Não bastassem as mazelas reinantes em nosso país, a conjuntura internacional mostra sinais cada vez mais vigorosos de que as expectativas estão em franca deterioração. No centro do cenário, irradiando todos os riscos estruturais que vigem na economia lá fora, está a política monetária do Federal Reserve, o banco central dos EUA. É cada vez mais evidente que a inflação sai da profunda hibernação de quase duas décadas para caçar no campo econômico. Além das evidentes pressões, típicas de custos, tais como, os preços dos alimentos e da energia, notadamente o petróleo, os salários também estão com elevação real significativa em quase todas as economias centrais, especialmente nos EUA.
Há, dentre os muitos riscos e problemas de gestão governamental e dos bancos centrais, dois aspectos inquietantes. O primeiro diz respeito ao fato de que já se formou no campo da inflação das principais economias um processo inercial pelo qual os preços de retroalimentam de forma relativamente generalizada. Os cinco maiores países da OCDE, sem exceção, estão fazendo “picos de inflação” e as autoridades monetárias hesitam em como agir face à complexidade do cenário. O segundo é que o movimento do Federal Reserve terá de ser muito cuidadoso em vista das evidências de que há uma supervalorização dos ativos financeiros e do mercado de ações. Chama atenção, em especial, o segmento das empresas de tecnologia ainda não rentáveis, mas que têm valores das cotações na estratosfera do mercado acionário. As aberturas de capital (na sigla em inglês, IPOs) no mercado novaiorquino estão reduzidas e os investidores estão mais alertas para a possibilidades de fraudes e expectativas exageradas em relação ao segmento de empresas de crescimento (growth companies), como são chamadas vulgarmente no mercado de capital). Se o Fed agir rápido demais ou errar no vigor das elevações da taxa básica de juros para tentar domar a inflação corrente e vindoura, pode surgir um tsunami de quedas no valor dos ativos e, com efeito, o crescimento futuro acaba por ser comprometido. Se o mercado financeiro e de capital precisar de botes salva-vidas do Fed, com injeções de liquidez e compra de ativos pela autoridade monetária, o risco será a credibilidade institucional do banco central norte-americano. Como se vê, o cenário exigirá uma mistura de sangue frio e maestria gerencial das autoridades monetárias em meio ao “financismo” que domina a economia mundial.
Obviamente, a descrição acima tem múltiplas simplificações que não refletem toda a complexidade do cenário, mas serve para salientar, por meio de uma visão parcial e quase coloquial, o andamento mais geral da economia mundial e, particularmente, da economia estadunidense. O cenário realmente preocupa.
De outro lado, temos a pandemia do covid-19, renovada pela sua versão “turbinada”, a ômicron. Os números são impressionantes: os contaminados são uma multidão incomensurável, embora os mortos sejam relativamente poucos frente aqueles que foram verificados no início da pandemia. Há cientistas que têm uma avaliação mais positiva desta tragédia, no sentido que há um prenúncio do epílogo deste capítulo da história mundial. Veremos.
As sequelas desta pandemia, ainda são incertas, mesmo que do ponto de vista macroeconômico, o consumo e investimentos represados por conta do espalhamento da doença nestes dois últimos anos, podem significar uma “alavanca” para o crescimento futuro. Infelizmente, este cenário mais otimista e lógico encontrará as variáveis negativas do mercado financeiro e de capital que descrevemos nos primeiros parágrafos acima. Difícil fazer previsões neste contexto. Todavia, os riscos estão relativamente claros e não são desprezíveis ou com limites claros.
Aqui no Cone Sul destes Tristes Trópicos nos quais vivemos o cenário é ainda mais grave. Embora haja enorme letargia e passividade social em torno do desastre econômico no qual estamos metidos, a verdade é que 2022 está, como se diz no “tal do mercado”, “comprado” pelas variáveis do passado.
A situação fiscal é caótica e não é somente pelo fato de termos verificado uma espécie de “assalto” ao orçamento da parte do Congresso e do Palácio do Planalto, no intento de instrumentalizar os partidos políticos e certas hostes dos políticos que mandam no Congresso em vista do cenário eleitoral de 2022. É certo que este processo evidencia que, da esquerda à direita do espectro político, os constrangimentos para estourar o patrimônio da “viúva” (o Tesouro Nacional) é equivalente. De outro lado, o que é preciso salientar é que a política fiscal perdeu os instrumentos legítimos de ser um pilar da boa gestão econômica. Na situação econômica e institucional vigente no Brasil, o uso da política fiscal como meio anticíclico das tendências da oferta e da demanda é ineficaz e ineficiente. Isso porque o uso dos recursos públicos não alavanca investimentos e serve para a prática de políticas emergenciais, muitas vezes populistas e sem capacidade de transformar a realidade estrutural brasileira. Institucionalmente a política fiscal é desmoralizada. De resto, todos nós ficamos dependentes de uma política monetária de elevadíssimos juros nominais e reais e cujos efeitos são igualmente danosos para o Tesouro.
Vale ressaltar que, seja quem for o presidente eleito, o seu papel será mais de saneador do nefasto passado deixado pelo desastre da política de Paulo Guedes et caterva e não o papel de construtor do futuro promissor. De nada adianta bravejar pela esquerda em torno do “teto de gastos” e dos preços dos combustíveis vez que a realidade é mais forte que a ameaça feita. Sem saneamento, não há começo algum. Ao contrário: virá um desastre ainda maior.
Verdade seja dita, o debate político brasileiro é incompatível com a realidade e com as próprias necessidades do país. Estamos numa barafunda desesperançosa. Não há sinais de que 2022 seja o prenúncio de mudanças que modifiquem a trajetória de decadência que estruturalmente nos ataca. Ademais, o cenário externo acentuará ainda mais o destino do Brasil. A cegueira das elites para esta verdade e dos eleitores, diante de sua própria desorganização e ignorância política, indica que dias piores devem vir. Penosamente. O pior cego é o que não deseja ver.