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O Tratado de Maraqueche - Acesso de obras para cegos e deficientes visuais

O Tratado de Maraqueche - Acesso de obras para cegos e deficientes visuais.

14/11/2017

Luciano Andrade Pinheiro e Carolina Diniz Panzolini

O Direito do Autor foi criado sobre uma premissa de equilíbrio entre a proteção da criação intelectual do autor e o acesso à cultura e a educação que todo indivíduo merece ter. Nesse ramo jurídico foram previstas algumas possibilidades em que não há incidência da proteção do Direito Autoral, o que inclui o livre acesso às obras impressas aos indivíduos cegos ou com dificuldades de visão.

Nesse contexto, um importante avanço na área de Direito Autoral foi alcançado: a celebração do Tratado de Marraqueche, ratificado pelo Brasil em dezembro de 2015, após ser aprovado no Congresso Nacional, por meio do decreto 261/ 2015, sob o mesmo rito, com status de emenda constitucional.

Em junho de 2016, o Canadá foi o vigésimo país a ratificar o referido Tratado, alcançando-se o número mínimo de ratificações para sua entrada em vigor, fato que ocorreu em 30 de setembro do mesmo ano. Após a entrada em vigor internacionalmente, algumas medidas serão necessárias em âmbito nacional (no Brasil), razão pela qual uma adaptação na lei 9.610/98 será imprescindível.

Outra providência necessária é a formalização de um decreto presidencial, para que se possa conferir efeitos nacionais ao Tratado, ou seja, para que seja possível internalizar Marraqueche no âmbito do Brasil. Nesse sentido, após um ano de árduo trabalho e muitas transições no cenário político, a assinatura do decreto presidencial está na iminência de ocorrer, fato que deve ser comemorado e considerado um passo de extrema relevância, na medida em que o Tratado de Marraqueche efetivamente poderá ser implementado como merece e como deve ser.

Muito também deverá ser feito no sentido de promover o máximo de difusão e conhecimentos acerca dos contornos do Tratado de Marraqueche, ou seja, deverão ser esclarecidos quem serão os beneficiários, as entidades autorizadas e o seu escopo de abrangência. É muito importante que a sociedade brasileira compreenda bem o referido Tratado para que ele seja instrumentalizado da forma adequada.

Ao fornecer limitações justas ou exceções aos direitos de autor para os cegos e deficientes visuais, o Tratado facilita a produção e distribuição de obras em formatos acessíveis, sem reduzir os direitos legítimos dos criadores. Ele também viabiliza a importação e exportação dessas versões acessíveis e permite aos países compartilhá-las, sem causar prejuízo aos interesses legítimos dos autores e titulares de direitos, uma vez que as limitações e exceções previstas pelo Tratado de Marraqueche referem-se apenas aos casos especiais, sem causar, por conseguinte, um impacto negativo sobre as receitas dos criadores, preservando, por conseguinte, o respeito à regra dos Três Passos, prevista na Convenção de Berna.

Um dos principais objetivos do Tratado de Marraqueche é criar um intercâmbio transfronteiriço de obras intelectuais em formatos acessíveis, de forma a aumentar a disponibilização de obras sob essas circunstâncias e aplacar a "fome de livros" para um público específico, realidade estabelecida e reconhecida mundo afora.

De acordo com dados da União Mundial de Cegos, menos de 10% das obras intelectuais estavam disponíveis em formatos acessíveis. As consequências foram exclusão social e desigualdade. O Tratado de Marraqueche veio para mudar essa realidade.

É para esse tipo de situação e público que as exceções do Direito Autoral, efetivamente, se justificam. É só por meio de limitações à incidência do Direito Autoral que se estabelece o equilíbrio necessário para um público tão vulnerável como os cegos e àqueles indivíduos com dificuldades de visão.

Esperamos que esse Tratado colabore muito para que os cegos e pessoas com dificuldade de visão tenham acesso efetivo às obras impressas protegidas pelo Direito Autoral e que, dessa forma, essas pessoas tenham condições de usufruir da cultura e educação, imprescindíveis para o seu desenvolvimento.

Esse é o equilíbrio que se espera no Direito Autoral, ramo da ciência jurídica que defende primordialmente o autor e sua obra intelectual, mas que também deve sofrer limitações em sua incidência de proteção, quando trata-se de demanda oriunda de segmento da sociedade que necessita de um tratamento desigual, para que seja efetivamente estabelecida a Justiça, no caso concreto, o devido acesso à cultura e à educação.

O momento é especial e o esforço do Brasil em colaborar para a formalização desse Tratado foi fundamental.

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Colunista

Luciano Andrade Pinheiro é advogado. Graduado pela Universidade Federal da Bahia. Professor de Direito Autoral. Autor de artigos jurídicos. Palestrante. Perito judicial em propriedade intelectual. Foi assessor de técnica legislativa na Câmara dos Deputados, diretor adjunto da Escola Superior da Advocacia da OAB/DF e vice-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Brasil/DF.