Política, Direito & Economia NA REAL

Política & Economia NA REAL n° 89

23/2/2010

Brasil : sem fatos novos na economia

Já se falou muito que o Brasil é destaque entre os principais países emergentes, o BRIC's - Brasil, Rússia, Índia e China. Todos já sabemos deste fato. Neste sentido, vale ressaltar que o valor dos ativos incorpora esta realidade. De outro lado, não há nenhuma perspectiva (ou expectativa) nova que justifique uma alteração dos preços dos ativos para cima, muito embora não existam fatos que justifiquem o valor destes ativos para baixo. Não à toa os fluxos de capital para cá tem sido normais, mas muito mais equilibrados que há dois meses.

Os fatos novos do Brasil

Considerando a nota acima temos de salientar que num contexto em que o valor de mercado já incorpora os fundamentos atuais da economia brasileira, o calendário eleitoral e as perspectivas fiscais e de crescimento devem pouco a pouco assumir papéis mais relevantes nas decisões de investimento a partir de agora. Nestes temas, as dúvidas podem não ser enormes, mas estão longe de ser "tranquilas", como pregam certos setores do mercado e, principalmente, do governo. A disposição dos candidatos em campos ideológicos contrastantes vai começar a delinear o perfil do comportamento do mercado. O provável aumento da percepção de risco deve fazer com que os preços dos ativos sejam ajustados. Desta feita, para baixo.

Lá fora, a espera continua - I

Se no Brasil os acontecimentos novos do processo eleitoral e a formação das expectativas sobre crescimento e o lado fiscal irão aumentar a percepção de risco, no resto do mundo o cenário também está mais confuso. Na Europa, a crise grega deve ser seguida por maiores questionamentos sobre a saúde fiscal de outros países, sobretudo a Espanha, Portugal e a Itália. O movimento do euro nas últimas semanas corrobora que este processo.

Lá fora, a espera continua - II

Já no caso dos EUA, a complexidade do cenário é bem maior. Em primeiro lugar porque a melhoria dos fundamentos econômicos não implicou em confiança maior em relação à sustentabilidade do crescimento e em relação à saída do processo de estímulo fiscal e monetário. O Fed deu sinais de que vai subir a taxa de juros básica para um patamar mais equilibrado. Todavia, a verdade é que o nível dos juros está quase que 100% atrelado ao grau da recuperação da demanda. Afinal, não há risco inflacionário relevante. De outro lado, há um ano eleitoral que é vital para a sustentação da administração Obama. Assim sendo, podemos dizer que a benignidade dos fundamentos nos traz otimismo, mas pouco sabemos sobre o quão otimistas podemos ficar.

Ainda sobre os juros dos EUA

O aumento da taxa de redesconto na semana passada por parte da autoridade monetária dos EUA é sinal de que vem aumento de juros a partir de meados do segundo trimestre. O Brasil não deve temer uma alta mais aguda dos juros em função da falta de força da demanda. Contudo, os lucros das empresas norte-americanas no último trimestre do ano passado têm sido bons e o desemprego que não cai também não tem subido. Dois fatores que justificariam alta de juros básicos. Mas a lista e o peso de fatores que justificam cautela numa possível da taxa de juros básica é enorme : vai do fato de que a taxa de desemprego deve ficar alta por longo períodos até a incipiente recuperação do investimento. Por tudo isto, Bem Bernanke, o presidente do Fed, terá de usar todo seu talento para monitorar e tourear as expectativas dos investidores, congressistas e a sociedade como um todo.

Radar NA REAL

Sem maior controle fiscal (improvável no curto prazo em função das eleições) e diante de uma demanda crescente, o BC brasileiro irá subir os juros em breve. Talvez já neste segundo trimestre. Somado a este fato teremos as eleições que aguçam a volatilidade. Assim sendo, não vemos muita razão para a valorização do real muito acima do atual patamar e muito menos acreditamos em altas substantivas das ações até pelo menos o terceiro trimestre deste ano. Ao contrário : uma queda da bolsa brasileira é muito mais provável que uma elevação no curto prazo. Não é o caso de se ter muita cautela de vez que não há fatos tão negativos a justificar isto. Todavia, podemos ser mais cuidadosos, pois nada justifica euforia.

