"Eu entoarei com tanto vigor o grande grito negro
que as estruturas do mundo serão abaladas"
Aimé Césaire
"Quem vai pagar a conta?
Quem vai contar os corpos?
Quem vai catar os cacos dos corações?
Quem vai apagar as recordações?
Quem vai secar cada gota
De suor e sangue
Cada gota de suor e sangue".
Luedji Luna - Cabô
Mais de cem anos depois do massacre de cerca de 100 mil pessoas das etnias herero e nama pelas forças coloniais alemãs, a Alemanha reconhece que, nos termos atualmente adotados, cometeu genocídio1 na Namíbia e promete reparação financeira da ordem de 1,1 bilhão de euros, ao longo de 30 anos.
Entre 1904 e 1908, durante o período colonial alemão no Sudoeste Africano (atual Namíbia) – no contexto de tensões decorrentes de desapropriações de terras dos nativos e ingerência da administração colonial na política local – eclodiu a Guerra da Namíbia. Os nativos foram duramente reprimidos pelo Império Alemão, cujas ações, além do extermínio dos combatentes e de prisioneiros de guerra, envolveram táticas como perseguição de civis – em sua maioria idosos, mulheres e crianças –, estupro de jovens e mulheres, assassinatos em massa, enforcamentos, envenenamento de poços de água, condução a regiões desérticas para ocasionar a morte por sede e fome, trabalhos forçados até a morte por exaustão, além de castigos físicos cotidianos e submissão a experimentos pseudocientíficos2.
Ao fim do conflito – que resultou no que muitas/os historiadoras/es consideram como o primeiro genocídio do século XXI – estima-se que a mortalidade entre os membros da etnia herero tenha alcançado 20% do total de sua população e, entre os nama, 50%. Como se não bastasse, suas terras, correspondentes a cerca de 70% do território da então África do Sudoeste, foram confiscadas pelas tropas imperiais e vendidas aos colonos alemães.
Hoje, mais de um século depois do episódio, os poucos herero e nama que permanecem na Namíbia – já que as ordens de execução determinadas pelas forças alemãs resultaram na diáspora forçada de muitos nativos – continuam social e economicamente marginalizados e suas terras continuam sob a posse dos descendentes dos colonos alemães.
Após décadas de demandas inexitosas de representantes desses povos, o governo alemão, reforçando a inexistência de direito legal à compensação, reconheceu a prática do genocídio e assumiu a obrigação política e moral de reparação. Apesar da aceitação por parte do governo da Namíbia, descendentes das vítimas não concordaram com a indenização oferecida pela Alemanha, sob o argumento de que não participaram das negociações e continuam sem direito à terra, que permanece nas mãos da minoria alemã branca em detrimento da maioria negra namibiana, que vive em condições de extrema pobreza em assentamentos informais. Embora tenham celebrado o pedido de perdão e a admissão da culpa pelas atrocidades cometidas, os líderes das etnias envolvidas consideraram a proposta de reparação pelo Genocídio Esquecido como uma afronta à sua existência.
Dias depois da divulgação da proposta de reparação alemã pelo genocídio na Namíbia, o presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, homenageou os sobreviventes do massacre racial de Tulsa, no Estado de Oklahoma, episódio ocorrido em 1921, no qual cerca de 300 pessoas negras foram assassinadas por uma multidão de brancos motivados pelo ódio racial3. Na ocasião, o bairro de Greenwood – conhecido como a Black Wall Street dos EUA – abrigava uma comunidade negra próspera, proprietária de diversos estabelecimentos comerciais. No massacre, centenas de afro-americanos foram mortos, e tiveram suas casas e comércios destruídos, sem que a polícia tenha tentado impedir, havendo até mesmo relatos de que as forças policiais armaram manifestantes brancos.
