Luciano Andrade Pinheiro
É bastante comum nas consultas de clientes e interessados no Direito Autoral a dúvida sobre a viabilidade de proteção do método. Alguém que cria um novo sistema de ensino de inglês, ou um método inovador de atividade física e pretende – legitimamente - ter sua criação protegida contra a cópia.
A resposta, se buscada na Lei de Direito Autoral, é bastante simples, porque logo no inciso I do art. 8º, o legislador fez questão de deixar expresso o seguinte: "Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta lei: I - as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais".
Entre diversas outras manifestações do pensamento que não recebem proteção autoralista, está lá o método. Resposta dada? Sim. Mas qual a razão para o legislador ter excluído o método – mesmo o senso comum compreendendo ele como um fruto legítimo de um esforço intelectual – da proteção? A resposta a esta pergunta precisa de uma maior digressão.
É preciso inicialmente compreender que o Direito Autoral é o ramo do Direito que garante proteção a um bem que é fruto do gênio criativo do ser humano, mas o produto do pensamento imprescindivelmente deve ser expresso em uma forma sensível. Sem um modo de expressão, não existe o bem. Sem exteriorização do pensamento, não existe direito autoral. Enquanto ideia, não existe bem tutelável. José Carlos Costa Netto ensina que:
"O objeto de proteção do direito de autor é a obra intelectual, conceituada pelos principais tratadistas como a criação intelectual fixada em um suporte material (corpus mechanicus).
A maioria dos juristas que se dedicaram ao estudo da matéria procurou deixar claro que o objeto da proteção não deve ser a idéia (que originou a obra), mas, sim, a sua concepção estética – a sua forma de expressão – materializada como "obra intelectual""1.
Assim, formulamos a primeira premissa. O Direito Autoral protege a forma de expressão de uma ideia, fixada em um suporte tangível ou intangível. Enquanto apenas ideia, o pensamento não é tutelável. Dentro do direito de autor, a ideia é coisa de ninguém.
O método, apesar de uma ideia expressa se alguma forma, não é protegido pelo direito autoral em razão de ser um modo de expressão vinculado. A previsão de não proteger pela lei de direito autoral esse tipo de manifestação do pensamento se dá em virtude do engessamento do requisito da criatividade. O método se manifesta de uma ou de pouquíssimas formas, não permitindo transformações, adições, ou possibilidade de criação sobre outro corpus. É como explica José de Oliveira Ascensão afirmando que "não há criatividade, que é essencial à existência de obra tutelável, quando a expressão representa apenas a via única de manifestar a ideia"2.
No Direito norte-americano a noção de modo de expressão vinculado recebe o nome de merger doctrine, que, simplificando, nega proteção autoral quando uma ideia só pode ser expressa por uma ou por pouquíssimas formas. No vernáculo, merger doctrine significa doutrina da fusão. Essa combinação de palavras tem um sentido específico para a compreensão do conceito. Quando a ideia tem mais força, maior importância que o modo de expressão, ela se funde com o modo de expressão e prevalece. Prevalecendo a ideia, tem lugar a não proteção.
Essa dicotomia ideia-modo de expressão e a compreensão da merger doctrine, explica a não proteção do método, mas serve, também, como uma regra geral de não proteção pelo direito autoral. O professor William Fisher sugere que se imagine uma sequência simples de palavras, que traduza de forma precisa uma ideia. Haveria uma colisão entre o princípio de não proteção da ideia com o princípio de proteção da forma de expressão. Nesse caso, prevalece a não proteção, porque – diante da merger doctrine – a ideia e a expressão se fundem, sobressaindo-se a ideia3. José de Oliveira Ascensão também exemplifica:
"O matemático exprime a sua descoberta numa fórmula matemática. Esta fórmula é modo de expressão; mas é modo de expressão obrigatória, não livre. Não há criatividade no modo de expressão. Logo, não há obra literária ou artística"4.
A chave para a compreensão, como já dito, é a inexistência de espaço para criatividade. Sem ato de criação, sem atividade intelectual criativa na forma de expressão da ideia, não há direito porque não há obra. Não há como desenvolver criatividade na descrição de regras de um jogo ou negócio; ou ainda em calendários, legendas e cadastros. O número de formas de expressão das ideias não pode ser limitado, então, a ponto de obstar o ato de criador que é elemento indispensável à proteção autoral.
O legislador brasileiro fez inserir na lei do software (9.609/98) dispositivo que, sem dúvida, traz a doutrina americana. Trata-se da última parte do inciso III do art. 6º: "Não constituem ofensa aos direitos do titular de programa de computador: III - a ocorrência de semelhança de programa a outro, preexistente, quando se der por força das características funcionais de sua aplicação, da observância de preceitos normativos e técnicos, ou de limitação de forma alternativa para a sua expressão".
A doutrina merger foi aplicada e é famosa no caso Baker versus Selden julgado na Suprema Corte Americana em 1879 e vem sendo reafirmada, revelando uma importante diretriz para a compreensão do Direito Autoral, a despeito de ter sido proferida em um país que adota o sistema da common law. São mais de 130 anos passados de um precedente que lançou importante luz sobre a definição da relação da pessoa com o fruto dos eu pensamento exteriorizado.
O efeito da não proteção pelo direito autoral é imediato. Se não protegido o método, a ideia ou qualquer forma de expressão vinculada, o uso é livre. Qualquer pessoa pode utilizar, independentemente de autorização ou pagamento de qualquer natureza.
A autoralista Delia Lypsic faz ressalva sobre essa questão. Diz a especialista que, a despeito de não ser protegida pelo Direito Autoral, a ideia pode receber guarida em outros ramos do direito, como o Direito Civil, da concorrência desleal ou em norma contratual de sigilo. As ideias podem ter grande valor comercial ou artístico, e, por essa razão, não podem ser consideradas res nullius. Nas palavras da própria autora:
"Sin embargo, las ideias pueden tener gran valor comercial y también artístico. La apropriación de una idea ajena puede provocar um daño que, de no ser reparado, daría lugar a uma situación injusta. Em escos casos se debe tener presente que la desprotección de las ideas em el derecho de autor, que obedece a razones pecisas, no significa que dicha situación deba, necessariamente, quedar sin reparación. La obligación de reparar puede encontrarse em otras instituiciones del derecho privado como son el enriquecimento sin causa y la competencia desleal. Incluso puede entrar em el área penal si llegara a tipificarse el delito de violación de secretos"5.
A despeito da importante ressalva, é fundamental compreender que a ideia e as formas de expressão vinculadas não recebem proteção dentro da seara do Direito Autoral. Pretender proteger a ideia e o modo de expressão vinculado significaria ampliar o objeto de proteção do direito de autor, que é limitado à obra intelectual original e criativa, negando-se a tradição e os próprios fundamentos desse ramo do Direito.
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1 Costa Netto, José Carlos. Direito Autoral no Brasil; São Paulo: FTD, 1998. P. 53
2 Ascensão, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. P. 39
4 Ascensão, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. P. 40
5 Lipszyc, Delia. Derecho de autor e derechos conexos. Buenos Aires: Unesco, Cerlalc, Zavalía. 1993. P. 64