Ainda hoje, entre locadores e locatários, há muitas dúvidas sobre o regime jurídico da contratação da locação por tempo determinado e por tempo indeterminado. O desconhecimento do regime jurídico da locação urbana pode trazer surpresas aos contratantes. De outra parte, o mercado da locação urbana mudou bastante nos últimos anos e novas demandas se apresentaram, mas a lei 8.245/91 não foi atualizada nesse ponto. Em 2020 tive a honra de participar da grande obra, coordenada por Jaques Bushatsky e Rubens Carmo Elias Filho (Locação ponto a ponto: comentários à lei 8.245/91), publicada pela Editora IASP, na qual escrevi algumas notas sobre esse tema. Na primeira edição desta Coluna em 2023, pretendemos trazer ao público nossas anotações a respeito do art. 46 da Lei n. 8.245/91, com o propósito de esclarecer as dúvidas e orientar a contratação.
SEÇÃO I
Da locação residencial
Art. 46. Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso.
§ 1º Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato.
§ 2º Ocorrendo a prorrogação, o locador poderá denunciar o contrato a qualquer tempo, concedido o prazo de trinta dias para desocupação.
1. Desde logo se deve atentar para o título desta seção da lei (Da locação residencial) a indicar a restrita aplicação do quanto disposto à locação residencial.
Em dois dispositivos (arts. 46 e 47) a lei estabeleceu um regime distinto para a locação residencial. A diferença de regime está fundada essencialmente na forma e no tempo da contração. Para a locação residencial contratada por escrito e por tempo determinado igual ou superior a trinta meses, aplica-se o art. 46. Para a locação residencial contratada verbalmente ou por escrito por tempo inferior a trinta meses, aplica-se o art. 47. Procurou a lei estimular a contratação por escrito e com prazo igual ou superior a trinta meses, favorecendo o locador, neste caso, quanto ao direito de retomada do imóvel. O intérprete deve estar atento a estes dois regimes diferentes.
Estes dois dispositivos (arts. 46 e 47), sem dúvida, foram determinantes no equilíbrio tão difícil nas relações locatícias residenciais, porque reintroduziu a possibilidade de denúncia vazia na locação residencial, prorrogada por tempo indeterminado, não permitida pela lei anterior (lei 6.649/79), e deu ao contrato por tempo determinado, igual ou superior a trinta meses, o efeito natural que tem o advento do termo, que é a sua extinção, malgrado utilizada a expressão resolução, que no direito contratual tem outro significado técnico (extinção do contrato por inadimplemento).
2. Vencidos os trinta meses de locação contratados por escrito, o locador tem trinta dias para manifestar a sua oposição à continuidade do contrato, sob pena de prosseguir a locação, agora prorrogada por tempo indeterminado. Adotou a lei expressamente a técnica da prorrogação do contrato se a relação locatícia continuar ao final do termo previsto (trinta meses), sem oposição do locador. Ao locador que não desejar a prorrogação da locação, cabe manifestar a sua oposição até trinta dias do termo do contrato. Essa oposição, que não é preciso ser motivada e decorre exclusivamente da conveniência do locador, pode ser feita extrajudicialmente, por aviso ou notificação, ou manifestada diretamente pelo pedido judicial de despejo, ajuizado nos trinta dias do vencimento do contrato. Já se entendeu que esse prazo é peremptório e não admite prorrogação (JTA-Lex 156/384).
Nesta hipótese de oposição à continuidade da locação não se tem uma denúncia do contrato, cuja extinção se operou com o termo. A denúncia, como meio de exercer o direito à resilição do contrato, se refere evidentemente ao contrato em curso, que não é o caso. Essa oposição é um aviso de que o locador não deseja prorrogar a locação, já vencida. Quando não promovida a oposição, ou a equivalente ação direta de despejo pela extinção da locação, ocorrerá, na expressão de Francisco Carlos Rocha de Barros, "a ressureição do vínculo locatício".1
A oposição manifestada pelo locador antes de vencido o prazo do contrato não tem o efeito de impedir a prorrogação da locação, se nos trinta dias seguintes ao seu vencimento o locador não se manifestar pela efetiva oposição, porque a prorrogação da locação só pode ocorrer depois de vencido o prazo, e não antes. Logo, a notificação anterior não tem nenhum efeito. Ademais, esta notificação somente reitera o termo já escrito no contrato e não dispensa a exigida e formal oposição no momento seguinte ao seu vencimento.
Não se pode ajustar no contrato de locação cláusula prevendo a não prorrogação, ou cláusula que estabeleça que a prorrogação depende de consentimento escrito do locador, porque cláusulas desta natureza são conflitantes com o texto da lei e, por consequência, são nulas (art. 45) (STJ – AgRgREsp 1.025.059, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 02.03.2010, Dj. 29.03.2010).
Deve ser lembrado que o recebimento do aluguel nos trinta dias seguintes ao vencimento do contrato não é sinal de prorrogação da locação, porque é direito do locador e obrigação do locatário (STJ – REsp 20.559-5, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 27.04.92, Dj. 18.05.92). O que prorroga a locação, objetiva e tacitamente, é a falta de oposição do locador à sua continuidade até trinta dias do vencimento do contrato.
