Observatório da Arbitragem

O TJ/SP e a alegação de insuficiência de recursos para pagamento das custas da arbitragem – decisão de março de 2022

O TJ/SP e a alegação de insuficiência de recursos para pagamento das custas da arbitragem – decisão de março de 2022

12/4/2022

O TJ/SP, em julgado de 29/3/22, por meio da 2ª câmara de Direito Empresarial, na apelação Cível 1002077-20.2021.8.26.0457, cujo relator foi o desembargador Jorge Tosta, prestigiou, mais uma vez, a validade da cláusula arbitral, a qual prevalece, diante da alegação de inexistência de recursos para custear o procedimento. Consta da ementa:

“Apelação - Ação declaratória de nulidade/anulabilidade de ato assemblear, c/c obrigação de fazer e substitutiva de declaração de vontade - Sentença que extinguiu o processo, sem resolução de mérito, ante a existência de cláusula compromissória em acordo de acionistas - Previsão de submissão de eventuais conflitos envolvendo a avença à arbitragem - Pretensão de que seja afastada a referida cláusula, em razão da ausência de condições financeiras para custeio do procedimento arbitral - Justificativa que não se mostra suficiente à anulação da cláusula, seja porque a parte já tinha conhecimento dos custos, seja porque o processo arbitral não está submetido à política do amplo acesso - Autor, ademais, que se intitula grande acionista da maior Companhia de cachaça do mundo e que, por certo, percebe dividendos expressivos que lhe permitem suportar as despesas do procedimento arbitral - Extinção do processo mantida."1

Referida decisão cita precedente da lavra do culto desembargador Enio Zuliani:

"Se essa questão financeira for alçada ao patamar de revogação da cláusula compromissória, haverá insegurança contratual injustificável e que depõe contra a ideologia de uma jurisdição estabilizada e coerente com os princípios maiores da função (solucionar conflitos)"2.

Há julgado do STJ que não acolheu alegação no sentido de que o alto custo do procedimento arbitral Inglês viola a ampla defesa e contraditório, impondo-se a preservação da autonomia privada na homologação de sentença arbitral estrangeira:

“Em que pesem os argumentos expendidos, da análise dos autos exsurge certo que as ora requeridas não só aderiram livremente aos contratos que continham expressamente a cláusula compromissória, como tiveram amplo conhecimento da instauração do procedimento da arbitragem, sendo certo que apresentaram mais de uma manifestação – considerações preliminares (fls. 370/385) e defesa (fls. 352/369).
A partir do momento em que as requeridas celebraram contratos que continham a referida cláusula aderiram expressamente à possibilidade de solução de litígios pela via arbitral, sendo despicienda agora, nesta seara, a tentativa de se discutir a onerosidade do procedimento.
No mesmo sentido, mostra-se incabível a alegação da OITO EXPORTAÇAO de ofensa à ordem pública, ao argumento de que o procedimento arbitral além de trazer limitações ao seu direito de defesa, permite que uma empresa estrangeira que praticou a justiça privada ainda tenha o direito de cobrar valores das partes prejudicadas, sendo certo que no Brasil vige a regra do monopólio da Jurisdição, não podendo os particulares exercerem a autotutela”3.

No mesmo diapasão, decisão de 2019, do STJ acolheu, em relação não consumerista (duas empresas de comércio de gás natural), a tese de que a hipossuficiência de qualquer delas não afasta os efeitos da cláusula de arbitragem, aplicando-se o princípio da competência-competência4, isto é, de que cabe ao árbitro a primeira decisão sobre o tema. O TJ/SP não acolheu a alegação de hipossuficiência para afastar o princípio da competência-competência5, em contrato de distribuição de produtos médicos e hospitalares entre duas empresas.

Em outra recente decisão, o citado Tribunal rechaçou a alegação de que o alto custo afasta a aplicação da cláusula arbitral, aplicando-se o princípio da obrigatoriedade dos contratos6.

Portanto, temos que a alegação de alto custo da arbitragem não constitui fundamento para afastar a cláusula, permanecendo a competência do árbitro para apreciação7, nem constitui fundamento para a designação de instituição arbitral diversa da prevista em cláusula cheia8, preservando-se a autonomia da vontade, externada pela cláusula, mediante aplicação da força obrigatória dos contratos, em benefício da segurança jurídica.