19/2/10
 

TENDÊNCIA

SEGMENTO Cotação

Curto prazo

Médio Prazo

Juros ¹  

 

 

 - Pré-fixados NA

alta

alta

 - Pós-Fixados NA

alta

alta

Câmbio ²  

 

 

 - EURO 1,3589

estável/queda

estável/baixa

 - REAL 1,8094

estável/baixa

estável/baixa

Mercado Acionário  

 

 

 - Ibovespa 67.597,43

estável/queda

estável/alta

 - S&P 500 1.109,17

estável

alta

 - NASDAQ 2.243,87

estável

alta

 

(1) – Títulos públicos e privados com prazo de vencimento de 1 ano (em reais)
(2) – Em relação ao dólar norte-americano
NA – Não aplicável

Programa do PT : esqueçam o que escrevi

Embora o presidente Lula tenha assegurado, com a autoridade que tem sobre o partido, que o programa que o PT aprovou em seu IV Congresso Nacional é "uma feira de produtos ideológicos" em que as pessoas "compram o que querem e vendem o que não querem" e o fato da ministra Dilma ter minimizado os arroubos estatizantes mais à esquerda da nação petista, há sim grande preocupação o que o PT está propondo para um provável governo comandado pela chefe da Casa Civil. Aqui e lá fora, como se pode apurar em algumas conversas fora do eixo político desde o fim de semana e está registrado em matéria publicada pelo diário espanhol El País na semana passada com a análise do documento para discussão no Congresso elaborado pelo assessor especial de Lula, Marco Aurélio Garcia. O texto não foi tão amenizado como queriam Lula e a cúpula petista, por isso Dilma teve em seu discurso de fazer algumas profissões de fé neoliberais para contrabalançar.

Um novo "cavalo de pau" ?

A preocupação não é com o que está ou não escrito. O PMDB ainda vai meter a mão nessa cumbuca para produzir um programa de governo mais palatável para os setores que temem o excesso de esquerdismo e de estatismo do PT e das próprias ideias defendidas com ardor pela candidata Dilma. Programa de governo em ano eleitoral é muito pro forma, coisa para atender cobranças de certos setores da sociedade. Lula mesmo com a Carta aos Brasileiros de meados de 2002 rasgou o que o PT havia definido em dezembro de 2001 e que deveriam ser as diretrizes de seu governo. Deu o chamado "cavalo de pau". Mesmo assim, a desconfiança o acompanhou – basta ver a trajetória dos indicadores econômicos de então – até depois do segundo turno de daquela eleição. Foi preciso juntar um montão de discretos avalistas e um início de governo decepcionante para os petistas que esperavam uma ruptura com tudo que estava aí para as coisas voltarem aos eixos, lentamente.

A visão de dentro do partido

É mais do que sabido que boa parte do PT não se conformou com o corte neoliberal do governo petista de Lula na área econômica. Mesmo depois de comprovada a eficácia das políticas adotadas, os amuos e queixas sempre foram presentes. Que o diga o presidente do BC Henrique Meirelles, que até pouco tempo atrás ainda comia o brioche que o diabo vermelho amassou. O PT sempre sonhou com seu socialismo e mesmo pragmático ainda vive sonhando nele. Em artigo recente, o novo presidente da legenda, José Eduardo Dutra, e o antigo, Ricardo Berzoini, ainda classificaram o PT como um partido socialista. Valha a liberdade de expressão.

O partido, Lula e Dilma

Lula - que o próprio PT admite que é maior do que ele e sua única real liderança - com a força da influência que tem e da distribuição de cargos e poder que fez, amansou parte do petismo mais radical. A dúvida é se Dilma, que não tem o carisma de Lula, que não é petista de primeira viagem, que foi imposta ao partido quase que pela goela abaixo, vai conter os petistas depois que Lula sair de cena. Quem viu a ação dos dois na convenção percebeu que Lula carrega a plateia e Dilma é por ela induzida. O PT está se preparando para dar as cartas que não deu no governo Lula num provável governo Dilma. Por isso, o documento petista está sendo tão perscrutado. Esqueçam o que eu escrevi ?

A propósito...

