Pitadas Jurídicas

Obrigação alimentar avoenga

A colunista discute sobre a responsabilidade dos avós na pensão alimentícia do neto.

18/2/2016

A colunista vai discutir sobre o tema Obrigação Alimentar Avoenga, também chamada de Obrigação Alimentar do Avós.

"Precisamos partir da Constituição Federal de 1988, que no seu artigo 227, assegura às nossas crianças absoluta proteção do Estado, em relação à vida, à saúde, aos alimentos, à educação. Sempre que nós estivermos em disputa ou interesse de uma criança e a disputa de outra pessoa, a criança sempre terá absoluta prioridade, segundo o texto constitucional.

No Código Civil de 2002, no artigo 1796, nós temos um dispositivo que atribui aos avós uma responsabilidade, complementar e subsidiária, de contribuir com o sustento de seus netos. Isso quer dizer que, na hipótese dos genitores não poderem pagar pensão alimentícia pra criança, incapacidade absoluta, os avós devem ser chamados para sustentar o neto. Ou então, na hipótese do valor pago pelos genitores ser insuficiente, os avós devem ser chamados para complementar.

Essa é com todo respeito a interpretação adequada da norma. Mas infelizmente, nós temos muitos julgados nos nossos tribunais, principalmente no STJ que entende de forma diferente. Vou colocar um caso concreto para os senhores: um casal, namorando no primeiro ano de faculdade, eles começam a namorar, se apaixonam, a menina engravida e nasce a criança. Muito bem. Quem deve sustentar essa criança? Claro, num primeiro momento, os genitores, o pai e a mãe. Mas vamos para o caso concreto, o pai e a mãe eles não se sustentam; eles têm uma bolsa na universidade, onde eles fazem o estágio e são sustentados pelos seus pais, no caso so avós daquela criança. E aí a família materna como acontece de forma repetida, em muitas famílias brasileiras, acolhe a filha na sua casa e também a neta, e passa a sustentar a filha e a neta. Mas essa criança tem um pai, tem avós paternos, e aí esse pai é chamado em juízo, numa ação de alimentos para contribuir com o sustento de sua filha. Só que se constata que esse pai não tem condição financeira; ele recebe uma bolsa e ele pode contribuir no máximo com R$200,00. É claro que esse valor somado com o que a mãe pode pagar é insuficiente para garantir uma dignidade para essa criança, e aí então, em razão no disposto do CC, os avós são chamados em juízo para contribuir com os alimentos da criança, e há uma comprovação robusta da condição financeira dos avós paternos. Os avós paternos têm condição financeira para contribuir com o sustento da neta.

Mas o que acontece nesse caso concreto? O tribunal, o Poder Judiciário entende que os avós paternos não têm obrigação; eles isentam os avós paternos da responsabilidade. Porque o que eles vêm entendendo atualmente é que os avós só podem ser forçados a pagar pensão alimentícia para o neto diante de uma impossibilidade absoluta, em outras palavras, num caso de vida ou morte. Não tem ninguém para sustentar essa criança, então os avós devem ser forçados a contribuir. E como nesse caso que eu citei, a família materna de forma espontânea contribuía com o sustento, então não era necessário obrigar os avós paternos.

Com todo respeito, essa é uma aplicação, uma interpretação da lei completamente equivocada. Nós temos que olhar para o interesse da criança e não para os avós. Se há a comprovação da necessidade da criança e se há a comprovação da possibilidade dos avós, esses devem vir complementar aqueles alimentos que são insuficientes.

Nós tivemos outro caso, analisado pelo STJ, no agravo regimental, em agravo e recurso especial nº 340510, julgado pela 4ª Turma, onde ficou assentado um caso que mostra essa interpretação com todo respeito equivocada: nós tínhamos uma criança sustentada por sua genitora de maneira insuficiente. A genitora advisou uma ação de alimentos contra o pai e açi ele foi condenado a pagar uma pensão alimentícia para aquela criança, mas ele deixou de pagar. Por dois anos ele não pagou e foi necessário um ajuizamento de ação de execução para o recebimento forçado dessa pensão alimentícia. E essa ação de execução foi infrutífera, porque esse pai não foi encontrado. O Poder Judiciário constatou que esse pai estava em lugar incerto e não sabido, ou seja, aquela criança a há bastante tempo sem receber alimentos por parte do pai. Sem outra alternativa, essa mãe ajuíza uma ação de alimentos contra os avós paternos, cuja possibilidade financeira fica robustamente comprovada nos autos. Mais uma vez a resposta do Poder Judiciário foi negativa no sentido de isentar a responsabilidade dos avós.

Sobre qual argumento? Ora, se naquele processo anterior este pai tinha possibilidade financeira de contribuir, de assumir, e complementar o sustento de seu filho, os avós não podem ser responsabilizados; que a mãe ache esse pai, que ela nomeie um curador. Veja, nós estamos deixando de olhar para a criança. A Constituição Federal deu a absoluta prioridade à criança e não aos avós.

Com todo respeito esse entendimento está ultrapassado, esse entendimento não dialoga com o dispositivo contido no CC e na CF. Nós temos que evoluir esse entendimento no sentido de se dar atenção prioritária à criança, como quis o legislador constituinte de forma acertada".

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Colunista

Lauane Braz Andrekowisk Volpe Camargo é doutora e mestre em Direito pela PUC/SP. Advogada sócia do escritório Volpe Camargo Advogados Associados. Presidente da ADFAS - Associação de Direito de Família e Sucessões do Estado do Mato Grosso do Sul. Professora da graduação e pós-graduação da Universidade Católica Dom Bosco/MS. Advogada membro substituta do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul, biênio 2015/2016.