Observatório da Arbitragem

Arbitragem em larga escala

O know-how desenvolvido e o resultado alcançado, possivelmente, refletem o cenário judicial do país: grande volume de demandas e aplicação de tecnologia abundante (ainda que nem sempre operacional) nos diversos sistemas de processos digitais existentes.

25/7/2023

A ventilação da possibilidade de solução de conflitos pela via arbitral sempre trouxe consigo a ponderação de aspectos positivos e negativos desta alternativa ao juízo estatal. Dentre os argumentos dos entusiastas, as defesas a respeito (i) da potencial maior especialidade dos julgadores, (ii) da estimada maior celeridade da solução e (iii) da flexibilidade do procedimento ao interesse das partes sempre foram frisadas. No campo das ressalvas, questionamentos quanto (i) ao aspecto vinculante e imperativo do compromisso em si (por vezes desafiado pela maneira que formalizado e, por tantas outras, em decorrência de interpretações e precedentes minoritários mas, ainda assim, existentes), (ii) à lisura e confiabilidade dos procedimentos e/ou câmaras (ora por mero desconhecimento ou desdém, ora como sintoma da multiplicação de opções, nem todas com a mesma bagagem e rodagem no campo arbitral) e, finalmente, (iii) ao custo envolvido (algumas vezes incompatível para demandas de menor porte).

Mas, se a ressalva do custo, ainda que passível de relativização pelo nível dos profissionais envolvidos e dos serviços ofertados, durante muito tempo fez eco entre operadores do Direito e partes, ela também – de tanto que repetida – fez surgir um novo "produto" dentro das câmaras arbitrais. Adotados com os filtros pertinentes (relacionados a características das demandas, como complexidade e matéria), surgiram os procedimentos (quando não a própria câmara) totalmente digitais, com regulamento e procedimentos enxutos a favor da eficiência econômica, sem prejuízo da necessária cautela e do zelo com o resultado entregue. E, assim, foi possível acomodar um leque ainda mais amplo de perfis de demandas, especialmente para permitir acesso às vantagens dos procedimentos arbitrais para partes outrora afastadas por questões financeiras.

Nestes foros, é comum haver limitações sobre os desdobramentos processuais admitidos (como tipos de provas), maior concentração de matérias tratadas (cobranças, demandas imobiliárias, litígios com fornecedores), adoção de árbitro único, e aplicação de valor fixo por caso (contemplando registro, taxa administrativa e honorários de árbitro). Como resultado, tem-se uma legítima expectativa pelo desfecho breve dos casos, confirmada por dados objetivos disponibilizados.

O know-how desenvolvido e o resultado alcançado, possivelmente, refletem o cenário judicial do país: grande volume de demandas e aplicação de tecnologia abundante (ainda que nem sempre operacional) nos diversos sistemas de processos digitais existentes. A partir disso, houve migração do viés tecnológico (notadamente mais bem explorado pelo setor privado) para câmaras, com o propósito específico de redução de custos e melhora da experiência do usuário. E, assim, vêm se consolidando câmaras e procedimentos capazes de absorver alto número de procedimentos (com diversos fluxos automatizados), entregando resultados céleres e qualitativos, por um custo muitas vezes menor do que aquele que seria aplicado na soma das instâncias e desdobramentos inerentes ao processo judicial.

Tal movimentação, diferente do que inicialmente temido, não desmereceu ou desvalorizou a arbitragem como um todo; pelo contrário, tornou-a mais abrangente e acessível, além de representativa numérica e socialmente. Afinal, quanto mais setores permeados, maior sua relevância e desenvolvimento na cena jurídica nacional. E, por que não, considerar no futuro breve a possibilidade de trazer mais destaque para o Brasil internacionalmente, tornando-se um "produto" para exportação e de referência.

Neste sentido, parece convir à comunidade jurídica um olhar crítico construtivo a esse movimento, de forma a fortalecer a atuação destas câmaras – respeitados os diferentes possíveis perfis –, na medida em que se pode enxergar um benefício social inerente na acessibilidade, sempre que preservada a qualidade. Afinal, a escala tende a promover a aceleração do aprendizado e desenvolvimento, e experiências e tecnologias poderão ser aprimoradas e compartilhadas, resultando no ainda maior amadurecimento e evolução de todo o sistema arbitral (fornecedores, prestadores, fluxos) em prol do bem comum.

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Colunistas

Marcelo Bonizzi é professor doutor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP/Largo São Francisco. Autor de livros e artigos. Pós-doutor pela Faculdade de Direito de Lisboa. Procurador do Estado de São Paulo. Atua como árbitro (FIESP/CAMES E CAMESC).

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira é procurador do Estado de São Paulo. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor do Programa de doutorado e mestrado em Direito da UNAERP. Professor convidado de cursos de pós-graduação. Membro de listas de árbitros de diversas Instituições Arbitrais. Foi membro da Comissão Especial de Arbitragem do Conselho Federal da OAB. Autor de livros jurídicos. Coordenador Acadêmico do site Canal Arbitragem.