Embora o árbitro não possua o poder de imperium, tal fato não importa à sua incompetência para julgar demandas de cunho executivo lato sensu: necessária revisão do entendimento STJ e do arquivamento PL 4.287/21.
Como já de ciência da comunidade jurídica, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, através do REsp 1481644, publicado no dia 19/8/21, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão entendeu que, a ação de despejo, em razão de sua natureza executória, é da competência exclusiva do Judiciário, mesmo quando existir compromisso arbitral firmado entre as partes.
Na mesma linha, concluiu a 28ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, de Relatoria da Desembargadora Angela Lopes (proc. nº 1010994-17.2021.8.26.0008), através de acórdão publicado no dia 27/6/2022: "Afastamento da jurisdição arbitral em razão da natureza executiva da ação de despejo (...) o Juízo arbitral não tem jurisdição para conhecimento das chamadas ações executivas lato sensu, isto é, procedimentos em que não há cisão entre a fase cognitiva e satisfativa da demanda. Isso porque, como o árbitro não possui poder de imperium para determinar a realização de atos executivos, a análise dessas demandas não prescinde do crivo do juiz estatal. Ademais, dado o sincretismo entre o conteúdo cognitivo e propriamente executório, não é possível cindir o processo em uma etapa arbitral e uma etapa estatal".
Importante destacar ainda que, tramita PL 4287/2021, de autoria do deputado federal Carlos Bezerra (MDB-MT), que visa a alterar o art. 59, § 4º da lei de locações para que haja a seguinte previsão: "A ação de despejo efetuar-se-á perante o juízo cível competente, ainda que haja compromisso arbitral em sentido contrário", sob a seguinte justificativa: "o árbitro não está investido em poderes cogentes, por isso não pode decretar penhora ou qualquer outra medida de restrição patrimonial. Logo, a promoção de qualquer pretensão executiva deve ocorrer somente na jurisdição estatal".
É dentro desse cenário que se passa a dar a necessária e aprofundada luz ao tema.
A doutrina e a jurisprudência reconhecem a ação de despejo como uma ação executiva lato sensu, através da qual, ao final, será emitido mandado visando à desocupação do imóvel. No entanto, fundamental ter em mente que, a legitimidade do despejo está na desconstituição da relação locatícia, condição para o comando de desocupação. Assim, antes de determinar o ato executivo coercitivo (e, posteriormente, em caso de resistência, efetivá-lo), deverá ser prestada tutela constitutiva negativa de rescisão do contrato de locação.
O despejo é ação pessoal imobiliária com pretensão pessoal do locador de retomada da posse direta do imóvel, sendo o pedido imediato o provimento judicial com eficácia constitutiva negativa e executiva e o pedido mediato o desfazimento do contrato e a restituição do imóvel locado. Desta forma, o pronunciamento que desconstitui o contrato é o ato que torna ilegítima a posse do locatário. A retomada da posse direta do imóvel não é a pretensão, mas apenas a consequência do desfazimento do contrato de locação. O entendimento quanto à relevância da precedência da desconstituição do contrato com relação ao despejo é elementar, sem o qual gera-se os vícios constantes das decisões do STJ, do TJ-SP e do PL.
Deste modo, o árbitro poderá condenar o locatário a desocupar o imóvel fixando prazo para saída voluntária. Em caso de descumprimento, se fará necessária a medida coercitiva, neste caso, o despejo compulsório. Neste momento, e só neste momento, a intervenção estatal é medida que se impõe.
Ressalte-se que, embora a decisão do árbitro possa englobar comando executivo, a decisão não terá eficácia executiva e só através da execução do título executivo é que serão realizados os atos coercitivos pela jurisdição estatal no sentido da efetivação da decisão arbitral.
A ação de despejo não tem como escopo pura pretensão executória. Ela demanda dilação probatória. E, sendo ação executiva lato sensu, por possuir fase cognitiva inicial, até o momento executório de coerção, não apresenta qualquer diferenciação da tutela condenatória. Desta forma, só haverá necessidade de atuação judicial para a prática de atividade executiva em caso de resistência na desocupação.
Assim, embora o árbitro não possua o poder de imperium para fazer cumprir suas decisões, tal fato não importa à sua incompetência para julgar demandas de cunho executivo lato sensu.
O fato das providências de natureza coercitiva e executiva fugirem das atribuições do Juízo Arbitral, não leva à subtração do árbitro de seu poder de presidir a fase cognitiva ou de proferir a decisão final de mérito, ainda que esta possua eficácia executiva lato sensu. As decisões judicias emanadas do STJ e do TJ/SP acima explicitadas inobservam o caráter cognitivo das ações executivas lato sensu, e as confundem com uma ação de execução ou com a fase executiva do cumprimento de sentença do processo sincrético.
Destaque-se que, tanto árbitro, quanto o juiz togado, estão obrigados a conceder prazo para a desocupação voluntária do imóvel. O árbitro em razão da ausência do poder de imperium e o juiz de direito, fruto do art. 65, lei 8.245/91. E, não há qualquer atividade executiva sem a resistência do locatário.
Caso caiba a liminar de despejo, nos termos do artigo 59 da Lei de Locações, e a mesma seja deferida pelo árbitro, ele se valerá do expediente da Carta Arbitral, em caso de relutância, para que se faça cumprir a sua decisão.
É motivo de perplexidade que se esteja a caminhar jurisprudencialmente e legislativamente no sentido de negar o poder do árbitro de prestar tutela cognitiva de desconstituição do contrato e de comando de concessão de desocupação voluntária. O contexto estudado evidencia a clara necessidade de fortalecer os efeitos da convenção de arbitragem, tendo sempre como linha mestra o caráter consensual da cláusula compromissória, a preservação da vontade das partes e os poderes conferidos ao árbitro pela lei de arbitragem.