A informalidade não é incomum nas relações empresariais. Não decorre somente do fato de que o Brasil é um país em desenvolvimento, porque entre as suas causas também pode ser reconhecido um fenômeno próprio e inerente às características do direito comercial, como se pode dizer da velocidade dos negócios e do permanente processo de desenvolvimento de novas técnicas da atividade empresarial, assim como da mais ampla aplicação dos usos e costumes que se verifica no direito privado. No campo societário, todavia, a informalidade representa um grave problema, especialmente – é o tema deste artigo – em relação à prova da existência da sociedade.
É inegável que a prova da existência da sociedade encontra primazia no documento escrito (contrato). E o Código Civil parece que bem considerou a prova escrita para estabelecer uma distinção importante. A sociedade em comum (aquela que não está no registro público de empresas) é considerada irregular quando o contrato escrito não foi levado a registro. Todavia, a sociedade em comum é considerada simplesmente uma sociedade de fato, quando não há contrato escrito.
A distinção está somente no plano da eficácia perante terceiros, como bem assinalado por Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França: "A sociedade em comum, portanto, é uma sociedade como qualquer outra, diferenciando-se das demais única e exclusivamente no plano da eficácia".1
De acordo com o art. 987 do CC, só é permitido provar a sociedade em comum em relação a outro sócio por escrito. Somente aos terceiros a lei não restringe a prova.2 Surge naturalmente deste dispositivo do Código Civil questões envolvendo a prova da sociedade entre os sócios por outros meios, quando não há contrato escrito. E em relação aos terceiros (mais não só) preocupa a incerteza sobre quais as provas que podem ser apresentadas quanto à existência da sociedade.
A relação existente entre pessoas que desenvolvem a atividade empresária pode determinar inúmeras situações. Nem sempre haverá sociedade entre elas. É preciso, portanto, fazer a prova da existência dos elementos essenciais da sociedade empresária quando não há contrato de sociedade escrito.
Pode-se anotar, desde logo, entre os elementos essenciais da sociedade, a participação nos lucros (art. 1.008, CC) – partilha de resultados, e a participação no capital (a contribuição em serviços só é admitida para a sociedade simples – art. 997, V, CC) – contribuição. Recai sobre esses dois elementos essenciais a caracterização da organização societária contratual. Não há sociedade sem o atendimento a estes dois elementos (capital e participação nos resultados).
Oportuna a advertência de Carvalho de Mendonça, anotada e reiterada por Erasmo Valladão: "a prova da "sociedade irregular" deve ser a mais completa possível e "formada com muita segurança, mormente quando se trata de arrastar à falência alguém que se tem como sócio". Advertia ele que sobre os indícios enumerados no art. 305 deveria prevalecer sempre a verdade dos fatos. Vale dizer: para impelir alguém à falência, deverá ser provada, ainda que por algum meio, a contribuição com bens ou serviços para o exercício da atividade empresarial comum com outro ou outros sócios, bem como a partilha de resultados (lucros e perdas) entre eles – elementos estruturais do contrato de sociedade, em face do que dispõe o art. 981 do Código Civil".3
É preciso, também, demonstrar que as pessoas que são reputadas como sócias se apresentam aos terceiros como sócios efetivamente. A não comprovação desta relação externa do sócio, exigida na sociedade em comum, poderia dar lugar ao reconhecimento da sociedade em conta de participação.4 Recai justamente nesta vida externa da sociedade, que se apresenta como se fosse uma sociedade regular (embora não seja), a característica mais marcante da sociedade em comum, para distingui-la da sociedade em conta de participação, de vida secreta e desconhecida de terceiros.5
Na sociedade em conta de participação, somente o sócio ostensivo é que responde pelas obrigações da sociedade, porque contraídas em seu nome. Ao sócio participante, que não praticou atos de administração da sociedade, a lei estabelece responsabilidade limitada ao investimento.6 É o que basta dizer para se ter em conta a enorme relevância da distinção.
Entre os sócios a prova da sociedade deve ser feita por escrito. O rigor da aplicação do art. 987 do CC não pode servir, como bem assinalado em decisão paradigmática do Superior Tribunal de Justiça, pelo voto da Ministra NANCY ANDRIGHI, a "resguardar iniquidades ou privilegiar comportamentos desleais entre as partes que atuam, conjuntamente, à margem da regularidade, porém licitamente no desempenho da atividade empresarial." (REsp n. 1.430.750/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/8/2014, DJe de 8/9/2014).
Acrescenta-se na fundamentação deste importante precedente do STJ o seguinte: "convém ressaltar que o Código Civil de 1916 trazia redação bastante semelhante, ainda que não idêntica. Dizia o art. 1.366: "nas questões entre os sócios, a sociedade só se provará por escrito; mas os estranhos poderão prova-la de qualquer modo." Assim, a ideia da necessidade de prova escrita advinha da antiga legislação, sobre a qual o STJ já se manifestou para flexibilizar a regra (nesse sentido: REsp 178.423/GO, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, 3ª Turma, DJ 04/09/2000; REsp 43.070/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, 3ª Turma, DJ 13/06/1994; REsp 45.858/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ª Turma, DJ 10/10/1994)."
Em arremate se assentou naquele precedente: “Essa conclusão tem sentido à medida em que, restringir a prova da sociedade de fato apenas a documentos escritos resultaria no esvaziamento do instituto em si, que decorre, em regra, de mera situação fática. Em consequência, se permitiria albergar o enriquecimento sem causa, tão repudiado pelo sistema jurídico brasileiro.”
