Um "novo" Legislativo
Um dos argumentos dos defensores do polêmico III PNDH contra a saraivada de críticas recebidas pelo documento, pelo seu viés autoritário e por ter vindo à luz em forma de decreto presidencial, é o de que ele foi precedido de uma série de consultas públicas e de seminários/conferências em diversas regiões do país. Este caráter quase plebiscitário, de consulta direta, daria legitimidade. No próprio documento, há defesas de tal prática. É um modo de ser do governo Lula. É também uma tentativa de contornar as dificuldades naturais de um sistema de democracia representativa – mesmo falho como o nosso – que impõe certos freios ao poder do Executivo. O III PNDH nasceu de uma conferência com o mesmo nome. Em dezembro, o governo patrocinou a I Conferência Nacional de Comunicação, com o mesmo objetivo. O documento final foi atenuado, mas mesmo assim contém sugestões que botam em risco, se adotadas, a livre circulação das informações. Agora, o "Estadão" deu notícia no domingo e "O Globo" confirmou ontem : vem aí a Conferência Nacional de Cultura. O documento preliminar, preparado nos escaninhos burocráticos, tem o mesmo escopo. É o governo tentando se sobrepor ao Congresso com a desculpa de que está atendendo a anseios populares. Anseios populares muito bem controlados e direcionados.
Consultas públicas, mas reservadas
As consultas ou audiências públicas que precedem a elaboração dos documentos preparatórios dessas conferências, e as que são realizadas por órgãos públicos para embasar a elaboração de projetos ou resoluções oficiais, são apenas arremedos de consulta ou audiências realmente abertas. De um modo geral são pouco divulgadas e ficam restritas a grupos de interessados ou grupamentos político-partidários e ideológicos muito bem organizados. Quem participou, por exemplo, de algumas reuniões estaduais e municipais preparatórias da Confecom pôde sentir as resistências (às vezes agressivas) às opiniões oficiais. Em regra, as sugestões de fora são pouco acatadas, meçam-se os exemplos da Anvisa e da Anatel. É quase tudo pró-forma. O BC chegou ao requinte de fazer um consulta pública, ainda não terminada, a respeito das mudanças nos cartões de crédito. As sugestões apresentadas pelo setor privado não estão no site do banco. E só será conhecido o documento final da instituição, sem que saiba quais foram as propostas de mudança e quais não foram acatadas e porque razão. Se tudo o que está sendo posto virar realidade, vamos chegar à democracia relativa, sonho do general Geisel e dos militares de 1964. Democracia para poucos eleitos. Não pela população mas pelo partido e alguns "iluminados".
Imprensa, uma obsessão
Para um homem que não lê jornais - para não ter azia - Lula é um obcecado. Ele ainda não desistiu de moldar a chamada mídia e outras formas de comunicação à sua imagem e perfeição. Lula não descansará enquanto não conseguir o chamado controle social de imprensa. O primeiro ataque veio com a ideia de criação de um Conselho Nacional de Jornalismo e da Ancinave. Bombardeada, ela hibernou. Voltou ser sugerida na Confecom e de novo não teve audiência suficiente, embora o documento final do encontro esteja carregado desse tipo de ameaça. A tentativa seguinte, não eliminada apesar das críticas que recebeu, está no III PNDH. Não satisfeito, o governo retoma o tema nas diretrizes para a Conferência Nacional de Cultura, marcada para março, em Brasília. O documento-base para a conferência, que está no site do Ministério da Cultura, entre outras coisas, diz que "o monopólio dos meios de comunicação representa ameaça à democracia e aos direitos humanos". O texto preliminar, depois de considerar legítimo que a imprensa comercial se organize com base em demandas do mercado, afirma que esta não pode ser a única a prevalecer. E tome normas de controle social. A realidade é que, bem ou mal, mesmo com seus extraordinários defeitos, a imprensa brasileira procura cumprir seu papel de olhos e ouvidos da sociedade. E isto incomoda quem não gosta de críticas, persegue a unanimidade e tem uma visão muito peculiar de democracia.
Lula e Dilma : irmãos siameses
Fotos como a do presidente Lula e da ministra Dilma, juntos, compungidos, no velório da Dra. Zilda Arns, vão ser uma constante nos jornais, com imagens na televisão e tudo o mais. Os dois não vão se largar, enquanto a Justiça Eleitoral permitir e até sem respaldo das leis das eleições. A conclusão no mundo oficial é de que, se Dilma desgarrar de Lula, dificilmente sua candidatura crescerá a ponto de ameaçar a até agora liderança de Serra.