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1 TJ/SP 2ª câmara de Direito Empresarial, na apelação Cível 1002077-20.2021.8.26.0457, julgado de 29/3/22, relator Jorge Tosta.

2 Apelação Cível 1010093-17.2014.8.26.0001, relator Enio Zuliani, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 10/8/16.

No referido julgado consta: “Consoante anteriormente explicitado, a arbitragem foi legalmente instituída no Brasil por meio da Lei nº 9.307/96, sendo referida norma considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, não violando a ordem pública brasileira a utilização da arbitragem como forma de solução de conflitos. Neste sentido: ‘SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. CONDENAÇAO DE EMPRESA BRASILEIRA AO CUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. REQUISITOS FORMAIS PARA O DEFERIMENTO DO PEDIDO DE HOMOLOGAÇAO OBSERVADOS. RECONHECIMENTO DA ARBITRAGEM COMO MEIO LEGAL DE SOLUÇAO DE CONFLITOS DE DIREITOS DISPONÍVEIS. LEI N. 9307/96. AUSÊNCIA, IN CASU, DE AFRONTA A PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA. I – Não viola a ordem pública brasileira a utilização de arbitragem como meio de solução de conflitos, tanto que em plena vigência a Lei n. 9307/96 (Lei de Arbitragem), não se podendo afirmar, de outro turno, ter a ora requerida eleito esta via alternativa compulsoriamente, como sugere, até mesmo porque sequer levantou indício probatório de tal ocorrência. (omissis). IV – Observados os requisitos legais, inclusive os elencados na Resolução n. 9/STJ, de 4/5/2005, relativos à regularidade formal do procedimento em epígrafe impossibilitado o indeferimento do pedido de homologação da decisão arbitral estrangeira. V – Pedido de homologação deferido, portanto.’ (SEC 874/EX, Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJ de 15/5/06). Repita-se, ainda, que na presente hipótese houve inequívoca manifestação de vontade das partes contratantes no tocante à escolha do procedimento arbitral para a solução de conflitos, não restando configurada qualquer ofensa à ordem pública. Quanto ao tema esta Corte já se manifestou anteriormente:
‘PROCESSUAL CIVIL. SEC – SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. HOMOLOGAÇAO. DESCABIMENTO. ELEIÇAO DO JUÍZO ARBITRAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇAO EXPRESSA DA PARTE REQUERIDA. OFENSA A PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE HOMOLOGAÇAO. (omissis). 2. Na hipótese em exame, consoante o registrado nos autos, não restou caracterizada a manifestação ou a vontade da requerida no tocante à eleição do Juízo arbitral, uma vez que não consta a sua assinatura nos contratos nos quais se estabeleceu a cláusula arbitral. 3. A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem. 4. No caso em exame, não houve manifestação expressa da requerida quanto à eleição do Juízo Arbitral, o que impede a utilização desta via jurisdicional na presente controvérsia. 5. Pedido de homologação a que se nega deferimento.” (SEC 967/EX, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, DJ de 20/3/06)” (STJ – SEC: 507 GB 2005/0209540-1, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 18/10/06, CE – CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: --> DJ 13/11/06 p. 204).