3. No caso de prorrogação da locação por tempo indeterminado, decorrente da falta de oposição do locador, quando contratada por escrito e com prazo igual ou superior a trinta meses, a lei facultou ao locador denunciar o contrato a qualquer tempo, concedido o prazo de trinta dias para a desocupação. Essa verdadeira denúncia é direito potestativo do locador para o fim de resilir o contrato, e pode ser levada a efeito por uma notificação ou aviso, judicial ou extrajudicial, concedendo ao locatário o prazo de trinta dias para a desocupação.
A lei se refere em outro momento ao "aviso por escrito" (art. 6º) como forma de denúncia do contrato (embora para a denúncia do locatário). Esse aviso por escrito (forma escrita), portanto, é a forma que melhor atende ao que exige a lei para formalizar a denúncia da locação em qualquer hipótese.
Não obstante a forma preconizada, a jurisprudência empresta efeitos à denúncia promovida por outro meio, quando ela alcança o seu fim, que é levar ao conhecimento do locatário o desejo do locador de não continuar a locação e lhe conceder trinta dias para a desocupação. Esse entendimento ganha relevância atualmente diante dos meios eletrônicos de comunicação, mas não pode haver dúvida alguma sobre o conhecimento do destinatário.
Há também entendimento no sentido de que a notificação promovida por procurador sem comprovação dos poderes, depois ratificada com a propositura da ação de despejo, atende ao quanto exigido neste dispositivo, porque ineficaz deve ser reputado o ato não ratificado (Sum. 22 do TJSP).
Não atendida a notificação que rompe a locação prorrogada por tempo indeterminado, o locador poderá ingressar com ação de despejo imotivada, fundada exclusivamente na denúncia vazia e consequente extinção (resolução) do contrato (Sum. 21 do TJSP). Ocorre neste caso tecnicamente a resilição unilateral do contrato. Cabe lembrar que, seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo (art. 5º).
A lei não estabeleceu prazo para o ingresso da ação de despejo depois da notificação, podendo ser ajuizada a qualquer tempo (Sum. 23 do TJSP). Todavia, a demora excessiva na propositura da ação pode significar a prorrogação da locação, o que impõe o exame dos fatos (STJ – REsp 37.621-0, rel. Min. Costa Lima, j. 12.05.93, Dj. 31.05.93; AgRg no AgIn n. 1.027.368-SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 10.06.2008, Dj. 04.08.2008)
Quanto a essa demora do agir do locador não se deve deixar de atentar para o prazo de 90 dias que a lei concede para a ação de despejo, depois da notificação do inquilino, em outras duas hipóteses de denúncia imotivada (arts. 8º e 9º), que bem pode ser considerado pelo intérprete, por analogia, para esse fim.
E muito importante notar que para os contratos com prazo inferior a trinta meses, ou firmados verbalmente, a lei não assegura ao locador a possibilidade de resilição unilateral pela denúncia imotivada antes de cinco anos de vigência (art. 47, V).
A lei atual permitiu, com o dispositivo em referência, a retomada imotivada do imóvel, desde que o contrato tenha vigência mínima de trinta meses. Cabe lembrar que para esse fim não se admite a soma do tempo dos contratos. É preciso que um único instrumento escrito tenha prazo igual ou superior a trinta meses (STJ – REsp n.1.364.668-MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 07.11.2017, Dj. 17.11.2017).
Também não atende ao quanto disposto na lei aceitar a denúncia imotivada para contratos com prazo inferior a trinta meses, celebrados na sequência de outro que foi firmado por trinta meses. O segundo contrato é uma nova contratação, que não pode ser entendida como prorrogação da anterior. Nem se pode falar em direito adquirido do contrato extinto que se projeta a outro seguinte.
4. Procurou a lei, com estes dois dispositivos (arts. 46 e 47), estabilizar a locação residencial e estimular contratos mais longos, com prazo igual ou superior a trinta meses, prevenindo litígios que se verificaram na vigência da lei anterior por conta da impossibilidade da retomada do imóvel sem motivo. Não era incomum o locador pedir a retomada do imóvel para uso próprio ou simular outro motivo com o fim de contornar o impedimento da lei anterior para a chamada denúncia vazia. A lei encontrou o equilíbrio da relação ao assegurar a denúncia vazia condicionada.
Este regime definido no art. 46 acabou modelando, no mercado, as locações residenciais urbanas desde a vigência da lei 8.245/91, e foi determinante para trazer a estas relações locatícias, tão sensíveis, o mínimo de estabilidade e segurança.
No entanto, as condições do mercado se modificaram e hoje a lei se ressente de um regime jurídico mais adequado aos interesses das partes em contratos mais curtos. É comum se estabelecer hoje a liberação da multa do locatário em contratos de trinta meses, caso o locatário faça a restituição do imóvel antes do termo (ex. dose meses; dezoito meses). É uma forma criativa, legal, e que nunca foi proibida, de ajustar a vontade das partes ao que estabeleceu a lei. Todavia, há espaço hoje para mais liberdade das partes na contratação da locação e seria benvinda uma modificação que pudesse reduzir o tempo mínimo de locação a dezoito ou doze meses, assegurada a denúncia fazia em caso de prorrogação, atendendo melhor aos interesses de ambas as partes e às condições econômicas do mercado.
