Olhares Interseccionais

Ações afirmativas no Poder Judiciário pela promoção de equidade racial

Reflexões sobre as perspectivas das ações afirmativas no Poder Judiciário na implementação de uma política institucional de promoção da equidade racial.

30/10/2023

Com a aproximação do mês de novembro, em que se faz homenagens ao Dia Nacional da Consciência Negra e Dia de Zumbi dos Palmares, instituído pela lei 12.519/2011, apresentamos reflexões sobre as perspectivas das ações afirmativas no Poder Judiciário na implementação de uma política institucional de promoção da Equidade Racial.

Preliminarmente, destacamos que conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE em 2022 a composição da população brasileira é integrada em sua maioria por pessoas negras, totalizando 56,4%, sendo 9,2% de pretos e 47,2% de pardos. Aguarda-se a divulgação oficial dos dados de raça/cor do Censo Demográfico 2022 ainda para este mês de novembro/2023.

O Censo identificou de forma inédita, ainda, que o Brasil tem 1,3 milhão de pessoas que se autodeclaram quilombolas, o que representa 0,65% da população do país, sendo Senhor do Bonfim (BA), Salvador (BA) e Alcântara (MA) as cidades com as maiores populações quilombolas. Destaque-se, ainda, o diagnóstico quanto a população indígena, que integraliza aproximadamente 1,7 milhões de pessoas, o que representa 0,83% da população total do país.

Paralelamente a estes dados populacionais, no âmbito da composição do Poder Judiciário existe um cenário de manifesta desproporcionalidade e uma baixa representatividade dos negros ao se considerar o universo da população brasileira.

Conforme a Pesquisa do Perfil Sociodemográfico dos Magistrados feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2018 apenas 18,1% dos magistrados brasileiros se declararam negros ou pardos. Quando se acrescenta o recorte de gênero, apenas 6% são magistradas negras.

Tais dados são corroborados pelas pesquisas realizadas recentemente: o Diagnóstico Étnico Racial no Poder Judiciário realizado pelo CNJ no primeiro semestre de 2023, que identificou que 14,5% dos magistrados se declararam negros, sendo 1,7% pretos e 12,8% pardos; e o resultado parcial do Censo do Poder Judiciário, divulgado em 26/10/2023, em que 15% dos magistrados se declararam negros, sendo 1,4% pretos e 13,6% pardos.

Diante desse paradigma, evidencia-se a necessidade de adoção de ações afirmativas visando concretizar a igualdade material e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, nos moldes preconizados no preâmbulo Constitucional.

Acrescente-se que o Brasil é signatário da Convenção Interamericana contra o Racismo e a Discriminação Racial, incorporada com status de Emenda Constitucional, que em seus dispositivos consagra a adoção de ações afirmativas com o propósito de promover condições equitativas para a igualdade de oportunidades.

Nessa toada, temos a resolução nº 203, de 23 de junho de 2015, que reserva aos negros o percentual mínimo de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos do quadro de pessoal, inclusive de ingresso na Magistratura. No entanto, apenas a previsão de reserva de vagas mediante cotas raciais por si só não é suficiente para a efetiva implementação da equidade racial.

Nesse sentido, observa-se um esforço das instituições públicas na elaboração de políticas públicas que promovam a equidade racial, merecendo destaque o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que completa este mês 01 ano de lançamento, e que já alcançou 100% de adesão pelos Tribunais Nacionais.

O Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial consiste na adoção de programas, projetos e iniciativas a serem desenvolvidas em todos os segmentos da Justiça e em todos os graus de jurisdição, com o objetivo de combater e corrigir as desigualdades raciais, por meio de medidas afirmativas, compensatórias e reparatórias, para eliminação do racismo estrutural no âmbito do Poder Judiciário.

Entre as medidas já implementadas no âmbito do Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial temos a criação do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial (FONAER) pela Resolução CNJ nº 490/2023, instalado em 31 de março de 2023, que realiza reuniões periódicas e audiências públicas para a construção da política judiciária nacional para equidade racial no Poder Judiciário.

Destacamos, ainda, o aperfeiçoamento das ações afirmativas para ingresso na magistratura nacional pelo CNJ, mediante a aprovação das resoluções n. 457, de 27 de abril de 2022 e n. 516, de 22 de agosto de 2023, que estabeleceram a obrigatoriedade da instituição, pelos Tribunais, de comissões de heteroidentificação voltadas à confirmação e validação da autoidentificação dos candidatos negros e a vedaçaõ do estabelecimento de nota de corte classificatória (cláusula de barreira) para candidatos negros.

