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Vanusa versus Black Sabbath. Uma reflexão sobre o plágio

Uma reflexão sobre plágio.

30/5/2016

Luciano Andrade Pinheiro e Carolina Diniz Panzolini 

Nos últimos dias, a notícia que surpreendeu a todos que se interessam pelo Direito Autoral foi a possível evidência de plágio entre a clássica música do Black Sabbath: "Sabbath Bloody Sabbath", oriunda do álbum homônimo de 1973, que pode ter sido criada a partir de uma música da década de setenta da cantora brasileira Vanusa.

A música "Sabbath Bloody Sabbath" foi lançada em dezembro daquele ano, já a música da cantora Vanusa denominada "What to do", que se supõe ter sido plagiada, foi divulgada quatro meses antes.

Antes de adentrar qualquer aspecto técnico desta celeuma envolvendo as duas músicas mencionadas, é curioso pensar que dois mundos tão distintos como o da cantora Vanusa e da banda Black Sabbath pudessem se encontrar. Primeiro, porque a referida cantora é basicamente conhecida por seus hits românticos e em nível nacional e a música “What to do” é a única música em inglês do álbum "Vanusa".

Curiosa também foi a postura da cantora Vanusa que, ao ser instada acerca de um possível plágio envolvendo sua obra musical, informou que não ajuizaria nenhuma demanda judicial contra o quarteto, uma vez que acreditava tratar-se de uma coincidência musical, desde quando tinha escutado a música pela primeira vez há dois anos. A cantora encerrou o assunto afirmando que não acreditava tratar-se de plágio e que, ao contrário, estava muito feliz com a polêmica e que iria tocar a música, doravante com sua banda.

Essa atitude de Vanusa não é nova. Há alguns anos, a imprensa internacional especializada em música identificou uma semelhança melódica entre a música Mary Jane's Last Dance do americano Tom Petty e a canção Californication do Red Hot Chilli Peppers. Indagado se pretendia tomar alguma providência contra o grupo, Tom disse em entrevista à revista Rolling Stones que duvidava de dolo e que muitas canções de rock simplesmente se parecem.

Muito bem, mas para começo de conversa, o que seria plágio? A Lei de Direitos Autorais nº 9610/98 não é clara acerca dos contornos da definição do plágio, razão pela qual seu conceito vem sendo construído pela doutrina e pela jurisprudência. Porém, a ideia de plágio é basicamente consolidada a partir da apropriação indevida de obra intelectual alheia, de natureza literária, artística ou científica, seja parcial ou total, atribuindo como seu produto de criação de outra pessoa.

A quantidade de tentativas de definição do conceito de plágio é proporcional à dificuldade de se chegar à precisão. Em um esclarecedor texto sobre esse ilícito de direito autoral, Eduardo Lycurgo Leite fez um apanhando de doutrinadores brasileiros que tentaram, com divergências pontuais, mas importantes, chegar ao conceito padrão. O que chega mais próximo do ideal, entretanto, foi dado por ele próprio:

O plágio pode ser definido como a cópia, dissimulada ou disfarçada, do todo ou de parte da forma pela qual um determinado criador exprimiu as suas ideias, ou seja, da obra alheia, com a finalidade de atribuir-se a autoria da criação intelectual e, a partir daí, usufruir o plagiador das vantagens advindas da autoria de uma obra <_w3a_sdt id="305821630" citation="t">(LYCURGO LEITE, p. 21).

A renomada autoralista Delia Lipszyc, que escreveu obra obrigatória para qualquer estudo nesse ramo de direito, define plágio como:

"O plágio é o apoderamento ideal de todos ou de alguns elementos originais contidos em obra de outro autor, apresentando-os como próprios. A infração a direito moral do autor plagiado se verifica sempre em seu direito de paternidade, pois o plagiário a substitui por sua própria; na maioria dos casos também há lesão ao direito de integridade da obra, pois o plagiário tenta disfarçar o plágio. A lesão a direitos patrimoniais deriva da transformação não autorizada da obra e de sua utilização (reprodução-comunicação pública)."<_w3a_sdt id="-1189061383" citation="t">(LIPSZYC, p. 567)

A dissimulação é elemento essencial para a configuração do plágio. O plagiador quando decide atuar ilicitamente procura disfarçar seu ato. Especificamente nas obras literárias, significa alterar ordem das palavras e das orações, substituir vocábulos por sinônimos, inverter a ordem de parágrafos, além de outros subterfúgios dessa natureza. Esconder seu dolo é o escopo.