Após um século do maior ataque racista do país, alguns sobreviventes, com idades entre 101 e 107 anos, ainda buscam reparação no Congresso dos EUA, pleiteando o pagamento de indenizações às vítimas e seus descendentes, que seguem socialmente marginalizados. O presidente Joe Biden, por enquanto, limitou-se a homenagear os sobreviventes no centenário do massacre, sem mencionar a possibilidade de pedido formal de desculpas ou qualquer reparação de ordem financeira.
Quer no genocídio da Namíbia, quer no massacre racial de Tulsa, o racismo antinegro é questão central, herança maldita do colonialismo europeu, ainda incrustrada nas sociedades do século XXI.
Esses recentes (ainda que tardios) reconhecimentos trazem à tona uma questão tão controversa quanto relevante: a responsabilidade dos Estados pelas atrocidades cometidas nos processos de colonização e escravização e pelos seus efeitos perpetuados e reproduzidos na atualidade.
Colonialismo e escravismo são faces da mesma moeda. Sistemas que buscaram fundamentos para a dominação de corpos não brancos, primeiramente em argumentos de caráter religioso para, então, recorrerem a justificativas de ordem científica. O colonialismo da modernidade fundou um padrão de poder alicerçado na divisão racial dos povos em europeus (brancos, superiores, racionais, civilizados) e não europeus (não brancos, inferiores, sub-humanos, selvagens). Desse modo, ampliação do sistema colonial europeu, intensificada a partir do século XVI, teve como elemento central a supremacia branca sobre as demais raças, que, incapazes de se autogovernarem, precisavam ser dominadas e, então, civilizadas.
Esses processos de subalternização do diferente recorrem a fundamentos racionais para justificar a indiferença moral diante do sofrimento e da aniquilação do outro, o que pressupunha a sua coisificação ou animalização. Mas a verdade é que a crueldade e o sadismo das ações coloniais selvagerizam o próprio colonizador.
Dito de outro modo, "a colonização funciona para descivilizar o colonizador; para brutalizá-lo no sentindo apropriado da palavra, degradá-lo para instintos soterrados, cobiça, violência, ódio racial, relativismo moral (...)"4. Assim, a conquista colonial tende a modificar aquele que a empreende que, "ao acostumar-se a ver o outro como animal, ao treinar-se para tratá-lo como um animal, tende objetivamente, para tirar o peso da consciência, a se transformar, ele próprio em animal."5
Na lógica do sistema colonialista escravocrata, germe do sistema racial capitalista atual, colonialismo e escravidão eram instrumentos imprescindíveis à evolução civilizatória dos povos não europeus, assumida como fardo do homem branco6 e em nome do qual assassinar, torturar, estuprar, expropriar eram meios que justificavam os fins.
Como bem nos recorda Achille Mbembe, "qualquer relato histórico do surgimento do terror moderno precisa tratar da escravidão, que pode ser considerada uma das primeiras manifestações da experimentação biopolítica"7.
Na lógica moderna, a liberdade, tão aclamada pelos iluministas como valor universal, convivia com sua exata antítese: a escravidão. As vantagens econômicas tornavam a escravização de não europeus – em especial, de negros sequestrados da África e traficados para as Américas – justificável política, jurídica e moralmente. Extinto o tráfico negreiro para as Américas, a Europa encontra na África a fonte de manutenção de suas riquezas e expansão de seu território, sob os mesmos velhos/novos argumentos do racismo científico e da missão civilizatória.
Levando em conta essa racionalização do colonialismo e da escravidão, em seu Discours sur le colonialisme, Aimé Césaire afirma que a Europa – "responsável pela maior pilha de cadáveres da história"8 e cuja hipocrisia coletiva pretende uma inconciliável associação entre colonização e civilização – "é moralmente, espiritualmente indefensável"9.
Voltando os olhos para a atualidade, o certo é que, em todas as sociedades marcadas por esse passado (ainda presente) colonial, as pessoas negras ainda amargam os efeitos deletérios da coisificação de seus corpos, do extermínio de suas culturas, do apagamento de suas origens, da perseguição de suas religiões, da supressão de suas oportunidades, da usurpação e desvalorização de suas potencialidades.