A expectativa tucana
O PSDB ligado ao governador Aécio está de olho no que vai acontecer em Juiz de Fora/MG, hoje, terra do ex-presidente Itamar Franco. Querem saber se o governador vai cumprir a promessa de não acompanhar o presidente Lula, com a ministra Dilma, na inauguração de uma hidrelétrica movida a etanol na cidade. Aécio teria avisado ao Planalto que não vai mais estar com Lula nesses eventos que ele considera apenas eleitorais. Para os tucanos este seria sinal definitivo de que Aécio vai se engajar para valer na campanha de Serra, mesmo que alguma mágoa ainda tenha ficado no fundo da alma do mineiro. E há indicações de que isto de fato vai acontecer. Aécio, embora possa disputar o Senado, ainda está com seu jogo aberto, à espera dos próximos passos de Serra, do PSDB e de Lula. E não pode ficar com sua imagem desgastada fora de Minas. Além disso, ele já percebeu a tacada do PT, com grandes ofertas ao PMDB e outros partidos para isolá-lo em MG. Sua eleição para o Senado está garantida. Mas por tudo e por algo mais que quer no futuro da política, Aécio precisa eleger – e, de preferência, muito bem – seu sucessor no Palácio da Liberdade.
Ciro fora de órbita
Para quem se diz irremediavelmente candidato à presidência, o deputado Ciro Gomes está sumido demais. Ninguém tira férias nesta altura da disputa, ainda mais alguém como ele, que ainda precisa consolidar a candidatura e negociar as alianças que a sustentarão. Não é á toa, porém, que Ciro saiu do radar político. O irremediável dele é tão sólido quando o irrevogável do senador Aloizio Mercadante.
PMDB na muda
Quieto também está o PMDB. O partido, na sua facção governista, está muito inquieto. Alguns de seus líderes começam a desconfiar que o governo e o PT, além de serem a fonte de intrigas (?) surgidas periodicamente na imprensa contra eles, quer ganhar tempo na negociação das alianças regionais e na escolha do vice para deixar o partido sem opções. Se isso for verdade, Lula está fazendo uma jogada de alto risco. O PMDB tem apetite e muito pouco a perder.
Meirelles e a política
O boletim Focus do BC - uma consulta do BC a 100 analistas do mercado a respeito das expectativas sobre diversas variáveis econômicas - voltou a apontar para um aumento de taxa de juros este ano. A previsão passou de 11% para 11,25% em dezembro. Hoje ela está em 8,75%. Todavia, quase ninguém acredita que o BC vá tocar nos juros na reunião do próximo mês. Somente começará a agir em abril ou até mais tarde, depois que Meirelles deixar a direção da instituição para se aventurar pelo mundo da política. Há quem diga que o presidente do BC está reconsiderando esta decisão, devido às dificuldades que enfrenta em Goiás, onde concorreria ao governo estadual ou ao Senado. Meirelles teria ficado empolgado também com sua eleição para o conselho do BIS. É possível. E se assim for, ele ficará até o fim do governo Lula. Porém, isto não é tão certo, pois o presidente Lula pode precisar de Meirelles para vice de Dilma. Meirelles não acrescenta muitos votos, mas pode ser uma garantia para os desconfiados de algumas propensões políticas e econômicas da ministra chefe da Casa Civil. O episódio do III PNDH, explorado pela oposição, já deu a indicação de que um antídoto desses pode ser necessário.
A escalada de Chávez
A imprensa nacional e internacional está dando muito pouca atenção à situação política e econômica da Venezuela. O clima, informa diplomata que passou uns dias por lá, não está dos mais saudáveis.
Fim do mundo
Inacreditável – para ficar no mais brando – a ciumeira que baixou no Itamaraty e no Ministério da Defesa por causa das ações dos EUA na tragédia do Haiti. Num momento como esses, disputas por liderança, hegemonia, primazia ou que tais é mortificante, desumano.
Lição esquecida
Do economista Paulo Ormond, autor entre outros do provocativo "A morte da economia", em artigo publicado no Brasil pela revista "Exame" : "A economia é basicamente uma teoria sobre o comportamento dos indivíduos. (...) E o comportamento desses agentes não é guiado pelo que eles são capazes de computar, mas pelo que eles enxergam em dado momento."