Fogo!...Queimaram Palmares,
Nasceu Canudos.
Fogo!...Queimaram Canudos,
Nasceu Caldeirões.
Fogo!...Queimaram Caldeirões,
Nasceu Pau de Colher.
Fogo!...Queimaram Pau de Colher...
E nasceram, e nascerão tantas outras comunidades
que os vão cansar se continuarem queimando.
Porque mesmo que queimem a escrita,
Não queimarão a oralidade.
Mesmo que queimem os símbolos,
Não queimarão os significados.
Mesmo queimando o nosso povo,
Não queimarão a ancestralidade.
Nego Bispo
Há muito tempo eu procuro o saudosismo das palavras para escrever um texto leve. E essa leveza é no sentido de falar sobre acontecimentos bons, sobretudo para a população negra. No país como o nosso, em que os filhos pretos deste solo não recebem a gentileza da Pátria amada, é sempre muito difícil achar assunto que beire a tranquilidade. Estamos sempre atentos, precisamos ser fortes, sobretudo porque temer a morte é uma constante.
É também por conta desses acontecimentos que o nosso destino se cruza em busca de um bem comum, a união. E aqui eu trago dois marcos do mês de novembro: O primeiro é a Caminhada dos Terreiros do Engenho Velho da Federação, bairro tradicional e periférico de Salvador-BA e o segundo é a proximidade do dia da caminhada com o 20 de novembro, marco histórico para a população negra.
A Caminhada pelo fim da violência e da intolerância religiosa e pela paz, teve início em 2004, por conta da necessidade veemente de publicizar o combate e a luta dos povos de terreiros, contra o racismo religioso. A idealizadora é Valnízia Bianch, Yalorixá do terreiro do Cobre, conhecida como Mãe Val, que encontrou o apoio de Valdina de Oliveira Pinto, (já ancestral), Makota, representando o terreiro Nzo Onimboyá.
O ponto de partida é o monumento de Mãe Runhó, localizado no final de linha do Engenho Velho da Federação, uma homenagem à Maria Valentina dos Anjos Costa, conhecida como Doné Runhó, falecida em 1975. O busto, tombado como patrimônio histórico da cidade de Salvador, é alvo de constantes depredações, assim como outras esculturas de autoridades do candomblé, a exemplo do busto de Mãe Gilda de Ogum, localizado em Itapuã1 e a estátua de Mãe Stella de Oxóssi, localizada na Av. Mãe Stella de Oxóssi2.
A data escolhida para a caminhada é o 15 de novembro, dia da Proclamação da República, feriado nacional. Esse dia marca a liberdade de poder caminhar pelas ruas de um bairro lembrado pela polícia e esquecido pelas autoridades públicas.
“O negro tem que deixar de ser objeto para ser sujeito”, conforme Makota Valdina nos ensinou e há 20 anos, o 15 de novembro no Engenho Velho da Federação é regido pelas vestes imponentes dos praticantes das religiões de matriz africana, que em coro alto e afinado entoam cânticos de todas as nações do candomblé. O saudoso xirê é realizado em praça pública, o tapete branco toma conta das ruas e o encontro entre irmãos e irmãs de fé, constitui a ligação ancestral.
O trajeto inclui a rua Apolinário Santana, principal acesso ao bairro do Engenho Velho da Federação, passando pela Avenida Cardeal da Silva e Avenida Vasco da Gama, homenageando os terreiros ali presentes, a exemplo do Terreiro do Bogum, Nzo Tanuri Junsara, Terreiro do Cobre, Nzo Onimboyá, Terreiro do Gantois, Terreiro Tumba Junsara, Ilê Axé Oxumaré, Terreiro da Casa Branca, retornando ao monumento, através do acesso pela Ladeira Manoel Bonfim, até o Terreiro do Cobre, onde acontece a entrega do Amalá, alimento sagrado, partilhado por toda a comunidade.
Esse movimento pode ser traduzido pela sentença de que “Somos povos de trajetórias, não somos povos de teoria. Somos da circularidade: começo, meio e começo. As nossas vidas não têm fim. A geração avó é o começo, a geração mãe é o meio e a geração neta é o começo de novo” e dessa forma o pensamento de Nego Bispo auxilia na tradução das nossas (R)existências.
O dia 20 de novembro de 2024 foi a primeira vez em que o Brasil celebrou o dia nacional de zumbi e da Consciência Negra como feriado nacional, por conta da lei 14.759/23, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 21 de dezembro de 2023.
Este, é mais um dia de luta e comemoração. Nós celebramos o movimento da consciência negra, conceito este cunhado inicialmente em um manifesto político pelo sul africano Steve Biko, um dos maiores nomes do ativismo negro contra o apartheid e a proposta é trazer a contranarrativa.
Ressignificar o 20 de novembro para reescrevermos a nossa história. Abandonar metodologicamente o estudo dos descendentes de escravos pelo estudo do negro brasileiro que possui uma descendência imponente e que nunca foi pacífico à perversidade da escravização.
E traduzido por Lélia González sabemos que “Esse deslocamento de datas (do 13 de maio para o 20 de novembro) não deixa de ser um modo de assunção da paternidade de Zumbi e a denúncia da falsa maternidade da princesa Isabel. Afinal, a gente sabe que a mãe-preta é que é a mãe”.3
Nzambi ua kuatesa.