Reiteramos o que dissemos no primeiro artigo desta coluna que a jurisdição arbitral é prestigiada pela interpretação do Superior Tribunal de Justiça, tanto que Ministros da Corte da Cidadania destacam o crescente papel da arbitragem como mecanismo de solução de conflitos1.
Em setembro de 2021 a terceira turma do STJ2 reafirmou dois entendimentos consolidados sobre arbitragem:
i) é possível a “cumulação de motivos de nulidade em sede de impugnação, desde que o impugnante ofereça a defesa dentro do prazo de 90 (noventa) dias a contar da notificação da sentença arbitral”, aplicando julgado da Terceira Turma do STJ3. Desta forma prestigia-se a celeridade, efetividade e segurança jurídica das partes signatárias do compromisso arbitral, conforme salienta o julgado em comento.
Esta é a tese que adotamos em nosso livro, com as vênias aos defensores da tese contrária. Ultrapassado o prazo não há falar-se em possibilidade de impugnação4, evitando-se que a coisa julgada fique sujeita a impugnação eternamente, em afronta ao princípio da segurança jurídica5, elemento essencial do Estado Democrático de Direito6.
ii) o Judiciário não está autorizado a proceder a modificação do mérito da sentença arbitral, afirmaram os ministros que: “a pretensão postulada em juízo de especificar a responsabilidade individual de cada consorciada refoge do mérito decidido pelo Tribunal arbitral, que acabou por firmar a responsabilidade solidária das consorciadas, requeridas no procedimento arbitral”, certo que este tema nem foi objeto do pedido de esclarecimentos, conforme salientado no acórdão.
A tese sobre a impossibilidade da revisão do mérito da sentença arbitral foi adotada desde 1956 pela primeira turma do STF7 e reafirmada em diversos julgados recentes8, inclusive em sede de impugnação de cumprimento de sentença, embargos à execução ou exceção de pré-executividade9, também diante de sentença arbitral que homologava acordo firmado entre as partes10.
Peter Sester salienta que a não correção do mérito da sentença arbitral pelo Judiciário tem contribuído para o sucesso da arbitragem11.
Portanto, o presente julgado constitui mais um do rol daqueles que confirmam o fortalecimento da arbitragem no Brasil e o seu prestígio pelo STJ.
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1 Conforme notícia intitulada “A jurisdição arbitral prestigiada pela interpretação do STJ”, extraída do site do Superior Tribunal de Justiça. Disponível aqui.
2 REsp 1.862.147/MG, relator ministro Bellizze.
3 REsp 1.900.136/SP, relator ministro Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 06.04.2021. Consta do informativo 691 do STJ: “A declaração de nulidade da sentença arbitral pode ser pleiteada, judicialmente, por duas vias: (i) ação declaratória de nulidade de sentença arbitral (art. 33, § 1º, da lei 9.307/96) ou (ii) impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (art. 33, § 3º, da lei 9.307/96). Se a declaração de invalidade for requerida por meio de ação própria, há também a imposição de prazo decadencial. Esse prazo, nos termos do art. 33, § 1º, da Lei de Arbitragem, é de 90 (noventa) dias. Sua aplicação, reitera-se, é restrita ao direito de obter a declaração de nulidade devido à ocorrência de qualquer dos vícios taxativamente elencados no art. 32 da referida norma. Assim, embora a nulidade possa ser suscitada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, se a execução for ajuizada após o decurso do prazo decadencial da ação de nulidade, a defesa da parte executada fica limitada às matérias especificadas pelo art. 525, § 1º, do CPC/15, sendo vedada a invocação de nulidade da sentença com base nas matérias definidas no art. 32 da lei 9.307/96”.
4 Nesse sentido: Enunciado 10 da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios. “O pedido de declaração de nulidade da sentença arbitral formulado em impugnação ao cumprimento da sentença deve ser apresentado no prazo do art. 33 da lei 9.307/96”, disponível aqui.
5 A imutabilidade da coisa julgada visa garantir a certeza do direito e estabilidade das relações jurídicas, dos quais decorrem o princípio da segurança jurídica que significa: “À implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações interhumanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da conduta. Tal sentimento tranqüiliza os cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza. Concomitantemente, a certeza do tratamento normativo dos fatos já consumados, dos direitos adquiridos e da força da coisa julgada, lhes dá a garantia do passado. Essa bidirecionalidade passado/futuro é fundamental para que se estabeleça o clima de segurança das relações jurídicas” , Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, p. 92. “Além de tudo, como conclui Radbruch, um direito incerto é também um direito injusto, pois não é capaz de assegurar a fatos futuros tratamento igual”, ministro Moreira Alves, STF, Ação Declaratória de Constitucionalidade 1-1/DF.
