Política, Direito & Economia NA REAL

A mutação da crise institucional em crise de governabilidade

A mutação da crise institucional em crise de governabilidade.

8/4/2022

Demorará algum tempo para sabermos como evoluirá o cenário eleitoral. Mais e mais, ficam evidentes as fortes dificuldades do centro político se organizar para enfrentar o bolsonarismo que, com inegável habilidade, soube atrair o propalado “centrão” para o projeto eleitoral. Do lado da centro-esquerda a tentativa de construir pontes à direita não produz nenhum efeito relevante para as eleições e, provavelmente, nem será relevante para um futuro governo, se este vier a acontecer. De fato, a reconstrução de um centro político confiável não parece em curso e pode nem existir. A política, neste exato momento, se resume a uma polarização que não indica se vamos ter Lula ou o ex capitão ao final.

O outro elemento que está a influenciar o cenário é que, na ausência de uma reforma política séria, a composição do Congresso Nacional deverá ser ainda pior em 2023: candidatos populares e populistas são a nova elite das arenas políticas de Brasília e Pindorama afora. Vale notar um detalhe importante: a abstenção eleitoral este ano será facilitada pela existência de um novo app do TSE que deixará o eleitor mais confortável para justificar a sua ausência perante a urna eletrônica. A abstenção pode ser recorde.

Se a incerteza eleitoral é clara, maiores são as inquietações em relação ao período pós-eleição: no curto, médio e longo prazos as expectativas em relação ao Brasil pioram. Paradoxalmente, a relativa reorganização geopolítica resultante da guerra da Ucrânia originou novas oportunidades em meio aos riscos em relação à energia, alimentos, meio ambiente, cadeias de suprimentos, tecnologia, dentre outras. O Brasil bem que pode se aproveitar destas mudanças para se recolocar no cenário econômico, político, aqui e lá fora. Todavia, não parece ser o caso.

A crise institucional que ganhou velocidade redobrada com a edição da Operação Lava Jato e o impeachment da presidente Rousseff, agora já produziu todos os efeitos sobre as estruturas do Poder Público brasileiro. Não são somente as disfuncionalidades das seções superiores do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) que estão incapacitadas de fornecer soluções estruturais para o desenvolvimento brasileiro. De fato, na infraestrutura do Estado repousam as maiores dilacerações que impedem que se possa acelerar o país para superar seus problemas. Basta verificar o que ocorre na Cultura, na Funai, nas entidades de controle ambiental, nas empresas estatais, nas agências reguladoras, entre muitas instituições e órgãos, feridos e com ações paralisadas e/ou mitigadas. A elaboração de políticas e a efetividade dos controles estão muito suscetíveis à conjuntura e não devidamente habilitados para reagir a ela.

A conjuntura econômica, por sua vez, é muito incerta. A inflação campeia mundo afora, com o reforço da crise energética fruto da guerra em curso. O financismo reinante é poderoso a ponto de fazer com que os preços dos ativos do mercado de capital estejam acima de quando começou a invasão da Ucrânia. Todavia, desde 2008, o tal do mercado nunca foi testado frente aos riscos presentes e potenciais existentes. Isto inclui, por exemplo, o papel da China na economia mundial o qual começa a ser verdadeiramente questionado. (Dados recentes do influente IIF _ Institute of International Finance indicam que pode estar em curso um rearranjo dos portfolios de investimentos e a China parece ser a grande perdedora).

O Brasil, neste contexto, está fora do círculo de países prioritários para o investimento. Isto porque o governo do ex capitão nos catapultou da cena internacional por força do seu radicalismo político, em relação aos temas dos direitos humanos e, especialmente, ambiental. Ademais, não temos nenhum plano estratégico consistente para proporcionar dinâmica própria aos movimentos iniciados lá fora em termos de transferência de recursos. Refiro-me essencialmente ao denominado investimento direto vez que movimentos de fluxos para o mercado financeiro e de valores mobiliários obedecem a critérios e fatores de curto prazo. Assim sendo, a valorização recente do real pode, até mesmo, se acentuar, mas este não é um processo estrutural: deriva essencialmente da valorização das cotações das commodities e do fluxo de recursos de investidores estrangeiros em busca de títulos de renda fixa com elevadas taxas de juros.

Na hipótese do ex capitão ser reeleito é possível que o mercado até reaja positivamente no curto prazo, mas o preço a ser pago em 2023 está, em larga medida, determinado pela destruição que o bolsonarismo produziu nas instituições e na própria economia. Se Lula for o presidente, o cenário não é muito diferente. Ademais, não está muito claro se o ex metalúrgico entende que este terceiro mandato não se comunica em termos estruturais com os anteriores. Os agentes políticos em ação no Congresso são outros, o populismo radical veio para ficar, a fragmentação política é ainda mais granular e as elites estão posicionadas para o seu característico extrativismo com mais força e mais livres para atuar sem os controles institucionais, conforme elaboramos acima.

Também não se sabe, caso Lula vença o pleito eleitoral, como o ex capitão reagirá no momento pós-eleitoral e no que o bolsonarismo se transmutará no governo de Lula. Além disso, é cristalino que o Centrão não é um movimento sem causa clara como o bolsonarismo. Nos governos anteriores do ex metalúrgico e no governo FHC, o Centrão coletava da fragmentação política frente aos projetos e proposições de governo as suas vantagens políticas, republicanas ou não. Agora, o Centrão vem em nova versão digitalizada: elabora, per se, políticas e medidas que lhe favorecem diretamente, sem quaisquer escrúpulos em relação ao denominado interesse público. Vejam-se os exemplos do “orçamento secreto” e do “fundo partidário”. São fatos simbólicos para exemplificar o desmantelamento político pelo qual o país passou.

Ainda não se fala em voz elevada sobre a possibilidade de que em 2023 e nos anos seguintes a crise institucional aberta de hoje se transforme em uma crise aberta de governabilidade. Vale pensar e, sobretudo, agir em relação a esta possibilidade, presente no horizonte próximo. No uso do aforismo de Oscar Wilde, “estamos todos deitados na sarjeta, só que alguns estão olhando para as estrelas”.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.