Abro este texto fazendo um esclarecimento inicial, não sou advogado ou bacharel em direito. As breves reflexões que apresento a seguir são frutos do que vi nos últimos 20 anos e mostram como enxergo a prática arbitral, com especial destaque para o Brasil.
O instituto da arbitragem é alvo de uma série de críticas. Boa parte delas decorrem do fato de a arbitragem ser acessível a uma comunidade profissional reduzida. As relações entre advogados, árbitros, peritos, pareceristas e demais envolvidos muitas vezes é vista como algo nocivo, que poderia de algum modo abalar a credibilidade da arbitragem.
A pluralidade de papéis comumente assumida por profissionais atuantes na área – imagine-se um mesmo profissional que atua, em casos distintos, como árbitro, advogado e parecerista – é classificada por alguns, de forma pejorativa, como “porta-giratória da arbitragem” (revolving door, em inglês). Isso pode causar estranheza e desconfiança em um interlocutor desavisado.
A imparcialidade e a independência de alguns profissionais – requisitos fundamentais ao bom funcionamento da arbitragem – por vezes acabam sendo colocadas em xeque, seja por motivação legítima, ou mesmo por uma estratégia de guerrilha processual. Algumas desconfianças nascem da intensa convivência e relação que se verificam em congressos, publicações acadêmicas, associações e até mesmo eventos sociais.
Eu não posso opinar sobre indivíduos, mas me atrevo aqui a analisar o mercado. Acredito que o que assusta alguns é justamente o que garante a eficiência e a legitimidade do instituto da arbitragem.
O maior ativo de um profissional, especialmente na arbitragem, é a sua credibilidade, que está intrinsecamente relacionada com a confiança das partes naquele determinado profissional. E o fato de o mercado ser numericamente reduzido e as pessoas se conhecerem, relacionarem e frequentarem ambientes comuns é um fator adicional que, a meu ver, apenas contribui para assegurar a legitimidade da arbitragem.
Um profissional atuando como árbitro, indicado por um escritório, não vai privilegiar quem o indicou pois amanhã as posições certamente se inverterão e sua imagem estará manchada. Em suma, em uma comunidade pequena com um alto grau de interação entre os profissionais, uma conduta inadequada pode destruir uma carreira.
Ao longo de 20 anos organizei, promovi e participei de um incontável número de eventos, encontros e congressos de arbitragem, presenciei horas de conversas no palco ou fora dele. O que vi foi sempre uma conduta zelosa de todos os players e na rara eventualidade de um comportamento indevido de um neófito ele é sempre orientado, repreendido e até mesmo alijado do meio arbitral.
A comunidade arbitral dedica tempo e recursos substanciais para discutir os pontos a serem melhorados de forma bastante franca e autocrítica, só em uma de nossas plataformas são mais 150 horas de debates. A beleza da arbitragem está na livre vontade das partes, na confiança, na escolha e na autoregulação.
De forma estruturada e constante uma nova geração de profissionais altamente qualificados e globalmente preparados têm chegado ao mercado, ampliando o leque de nomes atuantes em arbitragem e muito deles dedicados exclusivamente a atuarem como árbitros. As partes cada vez mais se envolvem na escolha de árbitros. E estes nomes, em regra, só podem se colocar em cena através de relacionamento.
A arbitragem não está imune a falhas, problemas e erros. É claro que não está. A arbitragem é falível porque são seres humanos que nela atuam. Para os casos patológicos, a Lei de Arbitragem brasileira (lei 9.307/96), que é referência mundial, prevê soluções específicas e excepcionais que possibilitam o controle judicial da atividade dos árbitros. Porém, em um país que possui hoje mais de 1000 arbitragens* em curso, não recomendo que se construa a imagem da arbitragem com base em situações patológicas e raras.
Mudar a lei ou alterar seus dispositivos como se pretende com o Projeto de lei 3.293/21 é um risco enorme para a legitimidade da arbitragem brasileira. Internacionalmente somos respeitados e admirados pela nossa prática. Ações no sentido de minar a eficiência da lei atual, não vão acabar com a arbitragem em nosso país, mas poderão provocar um êxodo de arbitragens com sede no Brasil, entregando casos que poderiam ser resolvidos em território brasileiro aos cuidados de jurisdições estrangeiras – assim, exportando divisas, profissionais e conhecimento.
Não seria inteligente deixar isso acontecer.
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* Informação extraída da pesquisa Arbitragem em Números, 2022 coordenada pelo Porf. Selma Ferreira Lemes, em parceira com o Canal Arbitragem.