4 REsp 1.598.220/RN, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, j. 25/6/19, DJe 1/7/19.

5 TJ/SP, 4ª Cam Dir Priv, Apel 1053037-31.2014.8.26.0002, j. 25.07.2019, unânime. No mesmo sentido: TJSP, 17ª Cam Dir Priv, Apel 0120452-31.2008.8.26.0011, j. 24/4/19, unânime; TJSP Apel 0036760-07.2007.8.26.0000, Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy; TJSP, Apel 0003784-70.2012.8.26.0161, Rel Des Ênio Santarelli Zuliani; TJRJ, 21ª CC, Apel 0005859-60.2015.8.19.0068, j. 11.04.2018, unânime; TJSP, Apel 0029502-72.202.8.26.0451, Rel Des Ricardo Negrão; TJSP Apel 1040579-42.2015.8.26.0100, Rel Des Carlos Alberto Garbi; TJSP Apel 4010691-72.2013.8.26.0576, Rel Des Fabio Tabosa; TJPR Apel 0010731-22.2009.8.16.0001, Rel Des João Domingos Kuster Puppi; TJPR Apel 009832-87.2010.8.16.0001, Rel Des Ruy Muggiati; TJMG, Apel 0086730-20.2010.8.13.0521, Rel Des Rogério Medeiros; TJMG Apel 6041987-77.2015.8.13.0024, Rel Des Luiz Carlos Gomes da Mata. Em sentido contrário admitindo a declaração de nulidade da cláusula arbitral em situações de hipossuficiência: TJSP, Apel 1011982-63.2014.8.26.0564, Rel Des Carlos Alberto Garbi, consideraram desproporcional o custo da arbitragem, diante do negócio (franquia de sapatos) e a ausência de ciência das partes sobre os custos da arbitragem no momento da celebração da convenção; TJPA, 4ª CC, AI 162.748, j. 25.07.2016, unânime; TJBA, 5ª CC, Apel 0523742-23.2016.8.05.0001, p. 21.06.2017, unânime. Há uma corrente intermediária admitindo o controle sobre os custos da arbitragem, nesse sentido: TJSP Apel 1010093-17.2014.8.26.0001, Rel Des Ênio Zuliani, concluíram que os custos da arbitragem não eram elevados, em demanda envolvendo franquias, mantendo a arbitragem; TJSP Apel 104947-8-63.2014.8.26.0100, Rel Des Hamid Bdine, concluíram que não ocorreu no caso a modificação da situação financeira que gerasse uma incapacidade financeira da parte que assinou a cláusula, mantendo a arbitragem.

“No mais, como bem consignou, o alegado alto custo da arbitragem não afasta a incidência da cláusula compromissória, uma vez que, antes de celebrar o contrato, as partes tiveram a oportunidade de sopesar, de sorte que não pode dele se eximir a essa altura dos fatos, por se tratar de risco inerente ao negócio firmado. Logo, nota-se que a observância da cláusula compromissória estipulada no contrato celebrado entre as partes é medida que se impõe, pois as partes concordaram com a referida disposição quando da contratação, conforme o princípio da obrigatoriedade dos contratos (“pacta sunt servanda”). E, em razão da previsão da cláusula compromissória, os conflitos decorrentes do contrato celebrado entre as partes devem ser resolvidos mediante arbitragem, o que torna o Poder Judiciário incompetente para o julgamento desta causa”, TJ-SP, 26ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível 1091775-75.2020.8.26.0100, Rel. Des. Dias Motta j. 5/4/21.

7 Nesse sentido vide TEPEDINO, Gustavo. ARBITRAGEM E AUTONOMIA PRIVADA: A IMPORTÂNCIA DA BOA-FÉ OBJETIVA NA DELIMITAÇÃO DO CONSENTIMENTO, Revista Quaestio Iuris, vol. 09, nº. 01, Rio de Janeiro, 2016. pp. 604-619. Igualmente vide: TJ/SP, 33ª Cam Dir Priv, Apel 1017500-23.2014.8.26.0309, j. 27.11.2017, unânime; TJ-SP, 1ª Cam Res Dir Emp, Apel 1010893-44.2016.8.26.0011, j. 3/8/17, unânime; TJ-RS, 15ª CC, Apel 70062721501, j. 27/5/15, unânime.

TJ-SP, 1ª Cam Res Dir Emp, Apel 1004199-59.2016.8.26.0011, j. 3/5/17, unânime.

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Colunistas

Marcelo Bonizzi é professor doutor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP/Largo São Francisco. Autor de livros e artigos. Pós-doutor pela Faculdade de Direito de Lisboa. Procurador do Estado de São Paulo. Atua como árbitro (FIESP/CAMES E CAMESC).

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira é procurador do Estado de São Paulo. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor do Programa de doutorado e mestrado em Direito da UNAERP. Professor convidado de cursos de pós-graduação. Membro de listas de árbitros de diversas Instituições Arbitrais. Foi membro da Comissão Especial de Arbitragem do Conselho Federal da OAB. Autor de livros jurídicos. Coordenador Acadêmico do site Canal Arbitragem.