5. Para as locações mistas, comerciais e residenciais, tem prevalecido o entendimento de que se deve identificar a natureza preponderante da locação para estabelecer o regime de retomada do imóvel. Quando a locação é não residencial, e a residência é acessória, cabe a qualquer tempo a denúncia vazia do contrato de locação vencido, mesmo quando o contrato é inferior a trinta meses (art. 57). Ao contrário, se a locação é preponderantemente residencial, permitindo-se ao locatário usar parte do imóvel para o comércio, deve ser aplicado o regime dos arts. 46 e 47 da lei. O contrato escrito pode bem definir a natureza preponderante da locação.
A locação verbal presume-se por tempo indeterminado. É o entendimento da doutrina que foi afirmado em antigo enunciado (Súm. 24 do TJSP). É uma presunção relativa, mas difícil de ser vencida. Por isso a Lei 8.245/91 não admite prova em sentido contrário, presumindo-se, de forma absoluta, por tempo indeterminado, a locação contratada verbalmente. O disposto no artigo em referência (art. 46) só pode ser aplicado aos contratos com termo certo, o que não ocorre nos contratos verbais. Em consequência, o art. 46 só pode ser aplicado aos contratos escritos por tempo igual ou superior a trinta meses, como consta expressamente do caput.
Para as locações residenciais celebradas anteriormente à Lei n. 8.245/91, há previsão específica para a denúncia da locação (arts. 77 e 78). A lei prevê, ainda, outras hipóteses de denúncia da locação (art. 6º; art. 7º, par. único; art. 8º, caput, § 2º; art. 50, par. único; e art. 57).
6. É importante lembrar que há um outro caso de denúncia vazia da locação previsto fora da Lei 8.245/91, estabelecida na regulação da alienação fiduciária pela Lei 9.514/97. Com a consolidação da propriedade, estabelece o art. 27, § 7º, da lei 9.514/97, o seguinte: "Se o imóvel estiver locado, a locação poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver havido aquiescência por escrito do fiduciário, devendo a denúncia ser realizada no prazo de noventa dias a contar da data da consolidação da propriedade no fiduciário, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica."
Não cabe a denúncia vazia se o contrato de locação é anterior à alienação fiduciária, quando o contrato de locação foi averbado na matrícula imobiliária, com cláusula de vigência em caso de alienação.
7. Há um efeito importante, e nem sempre notado, a respeito do vencimento da locação quando o locador se opõe à sua prorrogação nos trinta dias seguintes ao vencimento do contrato, ou quando vencido o prazo concedido para restituição do imóvel pela denúncia da locação, que está prorrogada por tempo indeterminado. É que o locatário se vê constituído em mora nestas duas hipóteses e, consequentemente, responde pelos efeitos da mora, o que tem reflexo sobre os riscos incidentes sobre a coisa (perda ou deterioração) e sobre a posse, que passa a ser injusta e de má fé pelo vício da precariedade que encerra. Haverá efeitos sobre as benfeitorias e acessões, assim como sobre eventual direito de retenção, caso admitida a indenização pelo contrato (arts. 35 e 36).
8. Por fim, estabeleceu o art. 61 que o locatário poderá concordar com o pedido de despejo fundado na denúncia vazia da locação que foi prorrogada por tempo indeterminado, ganhando seis meses para a desocupação: "Nas ações fundadas no § 2º do art. 46 e nos incisos III e IV do art. 47, se o locatário, no prazo da contestação, manifestar sua concordância com a desocupação do imóvel, o juiz acolherá o pedido fixando prazo de seis meses para a desocupação, contados da citação, impondo ao vencido a responsabilidade pelas custas e honorários advocatícios de vinte por cento sobre o valor dado à causa. Se a desocupação ocorrer dentro do prazo fixado, o réu ficará isento dessa responsabilidade; caso contrário, será expedido mandado de despejo."
Esse prazo de seis meses, embora importante para inibir o litígio, se mostra hoje excessivo e bem poderia ser reduzido pelo legislador, porque a lei já concedeu ao locatário 30 dias para a desocupação, a partir da notificação ou aviso. Conceder outro prazo se revela um erro técnico, porque torna sem efeito aquele da notificação. Melhor seria alargar o prazo para atender à denúncia levada a efeito pela notificação e eliminar a hipótese do art. 61 para os contratos prorrogados por tempo indeterminado.
Na próxima edição desta Coluna vamos tratar do art. 47 da Lei n. 8.245/91, que regula locação verbal e a locação contratada com prazo inferior a trinta meses.
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1 Comentários à lei do inquilinato : Lei n. 8.245, de 18-10-1991, doutrina e jurisprudência do STJ, TACSP, TAMG, TACRJ e TARS, artigo por artigo. São Paulo : Saraiva, 1995, p. 20.4