Essas curtas anotações sobre o tema da prova da sociedade em comum bem ressalta a fundamental importância da boa interpretação da Lei pelos Tribunais, no julgamento dos litígios envolvendo a sociedade de fato, e recomenda a sensível orientação do Superior Tribunal de Justiça para evitar o aproveitamento de um sócio em relação a outro, porque não lhe foi admitido fazer a prova da sociedade entre eles.
E a prova, não temos dúvida em afirmar, deve ser a mais ampla possível, admitindo documentos circunstanciais, perícias e testemunhas. A questão da prova da existência da sociedade de fato, portanto, está mais para a valoração do que para a escolha ou restrição dos meios. Essa interpretação é mais um exemplo do direito vivente do qual falamos na primeira edição desta coluna.
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1 Foi nesse sentido que Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França concluiu o excelente estudo que desenvolveu para a livre-docência na Universidade de São Paulo. A Sociedade em Comum. Editora Malheiros, 2013, p. 176. Há na doutrina efetivamente uma distinção entre sociedade de fato (aquela que não tem contrato escrito) e sociedade irregular (aquela que tem contrato escrito, mas não registrado). Essa distinção encontra ressonância no art. 987 do CC a respeito da prova da sua existência.
2 A respeito, a nota de Alfredo de Assis Gonçalves Neto: "A partir do art. 987 pode-se dizer que a sociedade em comum insuscetível de comprovação escrita é uma sociedade de fato, que se caracteriza pelas circunstâncias de os sócios não terem como invocar as relações jurídicas que possam ter ajustado entre si ou com terceiros. Dela diferencia-se a sociedade irregular, também sociedade em comum, porque sem registro, em que há prova escrita de sua existência (contrato ou qualquer outro documento que revele o ajuste), que faculta aos sócios invocar as relações jurídicas documentadas entre si ou havidas com terceiros." (Direito de Empresa – Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. Editora Revista dos Tribunais. 7ª ed., p. 181.). E a restrição da prova se justifica em razão da insegurança que a falta do registro acarreta. Daí a observação do autor: "[s]em preencher as formalidades que o ordenamento impõe para que atue como ente personificado, essa sociedade (massa patrimonial e pessoas) precisa de contenção e não deve ser chancelada sua ação, senão para a proteção de terceiros que com ela contratam ou que com ela se envolvem e, na medida do possível, dos que dela participam sem administrá-la." (op. cit., p. 177).
3 Op. cit., p. 133. A referência no texto é feita ao art. 305 do Código Comercial, que tinha a seguinte redação: “Art. 305. Presume-se que existe ou existio sociedade, sempre que alguem exercita actos proprios de sociedade, e que regularmente se não costumão praticar sem a qualidade social. Desta natureza são especialmente: 1. Negociação promiscua e commum. 2. Acquisição, alheação, permutação, ou pagamento commum. 3. Se hum dos associados se confessa socio, e os outros o não contradizem por huma fórma publica. 4. Se duas ou mais pessoas propõe hum administrador ou gerente commum. 5. A dissolução da associação como sociedade. 6. O emprego do pronome nós ou nosso nas cartas de correspondencia, livros, facturas, contas e mais papeis commerciaes. 7. O facto de receber ou responder cartas enderessadas ao nome ou firma social. 8. O uso de marca commum nas fazendas ou volumes. 9. O uso de nome com a addição - e companhia. A responsabilidade dos socios occultos he pessoal e solidaria, como se fossem socios ostensivos (art. 316).”
4 Vale lembrar, como foi registrado por João Pedro Scalzilli e Luis Felipe Spinelli, que a distinção entre a sociedade em comum e a sociedade em conta de participação tem absoluta relevância pelos efeitos mais gravosos da sociedade em comum. Apoiados em doutrina estrangeira, anotam que, de acordo com o critério aplicado pela jurisprudência italiana da época, em caso de dúvida, é melhor qualificar a sociedade em exame em sociedade em conta de participação em decorrência dos graves efeitos que decorreria para o sócio capitalista na outra hipótese (op. cit., p. 133).
5 Nesse sentido a opinião de Waldemar Ferreira (Tratado de Direito Comercial. 3º vol, Saraiva, 1961, p. 539).
6 A clara explicação de João Pedro Scalzilli e Luis Felipe Spinelli não deixa dúvida a respeito: “Ao sócio ostensivo cabe exercer a atividade prevista no objeto social em seu nome próprio e por sua conta e risco; ele é o protagonista da operação, o senhor do negócio, e como tal o dirige. Ao sócio participante resta, em princípio, tão somente fornecer parte dos meios necessários para possibilitar a exploração do negócio – leia-se investir na atividade –, não se responsabilizando pessoalmente pelo eventual insucesso na operação perante terceiros. Daí a menção de Francesco Galgano no sentido de ser o participante um financiador externo da empresa, um investidor de capital que expõe o próprio aporte aos riscos do negócio explorado por terceiro. Tal situação põe em evidência duas facetas da conta de participação: a externa e a interna, o que faz com que possua a SCP uma estrutura legal tanto quanto diferente das outras espécies societárias”. (Sociedade em Conta de Participação. Ed. Quartier Latin, 2015, p. 67).