"Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é totalmente nosso,
nem totalmente não nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza,
nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais". (Epicuro).
A eleição do próximo dia 2 de outubro de 2022 ficará marcada como a mais extremada da história brasileira. Não precisamos realizar uma reflexão profunda para adentrarmos a esta conclusão. O resultado do pleito, para além da escolha popular em relação ao primeiro mandatário, mostrará o país cindido social e economicamente e, assim, estará refletida politicamente esta dura verdade. Triste e perigoso cenário.
A missão do próximo presidente e dos congressistas será a de atrair o país para o centro político, seja de direita ou de esquerda, conservadores ou progressistas. A tarefa será árdua, observados os três pilares. Vejamos.
O primeiro pilar diz respeito à economia. A situação fiscal brasileira tem de ser avaliada não somente com base nos riscos relacionados com o crédito público – a avaliação do "risco país''. De fato, o "teto de gastos" será muito provavelmente ajustado pelo novo governo, não apenas para satisfazer às necessidades conjunturais e fáticas do difícil momento, mas, sobretudo, para satisfazer demandas encomendadas no processo eleitoral ainda em curso. A insatisfação imediata da população, sobretudo dos mais desfavorecidos, implicará em correspondente perda de apoio político no curto prazo, o escasso capital necessário à negociação com a futura base governamental junto ao Congresso Nacional.
Se o "tal do mercado" avaliar o rompimento do teto de forma ortodoxa, a frustração será imediata (e errada). A política forja a economia. Não há como fugir desta máxima. De toda a forma, este "furo do teto" não poderá ser o "padrão" da condução econômica. Se o for, a frustração momentânea pode se tornar de fato um risco, cujos efeitos políticos serão graves. Disciplina e boa gestão fiscal são virtudes na concepção e execução da política econômica, mesmo quando a visão dogmática tenha de ser abandonada em certos momentos. Vale lembrar que a próxima administração estará sujeita a um banco central nomeado pelo atual Ministro da Fazenda e o pelo ex capitão, aspecto relevante em caso de vitória de Lula. A taxa de juros no Brasil é a mais elevada do mundo e seus efeitos duvidosos. Todavia, ainda conta com forte apoio no segmento financeiro que "forma a opinião" em relação ao tema. Em caso de inconsistências fiscais, a taxa de juros será usada como amargo e duvidoso remédio contra o Erário esbanjador.
O segundo pilar diz respeito aos riscos sociais. A situação é crítica e não deve ser subestimada. A desigualdade em termos de renda e de condições (presentes e futuras) é o mais importante empecilho para o desenvolvimento econômico do país – um erro de avaliação comum é restringir o debate político à economia. A pobreza espalhada e a ausência de formação educacional e técnica das crianças e jovens, tornará o país atolado no seu próprio subdesenvolvimento. Aqui o que cabe ao próximo Congresso e ao futuro Presidente da República é engendrar uma "revolução no campo social".
O atraso é enorme e será ainda mais profundo se não houver aceleração das reformas sociais e a adoção de planos ousados nos campos da educação, novos padrões tecnológicos para a incorporação dos jovens à vida profissional, o combate inteligente e determinado à criminalidade, uma boa política habitacional que inclua a erradicação das favelas, a vitalização da saúde e assim por diante.
É preciso que o tema social se torne verdadeiramente estratégico e não apenas sujeito às intempéries políticas, especialmente no que se refere às subvenções, por vezes eivadas de interesses politiqueiros e eleitorais.
Aqui também cabe o alerta de que a corrupção precisa de enforcement concreto e efetivo. O tema foi muito "batido" na campanha eleitoral, mas nada se falou sobre como enfrentá-la. Trata-se, juntamente com a regressividade tributária, do maior "ruído" do processo econômico. Distorce relações e aumenta custos, além da destruição dos valores políticos e sociais.
O terceiro pilar relevante diz respeito à radicalização política do Brasil. Inicialmente cabe dizer que a atração do povo para o "centro político" não pode ser fruto da "pacificação" promovida pelas elites econômicas e políticas. A radicalização, essencialmente, deriva da imensa desigualdade social, da ausência de organização política da sociedade, da falta de educação formal e ética e da deterioração da democracia enquanto "valor" em função da descrença em relação às autoridades e instituições do Estado. Logo, a "pacificação por cima" representa a opção histórica e equivocada do país: acordos políticos que não atacam as causas na raiz. É preciso enfrentá-las para deixar a direita radical sem oxigênio social e político. O atual governo, se derrotado, deixará uma parcela substantiva de radicais espalhados pelo corpo social. É preciso criar empatia democrática e real com este segmento político, sob pena de submeter o país a uma tensão permanente em torno desta radicalização. As dificuldades na Europa e nos EUA são alertas evidentes: a radicalização é global e umbilicalmente relacionada com o aumento vergonhoso da desigualdade social.
Também no que se refere à radicalização é preciso voltar à esfera legislativa e verificar se o ordenamento jurídico serve à contenção e repressão das atividades dos radicais. Neste sentido, é preciso retirar da cena as distorções funcionais de instituições, dentre os quais, o Ministério Público, a CGU, a AGU e o próprio STF. A segurança jurídica requer que todos cumpram os seus papéis face ao ordenamento formal, mas também aos interesses materiais dos princípios democráticos e de Direito.
O que acima se argumenta, de forma resumida, é urgente. Não se pode enfrentar a crise brasileira sem vigor e sem operar diretamente sobre a grave crise institucional, econômica, social e política. A desorganização partidária e as distorções institucionais, que paradoxalmente evitaram que o ex capitão avançasse no caminho da ruptura democrática, precisam ser sanadas. Não se pode avançar com a quantidade e qualidade dos partidos políticos brasileiros. Ou se faz uma reforma partidária séria, forjada por legítimos interesses da sociedade, ou jogaremos o próximo presidente no mesmo processo político que não intermedia soluções, mas que origina crises, de forma permanente.
A sobrevivência de nossa democracia e o desenvolvimento do país dependerão no longo prazo do desempenho do próximo governo. A ruptura institucional tem de ser radicalmente afastada e será preciso que o núcleo estratégico do próximo governo e o Congresso Nacional se unam em prol dos graves desafios. Os votos do próximo domingo não podem ser frustrados. A pena será pesada. Para todos e não apenas para o governo que começa a nascer.