6 Nelson Nery Júnior aponta: “a doutrina mundial reconhece o instituto da coisa julgada material como elemento de existência do estado democrático de direito (v.g. Katharina Sobota, Das Princip Rechtsstaat, Mohr, Tübíngen, 1997, p. 179 ss; Philip Kuning, Das Rechtsstaatsprinzip, Mohr, Tübíngen, 1986; Maurer, Kontinuitätsgewähr und Vertrauensschutz, in Josef Isensee & Paul Kirchhof [coordenadores], “Handbuck des Staatsrechts”, v. III, Heidelberg, 1988, p. 211 ss, especialmente n. 100, p. 269 ss; Schwab-Gottwald, Verfanssung, II, 5, p. 28).Quando se fala da intangibilidade da coisa julgada, não se deve dar ao instituto tratamento jurídico inferior, de mera figura do processo civil, regulada por lei ordinária, mas, ao contrário, impõe-se o reconhecimento da coisa julgada com a magnitude que lhe é própria, ou seja, de elemento formador do estado democrático de direito, que não pode ser apequenado por conta de algumas situações, velhas conhecidas da doutrina e jurisprudência”, CPC Anotado, op. cit., p. 791.
7 Já antes da atual Lei de Arbitragem, quando era exigida homologação da sentença arbitral pelo Poder Judiciário, o STF sufragou entendimento de ser descabida reanálise do mérito da sentença arbitral pelo juízo estatal (STF, 1ª T., RE 32.226, j. 16.08.1956, unânime).
8 STJ, AREsp 1.662.996, j. 3/8/20, monocrática | STJ, 4ª T., AgInt 1.566.306, j. 30.03.2020, unânime; STJ, 3ª T., AgInt 1.143.608, j. 18.03.2019, unânime; STJ, 3ª T., REsp 1.636.102, j. 13/6/17, unânime; STJ, AREsp 404.752, j. 30/8/16, monocrática; TJ/GO, 5ª CC, AI 5.637.901-41.2020.8.09.0000, j. 1/3/21, unânime; TJ/PR, 4ª CC, AI 0051089-46.2020.8.16.0000, j. 26.02.2021, unânime; TJ/SP, 2ª Cam Res Dir Emp, AI 1118383-81.2018.8.26.0100, j. 1/12/20, monocrática; TJGO, 1ª CC, apel. 5021737-96.2017.8.09.0051, j. 23/11/20, unânime; TJSP, 2ª Câm Res Dir Emp, AI 2193202-10.2020.8.26.0000, j. 27/10/20, unânime.
9 STJ, REsp 1.865.591, j. 10/6/20, monocrática; TJ/GO, 1ª CC, AI 5495629-24.2020.8.09.0000, j. 15/3/21, unânime; TJSP, 31ª Cam Dir Priv, AI 2103984-05.2019.8.26.0000, j. 22/9/20, unânime; TJSP, 33ª Câm Dir Priv, AI 2198020-05.2020.8.26.0000, j. 2/9/20, unânime; TJGO, 3ª CC, AI 5067862-76.2020.8.09.0000, j. 28.07.2020, unânime.
10 STJ, AREsp 1.580.104, j. 12/3/20, monocrática; TJ/GO, 4ªCC, Apel. 5154856-07.2019.8.09.0174, j. 8/3/21, unânime; TJ/GO, 5ª CC, Apel 0366890-09.2013.8.09.0051, j. 30/3/20, unânime; TJ/GO, 3ª CC, Apel 0119922.13.2016.8.09.0175, j. 7/5/19, monocrática; TJ/GO, 4ª CC, AI 5366577-77.2017.8.09.0000, j. 30/11/17, unânime. No Tribunal de Justiça de São Paulo vide: “Cumprimento de sentença - Restituição de valores - Acordo arbitral homologado por sentença –[...] Rediscussão dos termos do acordo arbitral e revisão do contrato firmado entre as partes que não pode ser admitida - Trânsito em julgado da sentença arbitral - Reexame de mérito que resta vedado, sob pena de violação ao princípio da coisa julgada” (TJ/SP, Apel. 1025695-49.2018.8.26.0602, Rel. Des. José Joaquim dos Santos, j. 30/9/20).
11 SESTER, Peter Christian, Comentários à Lei de Arbitragem e à Legislação Extravagante, São Paulo, Quartier Latin, 2020, p. 49.