Política, Direito & Economia NA REAL

Cinco meses

Uma análise fria e sem viés ideológico indica ser difícil propulsionar mudanças concretas no país.

12/5/2023

Uma análise fria e sem viés ideológico indica ser difícil propulsionar mudanças concretas no país

Após cinco meses da inauguração do novo governo, parece-nos possível vislumbrar quais sejam os seus principais desafios, mesmo que não se saiba o alcance de suas conquistas, as quais dependem da consolidação (ou não) ao longo do tempo. De todo modo, são as possibilidades de sucesso desta administração que originam as maiores dúvidas. A avaliação justa do cenário tem de ser realizada à luz das suas condições iniciais do governo Lula III.

A eleição do atual presidente decorreu da consolidação de uma conjuntura jamais vista neste país - se assemelhou à disputa de 1950 entre Getúlio e o Brigadeiro Eduardo Gomes, sendo que naquele caso o caudilho gaúcho venceu por significativa porção dos votos totais. Já a última disputa eleitoral foi entre aqueles que queriam evitar Lula e aqueles que queriam tirar Bolsonaro. A magérrima vitória do candidato petista por 1,8% dos votos válidos foi resultado de uma espécie de “coalizão de momento” sem substantiva avaliação do eleitor no campo das ideias e/ou de interesses. A busca de “proteção” em um candidato em relação ao outro produziu um ambiente plebiscitário sem o componente estrutural e estruturante dos programas políticos e das coalizões partidárias que futuramente conduziriam o governo. Sequer houve “acordos conciliatórios” entre partidos e candidatos (no segundo turno da eleição) que delimitassem claramente para onde o governo iria, caso ganhasse o ex-metalúrgico ou o ex-capitão.

Num país com um eleitorado cercado de preocupações concretas de sua vida cotidiana e com 33 milhões de famintos não é de se esperar que uma eleição majoritária possa ser realizada com dentro de parâmetros racionais, conforme imagina certa parcela da elite brasileira. Além de tudo, está claro que o controle social está desmobilizado e sem instrumentos para influir, inclusive porque o Parlamento esconde as reais relações de poder que o faz agir em certas direções.

A eleição pode ter salvado o país de uma vitória de radicais, mas deixou a marca indelével da direita (extrema e ideológica) organizada e orgânica, identificada com a feição conservadora de larga parcela da sociedade (52 milhões de votos). Por sua vez, a esquerda é minoritária e incapaz de impor o seu projeto. Neste contexto, a denominada “ala fisiológica” do parlamento, pode oscilar com elevados graus de liberdade pelo meio do corredor entre os dois lados: vezes opera para fazer andar a esquerda governista, vezes cria barreiras ou formalmente a barra. De resto, também se soma à direita, inclusa a extremada.

Não há articulação palaciana capaz de ser eficiente ao projeto do governo num contexto tão mutável no parlamento. É claro que se pode apontar ou argumentar sobre os erros (realmente incorridos) de articulação do governo, mas vai longe a ideia de que isso é a causa estrutural do fracasso neste item. Parece difícil a qualquer governo nestas condições extrair quilométrica “eficiência funcional” das votações no parlamento quando deputados e senadores medem por centímetros as oportunidades políticas. O oportunismo não é de ocasião, é um método consolidado.

A malformação e as inconsistências parlamentares jogam o país num grau de incerteza muito além do que por ora se comenta. Junte-se a isso a crise institucional.

Os eventos de 8 de janeiro, além dos conhecidos prejuízos aos poderes e aos palácios, agravaram ainda mais as distorções das instituições do Estado brasileiro. O Judiciário, em especial, que sinalizava caminhar para um leito mais estreito e pacífico ao exercer as suas prerrogativas acabou por manter e, até mesmo, ampliar o seu papel binário de estabilizador (dos desequilíbrios entre os poderes e as demandas sociais) e desestabilizador (do ponto de vista da democracia formal espelhada na Constituição). Vale dizer que num ambiente de fake news e golpismo a prioridade do Judiciário em agir não é difícil de ser estabelecida. Por óbvio, a denominada “segurança jurídica” corre por uma órbita bem volátil.