Como demonstração de resultados concretos na promoção da equidade racial no sistema de Justiça destacamos os resultados das ações afirmativas no concurso público para ingresso na Magistratura do Maranhão, 3º tribunal mais antigo do Brasil e que completa 210 anos no dia 04 de novembro, que em agosto/2023 divulgou o resultado final do seu primeiro concurso de sua história com vagas reservadas para cotas raciais: 74 candidatos negros aprovados na etapa de heteroidentificação, de um total de 349 candidatos aprovados no certame; dos 14 candidatos nomeados e empossados em setembro/2023, 05 concorriam nas cotas raciais, sendo 03 convocados pelas cotas raciais, 01 candidata aprovada na ampla concorrência e 01 candidato aprovado na vaga de pessoa com deficiência.

Registre-se, ainda, a efetividade da vedação da cláusula de barreira: apenas 25 candidatos negros seriam classificados na primeira etapa caso fosse exigida a nota de corte classificatória, e destes apenas 11 candidatos alcançaram aprovação no resultado final do concurso. Assim, esta ação afirmativa resultou no incremento de 63 candidatos negros aprovados no resultado final do concurso mediante a ação afirmativa da vedação de cláusula de barreira, ou seja, quase 06 vezes mais candidatos nas cotas raciais.

Por fim, destacamos o pronunciamento do Ministro Luis Roberto Barroso, Presidente do STF e do CNJ, na sessão plenária do CNJ de 17 de outubro de 2023, ocasião em que anunciou a pretensão de implementar um programa de concessão de bolsas de estudos, com a duração de dois anos, a fim de apoiar a preparação de pessoas negras para participarem dos concursos públicos de ingresso na magistratura. Evidencia-se, portanto, sinalizações positivas para a efetividade da política judiciária de equidade racial.

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Colunistas

Camila Garcez advogada, candomblecista, Mestre em Direito Público pela UFBA, sócia do escritório MFG Advogadas Associadas, membro da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa OAB/BA.

Charlene da Silva Borges defensora pública Federal titular do 2º Ofício criminal da DPU-BA. Mestranda em Estudos de Gênero e Feminismos pela Universidade Federal da Bahia-NEIM. Ponto focal dos Grupos nacionais de Trabalho: GT Mulheres e GT Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União. Coordenadora do Departamento e do grupo de estudos de Processo Penal e Feminismos do Instituto Baiano de Direito Processual Penal-IBADPP.

Jonata Wiliam é mestre em Direito Público (UFBA). Especialista em Ciências Criminais (UCSAL/BA). Diretor Executivo do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP). Presidente da Comissão da Advocacia Negra da OAB/BA. Professor na Faculdade de Direito da Fundação Visconde de Cairu/BA. Advogado criminalista.

Lívia Sant'Anna Vaz promotora de Justiça do MP/BA; mestra em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia; doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação do Ministério Público do Estado da Bahia. Coordenadora do Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo e Respeito à Diversidade Étnica e Cultural (GT-4), da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público. Indicada ao Most Influential People of African Descent – Law & Justice Edition. Prêmios: Comenda Maria Quitéria (Câmara Municipal de Salvador); Conselho Nacional do Ministério Público 2019 (pelo Aplicativo Mapa do Racismo).

Marco Adriano Ramos Fonseca Juiz de Direito Coordenador do Comitê de Diversidade do TJ/MA. 1° Vice-presidente da AMMA. Mestre em Direito - UFMA.

Saulo Mattos promotor de Justiça do MP/BA; mestre pela UFBA; mestrando em Razoamento Probatório pela Universidade de Girona/ES; professor de processo penal da pós-graduação em Ciências Criminais da UCSAL; membro do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).

Vinícius Assumpção sócio do escritório Didier, Sodré e Rosa - Líder do núcleo penal empresarial. Doutorando em Criminologia pela UnB e em Direito pela UFBA. Mestre em Direito Público pela UFBA. Presidente do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (Gestão 2021/2022). Professor de Processo Penal. Autor do livro "Pacote Anticrime" e coautor do Livro Introdução aos Fundamentos do Processo Penal.

Wanessa Mendes de Araújo juíza do Trabalho Substituta - TRT da 10ª região; mestra em Direito pelo programa de pós-graduação da UFMG; especialista em Direito e Processo Tributário pela Universidade de Fortaleza; graduada em Direito pela Universidade Federal do Pará; membro da comissão de Tecnologia e Direitos Humanos da Anamatra. Foi professora em curso de graduação e pós-graduação em Direito.