Ygor Valerio e Gabriela Muniz Pinto Valerio
Em tempos de Copa de Mundo e Jogos Olímpicos, se o avanço das discussões e de projetos de lei envolvendo PI fica um pouco incerto, certamente não faltarão debates em torno do chamado (e já tão divulgado) marketing de emboscada (ambush marketing).
De forma geral, considera-se marketing de emboscada toda publicidade paralela que evoque, esteja relacionada ou de alguma forma associada a eventos ( esportivos, no caso em questão) sem a devida autorização do realizadores para tanto1 . Os detentores de direitos exclusivos para o uso dos símbolos oficiais, das marcas, da alusão direta aos eventos – in casu, os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo - são o Comitê Olímpico Internacional (e suas extensões nacionais) e a FIFA, primariamente. E, de forma, secundária – oficialmente autorizados por tais entidades, as empresas patrocinadoras oficiais de tais eventos, que investem grandes quantias para tornar possível a sua realização. Em contrapartida, recebem a exclusividade do uso – e exploração comercial – direta dos eventos.
O meio jurídico especializado há muito vem alertando o mercado quanto à necessária atenção a ser dedicada pelas empresas patrocinadoras na vigilância e ação para fazer cessar o ato violatório e pelos não-patrocinadores na cautela e resguardo dos limites de suas campanhas publicitárias a bem de não cruzar a linha da exclusividade detida pelos primeiros, enriquecendo-se indevidamente. A tarefa não é fácil. É natural que todo o mercado esteja com os olhos voltados para as oportunidades de negócios que surgem da associação de seus esforços de divulgação e estratégias de marketing à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos.
Vejamos, assim, o que os dispositivos legais atualmente disponíveis, específicos ou gerais podem ser aplicados ao assunto ora em questão.
De início, cumpre ressaltar que a partir da lei 12.663/12 (lei geral da Copa) contamos com uma definição legal da expressão, bem como com uma classificação em dois tipos, conforme artigos 32 e 33:
Marketing de Emboscada por Associação
Art. 32. Divulgar marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com os Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, vincular o uso de Ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos Eventos a ações de publicidade ou atividade comerciais, com o intuito de obter vantagem econômica.
Marketing de Emboscada por Intrusão
Art. 33. Expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional, não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos locais da ocorrência dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.
Art. 34. Nos crimes previstos neste Capítulo, somente se procede mediante representação da FIFA.
Como se vê, a lei geral da Copa, além de definir marketing de emboscada por associação e intrusão, tipifica tais condutas como crimes passíveis de punição de 3 meses a um ano de prisão, ou multa. O mesmo diploma legal determina – dentre outras regras – um perímetro máximo de 2 (dois) quilômetros de exclusividade em torno dos estádios dos jogos para a comercialização e a promoção (publicidade) de produtos e serviços dos patrocinadores oficiais do evento.
Vale lembrar que, embora já tenhamos no Brasil em vigor desde 2009 a Lei das Olimpíadas (lei 12.035/09, mais conhecida como "Ato Olímpico"), esta não traz qualquer menção ao "marketing de emboscada"2 , de forma que o conceito adotado para situações de potencial ilicitude envolvendo os Jogos Olímpicos - tudo indica - será mesmo o inserido na mencionada lei da geral Copa, até que venha regulamentação acerca deste tema. Apesar disso, traz determinações importantes para o tema, como por exemplo a atribuição às autoridades federais3 do dever de controle, fiscalização e repressão de atos ilícitos que infrinjam os direitos sobre os símbolos relacionados aos jogos Rio 2016, listando tais símbolos (Rio 2016, Rio Olimpíadas, Jogos Olímpicos, Jogos paraolímpicos - dentre outros - e suas variações), além de outras determinações relacionadas a publicidade em aeroportos e outras áreas de interesse entre julho e setembro de 2016.
Na instância administrativa, a lei geral da Copa também determinou que o INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial promovesse a anotação de uma lista de marcas e símbolos da FIFA como marcas de alto renome e notoriamente conhecidas4 , passando as mesmas a gozarem, automaticamente, desta proteção especial. Tal status confere à FIFA uma proteção aumentada contra atos de titulares que tentem se apropriar de qualquer signo semelhante ou que possa ser indevidamente associado à Copa do Mundo5.
Não nos esqueçamos, porém, que as leis da Copa e das Olimpíadas acima mencionadas não são os únicos recursos de que se podem valer as entidades organizadoras e os patrocinadores oficiais dos eventos na defesa de seus direitos. Outros remédios – já existentes na legislação pátria - podem ser considerados no combate ao marketing de emboscada, tanto na esfera judicial como administrativa.
Na esfera administrativa, importante referência deve ser feita ao Conar – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária e seu conjunto de regras e decisões. Embora se trate de um órgão de autorregulamentação, criado para equilibrar e orientar do ponto de vista ético-concorrenciais as empresas de propaganda, desfruta de grande respeito e credibilidade no Poder Judiciário, sendo o seu código de condutas e suas decisões parâmetros importantes, amplamente utilizados para pautar decisões judiciais envolvendo o tema, como fonte subsidiária à legislação que regula a publicidade e a propaganda no país.
Ademais, as decisões proferidas pelas Câmaras de julgamento do Conar são, em sua maioria, muito bem aceitas e respeitadas pelas partes, sendo raramente verificadas condutas posteriores que contrariem ou desafiem o que os órgãos julgadores do Conselho fixaram.