Do lado do Executivo, as expectativas após as eleições do final de 2022 se moldaram em torno de cinco demandas da sociedade: (i) a ausência de escândalos (sobretudo, fraudes e corrupção), (ii) uma política econômica favorável à base eleitoral de Lula, acrescida pela parcela do bolsonarismo que poderia aderir às iniciativas do governo; (iii) a crença em uma melhor articulação política de Lula (parlamento e sociedade) com resultados mais promissores que o ex capitão; (iv) o controle da inflação e da carestia e (v) atender aos anseios dos mais necessitados, com mais empregos e salários fruto de um crescimento mais acelerado da economia.

Após estes cinco meses verifica-se, de forma sumária e geral:

(1) O governo restabeleceu com relativo sucesso a conexão política, social e econômica entre os temas políticos (valores democráticos, respeito às instituições, articulação política com os partidos, etc.) e civilizatórios (cultura, direitos humanos, política ambiental, respeito isonômico às minorias, etc.);

(2) Lula retomou com sucesso o acesso e a participação na cena internacional. Neste aspecto o ponto negativo é que esta reinserção do país foi feita sem a observação atenta dos limites das possibilidades econômicas e políticas de um país como o Brasil. Ademais, em relação aos temas geopolíticos, notadamente a guerra da Ucrânia, a adoção de uma linguagem diplomática “moral e de valores” (idealista) acabou por limitar as possibilidades de uma ação mais isenta e proveitosa em relação ao conflito;

(3) Do ponto de vista econômico, a opção do governo foi em favor da adoção de uma estratégia que conciliasse (i) o fiscalismo responsável e limitado (refletido pelo “arcabouço fiscal”), (ii) o foco na reforma tributária “possível” e na crítica, por vezes mais ácida, em vista do corrente aperto monetário do Banco Central liderado pelo indicado pelo governo anterior. Todas estas iniciativas não foram capazes de reverter as expectativas negativas sobre o desempenho econômico originadas na administração anterior. O crescimento do PIB deve permanecer medíocre neste ano e, talvez, no próximo, sem que existam indícios claros de que a tração do desenvolvimento possa ressurgir;

(4) Nas diversas áreas de atuação governamental (energia, tecnologia, infraestrutura, etc.) verifica-se ausência de clareza sobre vetores estratégicos e preferenciais que devem orientar o funcionamento do governo e do Estado. Trata-se de falha grave face a crise financeira do Estado. Também, as declarações e algumas iniciativas do governo e do presidente sobre, i.e., a reversão de privatizações anteriores, mudanças no marco legal do saneamento básico, ataques diretos contra a política monetária e a respeito do estabelecimento de preços pelas empresas estatais causam inquietação sobre a estratégia do governo e o papel da iniciativa privada nos projetos de interesse do país. Este é um tema central que necessitaria ter sido claramente endereçado pela atual administração.

Por óbvio, o sumário acima não é exaustivo, mas representa na essência o que foi a iniciativa do governo neste curto período.

Será que a combinação dos fatos e temas acima abordados é capaz de levar o país à sua modernização?

Uma análise fria e sem viés ideológico indica ser difícil propulsionar mudanças concretas no país pois não existem mecanismos disponíveis para que sejam tomadas as melhores decisões em prol do desenvolvimento sustentado economicamente e sustentável social e ambientalmente. A viabilização do atual governo via a coalizão parlamentar que o apoia formalmente reduziu o “mínimo comum” das políticas a um patamar muito baixo, que sequer é de “manutenção”.

Há, porém, outro risco, perigoso e já presente na sociedade. Diante da excessiva mitigação e fratura decisória do modelo político brasileiro, crescem as demandas por quebras institucionais, supressão de direitos políticos e adoção de padrões “tecnocráticos” de gestão do governo e uma administração voltada para os resultados (tidos como “superiores ao todo”), excluídos os meios democráticos. Sem maiores adjetivos, a manutenção da democracia depende de movimentos do governo e do parlamento mais convergentes em favor da política, da economia e da sociedade.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.