Frase do improviso do presidente Lula sábado, dirigindo-se diretamente a Dilma : "Claro que você não vai querer estatizar borracharia, bar, pizzaria, cervejaria. Mas aquilo que for estratégico, não estiver funcionando e precisar colocar para funcionar, a gente não tem medo de tomar decisões importantes para nosso país". É o caso do renascimento da Telebrás para explorar a banda larga. Fruto desta ótica de governo.

Tutela ?

Tem gente boa que acha que Lula vai ter de tutelar Dilma, dada a sua inexperiência política e seu estilo meio rombudo. Não vai ser fácil para ela lidar com um PT querendo reerguer a crista e com o PMDB que já se conhece. Uma frase do ex-prefeito de BH, um dos conselheiros de Dilma, seu amigo há mais de 40 anos, em entrevista à Folha de S.Paulo de ontem é bem ilustrativa dessas preocupações : "Dilma não vai ficar refém do PT". E do PMDB ?

Quem vê cara...

...não vê coração. São miragens políticas as imagens do presidente do PMDB Michel Temer sorrindo ao lado do presidente Lula e da ministra Dilma na festa de encerramento do IV Congresso do PT. É sabido que Temer quase não foi ao evento, nem ele nem ninguém do PMDB governista. A razão não foi, como alguns espalharam, o temor de desrespeito e possíveis vaias. Pelo menos não a maior razão. Vão mal as relações regionais entre o PT e o PMDB em vários Estados. E o PMDB está desconfiado - ou estava - de que Lula vinha enrolando o partido para ganhar tempo e impor sua vontade. A ameaça de ausência funcionou e Lula teve de ceder. O PT entendeu muito bem quando ouviu Lula dizer que não está certo esse negócio de dois palanques e ele não pode subir em dois altares. Dilma até pode, ele não. O PT ficou assustado. E o trunfo voltou novamente às mãos de Temer e de seu grupo (ou muitos grupos).

Intervenção real

E ficou tão assustado que aprovou, quase na marra, uma resolução autorizando a Executiva Nacional a intervir nos Estados nos quais as disputas regionais possam prejudicar os palanques fortes para Dilma.

Uma ou outra exceção

Apenas na BA, por razões que a política desconhece, o presidente pode admitir, ainda que a contra gosto, um palanque duplo dos governistas, com Jaques Wagner, do PT, em um, e Geddel Vieira Lima, do PMDB em outro. Lá e no RJ, onde Dilma, por razões que a política desconhece, resolveu também incensar Garotinho, hoje ferrenho adversário de Sérgio Cabral. Vingança do pré-sal. No resto tem de haver concessões, de lado a lado. Mas o PMDB fincou barreira : vai disputar na BA (para desgosto de Lula), quer o RJ sem Garotinho, quer MG, quer o PA, quer o MS, todos também aspirações petistas. Fora a liberdade com que trabalha no RS, em SC, no PR, em SP e em PE. Para o PT pode ser um sério obstáculo a seu sonho de ser um protagonista maior no governo Dilma do que foi no governo Lula, principalmente no segundo mandato.

DEM, PSDB e a questão política

Fica para os especialistas – e é o que não falta ao Migalhas – as análises, do ponto de vista jurídico da cassação do mandato do prefeito de SP Gilberto Kassab e da vice-prefeita Alda Marcantônio. Como também das questões judiciais envolvendo o governador licenciado do DF, José Roberto Arruda e o vice-governador, também sob mira, Paulo Octávio. Todos do DEM. Do ponto de vista político eleitoral, porém, é certo que tudo isso foi uma ducha na campanha da oposição – algum desgaste ficará quando a briga esquentar. O DEM, por seu lado, perdeu todas as condições de indicar o vice na provável chapa de José Serra, se Aécio Neves confirmar mesmo que não vai querer o lugar. Mas Aécio ainda vai ser muito pressionado a mudar de posição.

José Serra no seu silêncio

Agora que Dilma é candidata consagrada e (quase) oficial, poderemos ver nas próximas pesquisas os efeitos produzidos a partir do enorme volume de notícias sobre ela. Também poderemos verificar se a estratégia silenciosa de Serra persiste válida. Por enquanto o governador paulista se contorce para inaugurar obras em meio às intempéries que assolam o Estado...

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.