Há ainda as chamadas coincidências fortuitas e as reminiscências em textos, que ocorrem numa frequência inversamente proporcional à preocupação de autoralistas brasileiros com esse tema. Ambas são objeções à caracterização do plágio.

Coincidências fortuitas, como o próprio nome já indica, acontecem quando uma obra parece ser cópia disfarçada de outra, mas há uma impossibilidade de ter sido fruto de ato deliberado, porque o autor da segunda não conhecia a obra primígena <_w3a_sdt id="-315890013" citation="t">(ASCENSÃO, p. 63). Há um caso famoso no EUA envolvendo a conhecida banda Bee Gees que, acusada de plágio, se defendeu – e saiu vitoriosa – alegando que não teve acesso à criação de seu acusador.

Reminiscência, por sua vez, consiste na cópia, literal ou disfarçada, de textos que o autor teve contato prévio e que repete sem ter consciência do ato. Pesquisas realizadas por psicólogos americanos constataram que esse lapso de memória – que lá eles cunharam de cryptomnesia é muito mais comum do que se imaginava e que faz parte do próprio processo de aprendizagem<_w3a_sdt id="-771168209" citation="t"> (CARPENTER). Esse lapso de memória é muitas vezes confundido com plágio, mas, se identificado, deve ser excludente de sua configuração.

A semelhança entre obras não significa – necessariamente – plágio. Os temas se repetem na arte numa constante e o aproveitamento do acervo cultural é próprio da criação. O direito de autor não se presta a estabelecer um monopólio sobre ideias, personagens caricatos, gêneros literários, narrativas básicas, temas, coisas comuns, fatos históricos, etc. <_w3a_sdt id="1584717533" citation="t">(POSNER, p. 81). As coincidências, as referências identificadas em obras literárias não devem ser inibidas nem inibir os autores, sob pena de se sacrificar o propósito desse ramo do direito. Afinal, ele só existe para estimular novas criações, estabelecendo um privilégio temporário para que o autor continue criando e para que surjam novos criadores.<_w3a_sdt id="-48307415" citation="t"> (ABRÃO, p. 160).

A esse propósito, Rodrigo Moraes traz a notícia de um processo judicial em que foi feita uma perícia de plágio em que o maestro perito Marcus Vinícius de Andrade disse em laudo o seguinte:

Só se verifica o plágio quando se copia uma obra (letra ou música) ou sua integral essência, não os seus detalhes que, isoladamente, pouco significam. [...] Imputar de plágio uma canção apenas pela semelhança de certos trechos de linha melódica é sacrificar o todo em benefício do detalhe, é valorizar o menor ante o maior, é ver a árvore e não a floresta. Se formos fragmentar em pequenas partes as obras musicais existentes e cotejar os detalhes de umas com outras, teremos de concluir que a maior parte do repertório universal estará composto por obras plagiárias, posto que será sempre possível encontrar-se similaridades entre as partes isoladas de tais obras. A História da Música seria, então, um grande embuste.<_w3a_sdt id="-1742397857" citation="t"> (MORAES, 2008)

Uma ressalva é necessária para balizar a identificação de alegado plágio. Quem a faz é talvez o mais conhecido doutrinador brasileiro na área de direito autoral, Professor Carlos Alberto Bittar: "Afasta-se de seu contexto (de plágio) o aproveitamento denominado remoto ou fluido, ou seja, de pequeno vulto". <_w3a_sdt id="1596896697" citation="t">(BITTAR, p. 150). Pela razão contrária, Edman Ayres de Abreu, outro conhecido autoralista, faz essa mesma observação: "Sempre que a obra em que o plágio é cometido não acusa originalidade bastante para a diferenciar inteiramente da obra lesada, o plágio existe e deve ser punível, embora o plagiário imprima aos seus atos um caráter pessoal e, de certa forma original".<_w3a_sdt id="348924111" citation="t"> (ABREU, p. 95).