Nesse contexto, o reconhecimento pelos Estados de ações genocidas e massacres praticados ao longo da história são um passo importante, de relevante simbologia. Mas meros pedidos de desculpas não mudam o curso da história. Para além disso, é preciso assumir posturas concretas voltadas para a transformação da realidade de subalternização dos povos afetados. Sob essa ótica, é preciso questionar se o pagamento de indenização por parte dos Estados, outrora genocidas e escravocratas, é medida adequada e eficiente para alcançar efetiva reparação e inclusão social, depois de séculos de massacre, genocídio, opressão, escravização e uso de corpos negros em experimentos científicos.
Embora não tenha sido elaborada considerando especificamente demandas históricas de reparação, temos como importante parâmetro para essas reflexões a resolução 60/14710 – aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2005 – que é resultado de estudos conduzidos pela Subcomissão para Prevenção da Discriminação e Proteção de Minorias da ONU. Segundo o documento, a reparação às vítimas de violações massivas de direitos humanos pode ser concretizada por meio de restituição, compensação, reabilitação, satisfação e garantias de não repetição.
A restituição busca o retorno das vítimas à situação original em que se encontravam antes das violações de direitos a que foram submetidas e envolve medidas como restauração de liberdade, gozo de direitos humanos, identidade, vida familiar e cidadania, retorno ao local de residência, restauração de emprego e devolução de propriedade.
A compensação, por sua vez, implica o pagamento de indenização – apropriada e proporcional à gravidade da violação e às circunstâncias de cada caso – pelos danos economicamente mensuráveis causados às vítimas, incluindo: a) danos de ordem física ou mental; b) perda de oportunidades, incluindo emprego, educação e benefícios sociais; c) danos materiais e perda de rendimentos, inclusive de rendimentos potenciais; d) dano moral; e) custos necessários para assistência jurídica ou especializada, medicamentos e serviços médicos, bem como serviços psicológicos e sociais.
Já a reabilitação deve incluir cuidados médicos e psicológicos e, ainda, serviços jurídicos e sociais.
As medidas de satisfação – que conforme o caso concreto, devem associar algumas ou todas as ações pertinentes – incluem: a) medidas eficazes para cessação das contínuas violações; b) apuração dos fatos e divulgação plena e pública da verdade; c) recuperação e identificação dos restos mortais; e) declaração oficial ou decisão judicial que restaure a dignidade das vítimas e das pessoas a ela ligadas; f) desculpas públicas, incluindo o reconhecimento dos fatos e a aceitação de responsabilidade.
Por fim, as chamadas garantias de não repetição, que também são dotadas de caráter preventivo, envolvem: a) garantia do controle civil efetivo das forças militares e de segurança; b) garantia de que os procedimentos civis e militares respeitem as normas internacionais padrão de devido processo, justiça e imparcialidade; c) fortalecimento da independência do Judiciário; d) proteção de pessoas nas profissões jurídicas, médicas e de saúde, bem como mídia e outras profissões relacionadas, além de defensores de direitos humanos; e) promoção, de forma contínua e prioritária, de educação em direitos humanos para todos os setores da sociedade e treinamento para membros do sistema de justiça, bem como forças militares e de segurança etc.
Para além dos casos da Namíbia e de Tulsa, mencionados no início deste artigo, esse conjunto de medidas de reparação oferece também um horizonte para a adoção de políticas públicas reparatórias na realidade brasileira, levando em consideração o seu passado escravista e o seu presente estruturalmente racista.
Último país do Ocidente a declarar abolida a escravidão, o Brasil adotou, no pós-abolição, uma política de embranquecimento fundada no racismo científico eugenista, que preconizava até mesmo o desaparecimento de negros e mestiços11. A essa política, associou-se a subvenção da vinda de imigrantes europeus, que, ao contrário dos recém libertos, tiveram acesso facilitado a postos de trabalho e à terra. Some-se a isso, ainda, a inegável criminalização do povo negro pela ordem jurídica, cujo sistema penal foi construído para o controle dos corpos negros indesejáveis.
