Política, Direito & Economia NA REAL

Riscos e oportunidades entre dois "mitos"

Riscos e oportunidades entre dois "mitos".

10/3/2022

O poder político que será amealhado nas urnas não produzirá os efeitos que se espera.

A guerra da Rússia contra a Ucrânia tem elevada probabilidade, segundo se pode verificar pelas afiadas análises que têm sido feitas internacionalmente, de tornar uma vitória militar de um país (Rússia) em relevante derrota política perante a nação militarmente vencida (Ucrânia). O que se constata, de forma bastante geral, é que o poder militar utilizado por Putin teve o benefício (para o Ocidente) de originar uma reação política e econômica espetacular, cujas repercussões devem configurar um cenário bastante diverso daquele que prevalecia ex ante.

O Brasil, resguardado em sua posição geopolítica menos relevante, sofrerá os efeitos deste processo político e econômico ao largo das ações militares. Obviamente, levamos em conta o pressuposto lógico de que a luta militar não incluirá armas atômicas que, se usadas, podem levar à destruição da Terra. De fato, o front ucraniano é o mais perigoso e mudancista fato político e militar desde a II Guerra Mundial. A crise de Suez (1956), a crise de Berlim (1961), a crise dos mísseis em Cuba (1962), a guerra de Israel (1973) e a invasão do Iraque (2003) não tiveram a importância dos fatos e dos processos que decorrem da crise ucraniana.

Para o Brasil, o cenário é de desafios e oportunidades. Afinal de contas, a globalização da qual estamos concretamente e materialmente atrasados, senão em alguns casos marginalizados, tornou-se menos importante do ponto de vista da dinâmica econômica. Doravante, o mais estratégico será a capacidade de cada país com alguma capacidade de agir internacionalmente e tratar as mudanças no cenário como oportunidades e não somente como riscos. Interessante notar que as pautas econômicas sobre, e.g., os temas energéticos, ambientais, de alimentação, transferência de tecnologia, são no conjunto e nas particularidades muito interessantes para o nosso país. Obviamente, é no Ocidente que despontam as nossas maiores chances de um posicionamento favorável ao nosso desenvolvimento. Não é a Rússia, provavelmente derrotada politicamente, que teremos o nosso melhor cenário de oportunidades.

Nesta conjuntura, as eleições do último trimestre deste ano no Brasil ganharam dimensão ainda mais importante para o desenvolvimento brasileiro. Neste tema residem mais riscos que oportunidades potenciais as quais podem ser transformadas em desperdício de horizontes estratégicos, caso não haja ações adequadas. Não seria novidade para nós.

Até agora, o cenário político e eleitoral é simplesmente deplorável. Aqui, me restrinjo a trabalhar no campo conceitual, muito embora não possa me furtar a fazer considerações mais objetivas sobre os fatos políticos.

Os eleitores, ao que parece, estão assistindo passivamente ao desenrolar dos fatos políticos como se estes não fossem afetá-los. Ainda mais quando o momento político atual se distingue como o pior de toda a história republicana brasileira. Jamais na história houve um cenário tão pouco promissor para o desenvolvimento econômico e social do país. Impressiona a passividade da sociedade, notadamente dos detentores do poder real que parecem acreditar que o seu status quo permanecerá. Será?

De fato, a eleição caminha para um cenário no qual os dois principais candidatos se colocam como "mitos". Tanto o ex-capitão quanto o ex-metalúrgico se colocam como representações abstratas de linhas políticas opostas. Concretamente, pouco se pode especular sobre o que farão, sobretudo diante da difícil conjuntura e dos desafios vindouros, reforçados pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Caminhamos célere e serenamente na direção de um cenário ainda mais incerto que o atual. O poder político que será amealhado nas urnas não produzirá os efeitos que se espera e são insuperáveis.

Seja quem for o eleito não existem quaisquer evidências de que os benefícios prometidos para a sociedade possam ser cumpridos pós-eleições. Ao contrário: a contração imediata da demanda fruto das mudanças dos preços relativos no exterior entre commodities e outros ativos tende a agravar os riscos de uma possível recessão, quiçá estagflação. No âmbito interno, o espaço fiscal para se arregimentar recursos em prol do crescimento e desenvolvimento dependerão essencialmente de reformas profundas (e não as cosméticas das últimas administrações). Alguém consegue imaginar uma mudança estrutural forjada em um Legislativo fragmentado em interesses e partidos e marcado pelo patrimonialismo quando não pela corrupção? Com efeito, os benefícios prometidos para a sociedade simplesmente não devem ser cumpridos.

Há ainda o temor de setores organizados de que, se e quando houver reformas estruturais, sejam criadas desvantagens para os seus interesses. Ora, são estes grupos que melhor se movimentam politicamente, seja com um lado, seja com o outro. Assim sendo, o discurso programático mudancista não é pronunciado e muito menos articulado politicamente, pois aumenta os riscos para os candidatos. Não é difícil imaginar que, mesmo abençoado pelas urnas, o eleito estará muito limitado por estes grupos de poder. Exemplo disso são os benefícios fiscais e os temas de tributação. Difícil imaginar que uma reforma possa desonerar o consumo e onerar a renda. Este seria o caminho natural de uma melhor distribuição de renda de cima para baixo. De outro lado, mexer em benefícios fiscais significa ter de tratar com a federação, empresas e setores, bem como, com as relações intersetoriais. Improvável ocorrer.

Se os benefícios são improváveis e as vantagens de grupos organizados estão bem protegidos, sobram para o debate político os temas dos direitos individuais e as abstrações sobre a nossa crise institucional. Tanto é assim que, de formas diversas, o ex-capitão e o ex-metalúrgico, acabam por se esmerar no exercício de debates sobre igualdades, temáticas de costumes, liberdades individuais e assim por diante. Sem dúvida, estes temas são importantes e, como sabemos, estão sob ameaças consideráveis. O que temos de reconhecer que o progresso em relação aos direitos individuais é muito pouco perante o subdesenvolvimento de nosso país. É preciso modernizar a sociedade como um todo, da economia aos costumes e direitos, inclusive porque tais direitos são usualmente solapados pelo atraso econômico e social.

Por fim, o papel da oposição até agora é incrivelmente decepcionante. Vê-se uma esquerda atrasada, discutindo temas dos anos 1950s-1980s, lidando com temas internacionais como se estivéssemos na "guerra fria", conspirando contra as reformas que são necessárias, sem projeto e sem aderência dos setores vanguardistas da sociedade em matéria econômica e social. A mitificação do ex-metalúrgico, face às suas recentes vitórias judiciais e à sua história é um erro estratégico porquanto esconde e obscurece os projetos que precisam ser empreendidos pelo país. Mais: o discurso vazio dá sinais de que o candidato e seus apoiadores sobem em saltos altos dos quais podem cair, tropeçar e levar o país a permanecer como está.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.