A homologação de decisões estrangeiras pelo STJ é condição para que essas decisões ganhem força executiva em território nacional (exequatur), inclusive quando se tratar de decisões arbitrais.
A lei de arbitragem trata desse tema em seus arts. 34-40, cujas regras dão importância aos tratados internacionais, como a Convenção de Nova Iorque (1958) e o Protocolo de Las Lenãs (1992), além de fornecem um rol taxativo das hipóteses em que o STJ não pode homologar a decisão arbitral estrangeira.
Dentre essas hipóteses, vale destacar a do inciso VIII do art. 38, in verbis: a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.
Daí por que, ao menos em princípio, a indagação feita no título deste breve estudo seria fácil de responder, ou seja, se anulada a decisão arbitral estrangeira em seu país de origem, não poderia o STJ homolar essa decisão.
No entanto, o STJ já se posicionou em sentido contrário a esse entendimento:
SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA Nº 611 - EX (2005/0055688-0) RELATOR REQUERENTE REQUERENTE ADVOGADO REQUERIDO REQUERIDO ADVOGADO : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA : FIRST BRANDS DO BRASIL LTDA : STP DO BRASIL LTDA : LUIZ FERNANDO HENRY SANT'ANNA E OUTROS : STP - PETROPLUS PRODUTOS AUTOMOTIVOS S/A PPA : PETROPLUS SUL COMÉRCIO EXTERIOR S/A PSC : CARLOS HENRIQUE MENDES DIAS E OUTROS EMENTA HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. SENTENÇA ARBITRAL. MATÉRIA DE MÉRITO. IRRELEVÂNCIA. ART. 38 DA LEI N. 9.307/96. 1. As disposições contidas no art. 38 da Lei n. 9.307/96 apresentam um campo mais largo das situações jurídicas que podem ser apresentadas na contestação, em relação à prevista no art. 221 do RISTF, mas não chega ao ponto de permitir a invasão da esfera de mérito da sentença homologanda. 2. A existência de ação anulatória da sentença arbitral estrangeira em trâmite nos tribunais pátrios não constitui impedimento à homologação da sentença alienígena, não havendo ferimento à soberania nacional, hipótese que exigiria a existência de decisão pátria relativa às mesmas questões resolvidas pelo Juízo arbitral. A Lei n. 9.307/96, no § 2º do seu art.33, estabelece que a sentença que julgar procedente o pedido de anulação determinará que o árbitro ou tribunal profira novo laudo, o que significa ser defeso ao julgador proferir sentença substitutiva à emanada do Juízo arbitral. Daí a inexistência de decisões conflitantes. 3. Sentença arbitral estrangeira homologada.
E em outra importante decisão, o STJ adotou entendimento diferente, rejeitando o pedido de homologação:
SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA Nº 5.782 - EX (2011/0129084-7) RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI REQUERENTE : EDF INTERNATIONAL S/A ADVOGADOS : MARCUS VINICIUS VITA FERREIRA E OUTRO(S) ARNOLDO WALD REQUERIDO : ENDESA LATINOAMÉRICA S/A ADVOGADOS : ANDRÉ LUIZ SOUZA DA SILVEIRA LUIS FELIPE FREIRE LISBOA E OUTRO(S) SÉRGIO BERMUDES FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI REQUERIDO : YPF S/A ADVOGADOS : VICENTE COELHO ARAÚJO MARCELLO ALFREDO BERNARDES E OUTRO(S) DANIEL COSTA REBELLO NATALIA PEPPI GABRIELA MARCONDES BORGES MARCO AURÉLIO MARTINS BARBOSA LÍVIA CALDAS BRITO JOSE RUBENS BATTAZZA IASBECH CAROLINA FEITOSA DE ALBUQUERQUE TARELHO EMENTA QUESTÃO PRELIMINAR. DESPACHO QUE TORNA SEM EFEITO INTIMAÇÃO PARA JUNTADA DE DOCUMENTOS. AUSÊNCIA DE CONTEÚDO DECISÓRIO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO PARA A PARTE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NÃO CABIMENTO. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA CONTESTADA. ARTIGO 34 DA LEI N. 9.307/1996. INCIDÊNCIA INICIAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS, COM EFICÁCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO. APLICAÇÃO DA LEI DE ARBITRAGEM NA AUSÊNCIA DESTES. LAUDO ARBITRAL ANULADO NO PAÍS DE ORIGEM, COM SENTENÇA JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. JUÍZO DE DELIBAÇÃO. DESCABIMENTO DO EXAME DO MÉRITO DA SENTENÇA ARBITRAL. IMPOSSIBILIDADE DA ANÁLISE DA DECISÃO. JUDICIAL ESTRANGEIRA. INDEFERIMENTO DA PRETENSÃO HOMOLOGATÓRIA. 1. O artigo 34 da Lei n. 9.307/1996 determina que a sentença arbitral estrangeira será homologada no Brasil, inicialmente, de acordo com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e que, somente na ausência destes, incidirão os dispositivos da Lei de Arbitragem Brasileira. 2. No caso em exame, a sentença arbitral que se pretende homologar foi anulada judicialmente pelo Poder Judiciário Argentino, com decisão transitada em julgado. 3. A legislação aplicável à matéria — Convenção de Nova York, Artigo V(1)(e) do Decreto n. 4.311/2002; Convenção do Panamá, Artigo 5(1)(e) do Decreto n. 1.902/1996); Lei de Arbitragem Brasileira, Artigo 38, inciso VI, da Lei n. 9.307/1996; e Protocolo de Las Leñas, Artigo 20(e) do Decreto n. 2.067/1996, todos internalizados no ordenamento jurídico brasileiro — não deixa dúvidas quanto à imprescindibilidade da sentença estrangeira, arbitral ou não, ter transitado em julgado para ser homologada nesta Corte Superior, comungando a doutrina pátria do mesmo entendimento. 4. O Regimento Interno deste Sodalício prevê o atendimento do mencionado requisito para a homologação de sentença estrangeira, arbitral ou não, conforme se depreende do caput do artigo 216-D do RI/STJ. 5. O procedimento homologatório não acrescenta eficácia à sentença estrangeira, mas somente libera a eficácia nela contida, internalizando seus efeitos em nosso País, não servindo, pois, a homologação de sentença para retirar vícios ou dar interpretação diversa à decisão de Estado estrangeiro. Precedentes desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal. 6. Na hipótese sob exame, sendo nulo na Argentina o presente laudo arbitral — por causa de decisão judicial prolatada naquele País, com trânsito em julgado devidamente comprovado nos autos —, nula é a sentença arbitral no Brasil que, por isso, não pode ser homologada. 7. Pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira indeferido.
Se, por um lado, o STJ não pode avaliar o mérito da decisão judicial estrangeira que anulou a decisão arbitral, por outro lado remanesce a soberania nacional, principalmente se essa decisão judicial estrangeira levou em consideração fatores jurídicos que não são relevantes no ordenamento jurídico nacional.
Como se vê, o tema ainda está longe de ser pacificado no âmbito do STJ, inclusive porque não é recorrente. A primeira decisão é de 2006 e segunda é de 2015, ou seja, o STJ passou quase dez anos sem enfrentá-lo. Particularmente, creio que na próxima o STJ seguirá o entendimento adotado na decisão mais recente.