Atualmente, pesquisas revelam que, no Brasil, pessoas negras são as maiores vítimas de homicídios, de violência policial letal e de encarceramento em massa. A partir de uma análise interseccional, constata-se que mulheres negras são alvo com mais intensidade de praticamente todos os tipos de violência contra a mulher. No campo do acesso ao trabalho, à educação, à moradia e a espaços de poder e decisão, o fator raça segue sendo obstáculo para o gozo de direitos fundamentais por pessoas negras.
Nessa perspectiva, sem adentrar no debate sobre um genocídio negro em curso (e em continuidade histórica) no Brasil e, ainda, sem explorar a polêmica da instituição de indenizações reparatórias, é preciso dizer que nossas políticas públicas de promoção da igualdade racial estão longe de equacionar a conta da dívida histórica. Sob essa ótica, cota acaba sendo esmola, ainda mais quando aplicada apenas ao acesso a universidades e a concursos públicos.
Com efeito, tomando como inspiração o rol de medidas de reparação elencadas na mencionada resolução da ONU, e apenas a título exemplificativo, é possível vislumbrar uma gama de políticas antirracistas e de promoção da igualdade racial que podem ser implementadas no Brasil para reparação da dívida histórica da escravidão – considerada pelos movimentos negros como o maior crime contra a humanidade já cometido.
A título de restituição, embora não seja possível o retorno das pessoas negras à situação original anterior à escravidão, pode-se implementar medidas voltadas para a garantia do gozo de direitos humanos, a restauração da liberdade – por meio de políticas de desencarceramento – e a devolução da propriedade – a partir de uma concreta e efetiva reforma agrária, além da titulação de territórios quilombolas –, como forma de reparação pela histórica perda da propriedade de comunidades negras a partir da Lei de Terras, de 1850.
No âmbito das medidas de satisfação, uma série de ações seriam cabíveis, desde desculpas públicas, reconhecimento dos fatos (pretéritos e atuais) e aceitação de responsabilidade; passando pela garantia de apuração dos fatos (pretéritos e atuais) e divulgação plena e pública da verdade (o que vem sendo feito em parte pelas Comissões da Verdade sobre a Escravidão); até a adoção de medidas eficazes para cessação das contínuas violações, aqui especialmente aquelas voltadas para a prevenção, o controle e a punição dos atos de extermínio da juventude negra.
Também as garantias de não repetição e medidas de reabilitação são, todas elas, de fundamental importância para a efetiva reparação dos danos causados pelo racismo e pela desigualdade racial, ressaltando-se aqui a necessidade de reconhecimento também dos danos psicológicos provocados pelo racismo e, consequentemente, de oferecimento dos serviços médicos, psicológicos e sociais pertinentes.
Em síntese, há uma série de medidas que podem ser implementadas em busca de efetiva reparação e igualdade racial. No entanto, tem prevalecido o argumento de não aplicação das normas internacionais pertinentes ao tema, haja vista que ainda não eram vigentes à época das práticas genocidas e escravistas em tela. Assim, os Estados, quando muito, têm assumido apenas uma espécie de responsabilidade moral e política, mas não jurídica.
Desse modo, o negacionismo cínico ainda impera entre os Estados que enriqueceram às custas do sangue e suor negros e insistem em negociar vidas negras que, para eles, não importam e nunca importaram. Aqui ou acolá, corpos negros continuam pagando a conta desse contrato racial unilateralmente assinado12, enquanto as elites brancas seguem mamando nas fartas tetas do capitalismo racista, cujo leite derramado com gosto de fel – do vil metal e do sangue negro – adoça apenas a boca da branquitude.
