Pitadas Jurídicas

Guarda compartilhada

A colunista faz um convite para a reflexão sobre a guarda compartilhada.

23/10/2015

A colunista faz um convite para a reflexão sobre a guarda compartilhada.

"Até 2008 nosso sistema só havia previsão para a guarda unilateral, que geralmente era atribuída para as mães cabendo aos pais um direito de visitas e também um dever de contribuir com o sustento dos filhos.

Depois disso, nós tivemos então uma modificação do artigo 1.583 do Código Civil, a partir da qual a guarda compartilhada passou a ser interpretada como uma opção possível diante do consenso entre os pais.

Infelizmente, isso passou a ser adotado em apenas aproximadamente em 5% dos casos onde a guarda era estabelecida. A doutrina sempre diferenciou guarda compartilhada de guarda alternada. A guarda compartilhada é aquela em que as decisões do pai e da mãe são tomadas em conjunto. Diferentemente da guarda alternada, que é aquela onde a criança fica, por exemplo, 15 dias com o pai e nesse período a guarda é exclusivamente do pai e nos outros 15 dias a criança fica com a mãe e nesse período, a guarda é exclusivamente da mãe.

Diante dessa pouca utilização consensual então da guarda compartilhada, se entendeu pela necessidade de mais uma nova modificação do artigo 1.583, o que se deu agora no final do ano de 2014.

A partir daí então, o texto legal determinou que a guarda compartilhada deve ser fixada obrigatoriamente em todos os casos, desde que claro o pai e a mãe estejam pleiteando isso e também que não haja nenhum risco grave para a criança.

Porém, o que me angustia nessa matéria é a interpretação que vem sendo dada a este novo conteúdo do dispositivo do artigo 1.583. Isto porque, na verdade, se começou antes por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça relatado pela ministra Nancy Andrighi, onde além de se fixar a guarda compartilhada também se determinou uma divisão de custódia, ou seja, a guarda foi atribuída obrigatoriamente de forma compartilhada ao pai e a mãe e a criança então passou a residir ora com a mãe, ora com o pai.

Podemos exemplificar então que uma criança terá que morar 15 dias com o pai e 15 dias com a mãe. É justamente isso que exige uma reflexão séria, responsável, cautelosa. Isso porque os nossos psicólogos dizem e sempre disseram que a criança precisa muito daquela sensação de ninho. O que isso quer dizer? É uma sensação parecida com aquela que a gente sente quando chega de viagem de férias perfeitas, de um hotel super bacana e quando a gente chega na nossa casa. A sensação de chegar na nossa casa é realmente uma sensação ímpar. E as crianças precisam disso, para que elas tenham um desenvolvimento normal, para que elas cresçam de forma saudável.

A partir do momento em que essa criança passa a ter duas casas, ela deixa de ter esse sentimento. As crianças podem se tornar agressivas, inseguras, instáveis. É inquestionável a necessidade da criança conviver tanto com o pai como com a mãe, isso não há dúvida. É justamente por isso que esse tema nos angustia.

Mas, nós temos percebido que esse novo formato, criado na verdade, onde se divide a residência da criança, muitas vezes ele é adotado sem essa reflexão responsável. Porque penso eu que essa guarda compartilhada, com essa divisão de custódia, ela só deve ser aplicada se realmente houver uma real convivência da criança com o pai e com a mãe nesse período.

Nós temos visto por aí custódia sendo atribuída para pais que tem uma rotina de trabalho enorme, em excesso, e que na verdade as crianças passam então a conviver e a ser cuidadas pelos avós, ou então que passam a ser cuidadas simplesmente por babás, e aí nós temos uma grande prejudicialidade pra a criança. Quando eu digo criança, nós podemos utilizar como paradigma o Estatuto da Criança que seria então naquela idade de 0 a 12 anos. Após essa idade, nós temos já a fase da adolescência, onde a personalidade da criança, toda a parte física, já está formatada e aí o prejuízo não é tão grande. É justamente essa reflexão que eu gostaria de trazer. Será que daqui há 10, 15, 20 anos, essa aplicação de guarda compartilhada com divisão de custódia será salutar? Vamos pensar nisso."

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Colunista

Lauane Braz Andrekowisk Volpe Camargo é doutora e mestre em Direito pela PUC/SP. Advogada sócia do escritório Volpe Camargo Advogados Associados. Presidente da ADFAS - Associação de Direito de Família e Sucessões do Estado do Mato Grosso do Sul. Professora da graduação e pós-graduação da Universidade Católica Dom Bosco/MS. Advogada membro substituta do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul, biênio 2015/2016.