Os princípios gerais aplicáveis às propagandas em que se baseiam as decisões do Conar são – ao nosso ver – úteis e adequados a embasar o combate ao marketing de emboscada, visto que abarcam, dentre outros: a honestidade; decência, respeitabilidade, progaganda comparativa; a identificação publicitária, o respeito aos direitos autorais e marcas, todos pilares básicos a que a serem respeitados pelo mercado, e que se aplicam igualmente na regulação da propaganda em tempos de Copa e Olimpíadas6 .
Dentre os princíos acima merece especial atenção o artigo 31 do referido Código, que trata da identificação publicitária e reprime, especificamente, a "carona" no investimento alheio através da publicidade:
"Artigo 31 Este Código condena os proveitos publicitários indevidos e ilegítimos, obtidos por meio de "carona" e/ou "emboscada", mediante invasão do espaço editorial ou comercial de veículo de comunicação.
Parágrafo único
Consideram-se indevidos e ilegítimos os proveitos publicitários obtidos:
a. mediante o emprego de qualquer artifício ou ardil;
b. sem amparo em contrato regular celebrado entre partes legítimas, dispondo sobre objeto lícito;
c. sem a prévia concordância do Veículo de comunicação e dos demais titulares dos direitos envolvidos."
Para além do completo parâmetro ético que provê o Código do Conar, entendemos aplicáveis à prevenção e ao combate do marketing de emboscada as regras de proteção da propriedade industrial, previstas na lei 9.279/96, inclusive e especialmente as regras de repressão à concorrência desleal. Com efeito, condutas caracterizadas como marketing de emboscada poderão muitas vezes se enquadrar em tipos ali previstos, como por exemplo a reprodução desautorizada de marca registrada de terceiros, ou o emprego de meio fraudulento para desviar em proveito próprio ou alheio a clientela de outrem (ato de concorrência desleal)7 .
Não menos importante, temos ainda aplicável a vertente dos direitos dos consumidores, certamente adequada às hipóteses de marketing de emboscada por meio dos dispositivos contidos no CDC brasileiro (lei 8.078/90) que proíbem a propaganda abusiva e enganosa, esta última assim considerada quando inteira ou parcialmente falsa ou capaz de de induzir o consumidor a erro quanto à natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço ou qualquer outra informação relacionada aos produtos e serviços divulgados.
Por fim, façamos referência à regra geral de repressão ao enriquecimento sem causa. Como princípio basilar, em conjunto com o da repressão à concorrência desleal, os artigos 884 e seguintes do CC fornecem fundamento genérico de combate à prática de marketing de emboscada, em conjunto com todos os demais dispositivos já mencionados.
Em conclusão, gostaríamos de chamar a atenção para a grande mobilização das entidades organizadoras dos eventos esportivos que se aproximam em coibir as práticas prejudiciais ao investimento dos patrocinadores oficiais e de seus próprios esforços na organização dos jogos. O COI - Comitê Olímpico Internacional, o COB – Comitê Olímpico Brasileiro e a FIFA - vêm demonstrando posisiocinamento rigoroso e pró-ativo no combate a tais práticas ilícitas – enviando Notificações Extrajudiciais, ajuizando ações, promovendo debates e esclarecimentos, enfim protegendo e defendendo suas marcas e símbolos, de forma a garantir o retorno dos grandes investimentos realizados pelos patrocinadores oficiais. Dificilmente um aproveitamento ilícito passará ileso, e é certo que o tema visitará nossos tribunais país afora em conjunto com esses eventos nos próximos anos.
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1 - É uma espécie de "carona grátis" (free-riding) no investimento das entidades organizadoras e seus patrocinadores oficiais, que possuem exclusividade na exploração comercial dos referidos eventos. Caracteriza-se não só pela utilização indevida dos símbolos oficiais dos eventos mas também pelo aproveitamento camuflado da atenção que eles geram, como através da fixação de placas de publicidades nos locais onde os jogos se realizam.
2 - A Lei das Olímpíadas será possivelmente regulamentada e um dos pontos a serem definidos, acredita-se, é a inclusão de regras de repressão ao marketing de emboscada, similares às existentes na Lei Geral da Copa.
3 - Determinação importante se considerarmos que a competência da Polícia Federal para atuação em crimes contra a propriedade imaterial é bastante controversa na legislação pátria.
4 - Artigos 3º e 4º da lei 12.663/12.
5 - Este reconhecimento administrativo tem dois efeitos práticos relacionados à proteção conferida às marcas da FIFA: (i) impede que sejam registradas, por terceiros, em qualquer classe marcária, ainda que não relacionada à atividade da FIFA (não se pode registrar a marca Copa do Mundo para distinguir, exemplificativamente, um modelo de cadeira, ainda que a atividade moveleira não tenha nenhuma relação com a atividade da FIFA), e (ii) impede que terceiros se sirvam do sistema atributivo brasileiro (first come, first served) maliciosamente, depositanto pedidos de marca pertencentes alhures à FIFA mas que se encontram vacantes, no Brasil, em razão da limitação territorial do privilégio marcário.
6 - Capítulo II do Código de Autorregulamentação Publicitária. https://www.conar.org.br/
7 - Lei 9279/96:
(..) "Artigo 189 – Comete crime contra registro de marca quem:
I – reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão; ou
(...)
Artigo 195 – Comete crime de concorrência desleal quem:
(...)III – emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
(...)
Artigo 209 –Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.
§ 1º - Poderá o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória."