preocupa que a dinâmica política dos últimos anos tenha sido na direção de maiores transferências e muito pouca reforma."
Radar NA REAL
Está repetitivo, mas é fato que não estamos prevendo nenhuma alteração imediata no andamento dos mercados : há estabilidade das cotações dos ativos, mas falta convicção sobre a evolução nos próximos meses no que se refere ao mercado local e internacional. Assim sendo, continuamos sem alterar as nossas recomendações. Se os fatos mudarem, mudaremos de opinião. Mais uma vez repetimos. O único alerta que fazemos neste momento diz respeito aos efeitos que terão sobre o Brasil se os EUA apresentarem melhor desempenho nos próximos meses : o dólar deve valorizar e as bolsas de lá devem andar à frente da nossa que já está bem valorizada.
16/3/10 |
TENDÊNCIA
SEGMENTO CotaçãoCurto prazo
Médio Prazo
Juros ¹ - Pré-fixados NAalta
alta
- Pós-Fixados NAalta
alta
Câmbio ² - EURO 1,3551estável/queda
estável/baixa
- REAL 1,7983estável/baixa
estável/baixa
Mercado Acionário - Ibovespa 68.828,98estável/queda
estável/alta
- S&P 500 1.159,99estável
alta
- NASDAQ 2.374,41estável
alta
(1) Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais).
(2) Em relação ao dólar norte-americano
NA - Não aplicável
O mau exemplo europeu
Não faltaram e não faltam gênios financeiros prevendo a débâcle do dólar norte-americano. Todavia, a crise da Grécia mostrou que os europeus não conseguem se articular para solucionar o problema no âmbito da soberania de sua moeda. Ao contrário, a Alemanha e a França fazem um papelão quando o assunto é o resgate do pequeno país europeu, berço da civilização ocidental. Está claro que o euro continuará a ser uma moeda internacional, mas a credibilidade para ser a "reserva de valor" do mundo é apenas um sonho. Ou melhor, uma piada com tino alemão : sem graça.
As preocupações que Dilma ainda traz
Embora Lula e toda a sua entourage política estejam cada vez mais convencidos de que a Dilma vai bater Serra, e por isso mesmo já se comece a falar nos corredores oficiais de um "governo Dilma", o que já desperta disputas internas no PT e entre aliados, o comando da campanha da predileta de Lula quer manter a candidata sob proteção. Há preocupação com alguns aspectos do estilo e da história de Dilma que, acredita-se, podem causar ruídos e prejudicar a candidata. O principal deles, já referido, é a desconfiança sobre as posições econômicas da ministra, sua disposição em manter intacta a política que herdará de Lula, por sua vez herdada de FHC.
Lula fala por Dilma
Lula já foi interpelado sobre o assunto por empresários brasileiros e em declarações recentes tem enfatizado que Dilma não vai mudar. Ela também tem feito profissões de fé nas normas vigentes. Mas as dúvidas permanecem e já se fala num compromisso mais forte, uma "Carta aos Brasileiros" de Dilma. Enquanto isso, Henrique Meirelles, Antônio Palocci e, em menor escala, o vice-presidente José Alencar ficam como fiadores do compromisso de Dilma com a economia de mercado.
O viés político
Na outra linha, as preocupações são de cunho político, centradas em três pontos :
1. Demonstrar que a ministra não ficará refém do PT, louco que o partido está para mandar depois dos anos em que teve de se submeter a Lula, muitas vezes contra sua ideologia e princípios.
2. Evitar que a exploração do passado militante de Dilma em organizações clandestinas crie resistências à ministra nos setores mais conservadores da sociedade e mesmo na nova classe média. Termos como "terrorista", "assalto a bancos" podem gerar insatisfações.
3. Evitar também que a oposição tente explorar os escorregões de Dilma em relação a algumas histórias mal contadas tisnem o ambiente, tais como a (i) do curso de doutorado, (ii) do desconhecimento do dossiê contra a família de FHC, (iii) as divergências com a ex-secretária da Receita Federal por conta de investigações de negócios do filho do senador José Sarney. A palavra mentira é muito forte no imaginário do eleitor e se a campanha ficar pesada a oposição não terá muitos pudores em utilizar esses trunfos.
Oposição : só um pequeno alívio
Tucanos e democratas suspiraram aliviados com a entrevista do governador José Serra na qual, ainda que de forma arrevesada, à televisão ele finalmente saiu do armário eleitoral em que se metera. Serra não disse nada que não se soubesse ou esperasse, mas isto liberou os oposicionistas para articulações mais abertas. E exorcizou de vez o fantasma, espalhado por Brasília e reprisado todos os dias pelo deputado Ciro Gomes de que, diante da ascensão de Dilma e com medo de perder, ficaria mesmo em São Paulo. Calcula-se que isto estava até prejudicando o desempenho do tucano nas pesquisas. Foi, porém, um pequeno alívio.
Uma declaração e nada mais
Serra seguiu sem indicar como pretende enfrentar a avalanche de prestígio do presidente Lula e o rolo compressor do governo para eleger a ministra chefe da Casa Civil. O governador pode até saber como agir e estar guardando o segredo para surpreender. Seus colegas de oposição, contudo, não sabem, estão perdidos.
Estrela cadente
Segundo um experiente político governista, desses que não são dados a fazer intrigas, o ex-ministro e deputado Ciro Gomes, tanto aprontou, tantas fez e desfez, atirou em tantas direções, feriu tantas suscetibilidades que vai acabar a sucessão presidencial num glorioso ostracismo. Para quem quer tanto e se tem em tão alta conta...
Para inglês ver
Analistas afeitos a escarafunchar as contas públicas não encontram correspondência nos fatos a garantia dada pelo ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, de que este ano o governo cumprirá a meta de 3,3% de superávit primário sem necessidade de utilizar facilidades como, em 2009, de abater os gastos com o PAC do item das despesas. Há dúvidas de que contingenciamento de pouco mais de R$ 21 bilhões de verbas no Orçamento seja factível em ano eleitoral. Além do mais, alguns parâmetros adotados podem estar ajudando a superestimar as receitas, embora aparentemente tenha se podado a superestimação feita pelos deputados e senadores.
Briga de gente grande
Está para expirar o mandato de Sérgio Rosa na presidência da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a mais fornida de todas essas instituições no Brasil, tanto as privadas quanto as para-estatais. Para-estatais porque apesar de pertencerem aos funcionários são altamente controladas pelo governo. E já começou uma briga - segundo gente de dentro, coisa quase fratricida - pelo posto. A Previ é sócia de grandes empresas com bom volume de capital, é grande investidora e, portanto, tem grande cacife econômico e enorme influência política. Costuma-se dizer que ela vale, no concerto do poder, mais do que a maioria dos ministérios e estatais, retirando-se apenas o Banco do Brasil, a Petrobras e o BNDES. E não está tão sujeita aos controles oficiais formais quanto qualquer um desses.
Daí a cobiça
.E é briga interna, entre blocos de partidos e tendências sindicais.