Em outras palavras, uma obra plagiária somente é assim caracterizada se for substancialmente copiada de forma disfarçada de outra original pré-existente. As coincidências identificadas devem ser em quantidade e em substância grande suficiente para confundir o leitor e atentar contra o autor primígeno, sob pena de serem juridicamente irrelevantes<_w3a_sdt id="1404561590" citation="t"> (POSNER, p. 131).

Ressalte-se, que o plágio é absolutamente diferente da paródia, que constitui uma obra criativa nova e que não possui o desiderato de ludibriar a partir da apropriação de uma obra intelectual alheia. Ao contrário, a paródia é clara quanto ao seu objeto de referência e existe para homenagear, satirizar ou criticar alguém ou algo.

Um aspecto que merece relevância é a dificuldade de se identificar o plágio e o autor do plágio. É frequente a situação em que o plágio se encontra travestido de forma sutil, com trocas de palavras, inversões de frases, mudanças de cadências, dentre outras técnicas de apropriação indevida. Delimitar os contornos de uma criação artística e de uma possível reprodução não é tarefa fácil. A análise é sempre casuística e é imprescindível que seja realizada de forma pormenorizada.

Independentemente da conclusão técnica que se chegue, se foi constatado o plágio ou se houve mera coincidência fortuita, há uma manifestação preliminar que é imprescindível, qual seja: a do autor primígeno. Significa dizer que é necessária a insurgência desse autor acerca da paternidade de sua obra, porque, caso contrário, não há como responsabilizar o plagiador ou quem produziu uma obra. A legitimidade para questionar o plágio é do autor, somente dele.

Isso foi exatamente o que aconteceu com a cantora Vanusa. A autora entendeu que sua obra não havia sido plagiada e se regozijou ao considerar que tudo não passou de uma feliz coincidência, aproveitando-se do ensejo para informar que cantará a música What to do, juntamente com sua banda, em apresentações futuras.

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Coautoria :

Carolina Diniz Panzolini é advogada e mestranda em Direito Autoral pela Universidade de Londres.

<_w3a_sdt id="479278214" sdtdocpart="t" docparttype="Bibliographies" docpartunique="t">

Obras Citadas :<_w3a_sdtpr>

Abrão, E. Y. (2002). Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil.

Abreu, E. A. (1968). O plágio em música. Revista dos tribunais, 95.

Ascensão, J. d. (1997). Direito Autoral (2 ed.). Rio de Janeiro: Renovar.

Bittar, C. A. (1992). Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

Carpenter, S. (Fevereiro de 2002). American Psychological Association. Fonte: APA: https://www.apa.org/monitor/feb02/glitch.aspx

Lipszyc, D. (2001). Derechos de autor y derechos conexos. Paris: Unesco; Cerlalc; Zavalia.

Lycurgo Leite, E. (2009). Plágio e Outros Estudos em Direito de Autor. Rio de Janeiro: Lumen Juris.

MORAES, R. (2008). OS DIREITOS MORAIS DO AUTOR: Repersonalizando o Direito Autoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris. Fonte: https://www.rodrigomoraes.com.br/arquivos/downloads/Os_Direitos_Morais_do_Autor___Rodrigo_Moraes.pdf

Posner, R. A. (2007). The Little Book of Plagiarism. New York, NY, USA: Pantheon Books.

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Colunista

Luciano Andrade Pinheiro é advogado. Graduado pela Universidade Federal da Bahia. Professor de Direito Autoral. Autor de artigos jurídicos. Palestrante. Perito judicial em propriedade intelectual. Foi assessor de técnica legislativa na Câmara dos Deputados, diretor adjunto da Escola Superior da Advocacia da OAB/DF e vice-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Brasil/DF.