Ninguém irá nos devolver nossa história roubada; não há dinheiro que pague cada vida negra (ainda e todos os dias) ceifada! O nosso "consolo é que as colonizações passam, que as nações dormem apenas por um tempo e que os povos permanecem"13.
Nós somos um povo enraizado na Terra-Mãe!
Por isso, mesmo diante de tanta injustiça, de tamanho vilipêndio às/aos filhas/os do ventre do mundo, é preciso esperançar. É preciso acreditar que "está para chegar o tempo feliz da nossa liberdade. O tempo em que seremos irmãos"14. E quando assim nos animarmos, enquanto povo, o nosso brado retumbante ecoará com tanto vigor que os pilares (racistas) do mundo serão abalados e a conta será, de um modo ou de outro, quitada!
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1 A Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio da Organização das Nações Unidas afirma que se entende por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.
2 Anna Luiza Odebrecth Dias, Remediando o passado: um estudo sobre a demanda dos povos Herero e Nama por reparações pelos atos da Alemanha no Sudoeste Africano ao longo do conflito colonial de 1904 a 1908, p. 7.
3 Sobre o massacre de Tulsa. Acesso em 3 de junho de 2021.
4 Aimé Césaire, Discurso sobre o colonialismo, p. 17.
5 Aimé Césaire, Discurso sobre o colonialismo, p. 23.
6 Para recordar o poema The White man's burden (O fardo do homem branco), publicado em 1899, pelo poeta britânico Rudyard Kipling e que ficou conhecido como uma ode ao imperialismo. O poema aborda o fardo do homem branco como a árdua civilizatória dos selvagens e tristes povos negros, "metade demônio, metade criança". No poema, cabia ao generoso homem branco a tarefa de enfrentar as "guerras selvagens pela paz, de encher a boca dos famintos, de cessar as doenças".
7 Achille Mbembe, Necropolítica, p. 27.
8 Aimé Césaire, Discurso sobre o colonialismo, p. 26.
9 Aimé Césaire, Discurso sobre o colonialismo, p. 9.
10 Disponível aqui. Acesso em 3 de junho de 2021.
11 Conforme já expusemos em outra oportunidade: "o projeto eugênico de aperfeiçoamento racial da população[11] contou com a adesão dos cientistas brasileiros, fortemente influenciados pelas teorias raciais da Europa e dos Estados Unidos. No I Congresso Internacional das Raças, realizado em Londres, entre os dias 26 e 29 de julho de 1911, João Baptista de Lacerda, médico e então diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, representou o País", apresentando uma tese segundo a qual "a miscigenação possibilitaria o branqueamento da população com o desaparecimento dos negros e mestiços, o que representava uma solução para a sociedade brasileira." Ver Lívia Sant’Anna Vaz, Palmares para além do novembro negro. Disponível aqui. Acesso em 3 de junho de 2021.
12 Para Charles Mills, The racial contract, a concepção de que um contrato social foi firmado por seres humanos livres e iguais objetivando o reconhecimento e a proteção de seus direitos de liberdade pelo Estado desconsidera a aniquilação, escravização e subjugação das raças não hegemônicas. Trata-se, portanto, não de um acordo de vontades entre os seres humanos, mas entre os homens brancos, e, nesse sentido, não de um contrato social, mas de um contrato racial. Vivemos, então, sob a égide de um sistema político não nomeado que estrutura uma sociedade racialmente hierarquizada; uma espécie de Estado Racial legitimado por um sistema jurídico racial.
13 Aimé Césaire, Discurso sobre o colonialismo, p. 26.
14 Trecho dos panfletos afixados em locais estratégicos da Cidade da Bahia (Salvador) como preparação para o levante negro que ficou conhecido como Revolta dos Búzios, de 1789, e que traziam os seguintes dizeres: "Animai-vos, ó povo bahiense. Está para chegar o tempo feliz da nossa liberdade. O tempo em que todos seremos irmãos. O tempo em que todos seremos iguais".