É comum encontrar o uso da expressão “grupo econômico” para justificar a desconsideração da personalidade jurídica ou a responsabilização de outra sociedade pelo cumprimento da obrigação. O que é grupo econômico?
As coligações societárias são relações entre sociedades comerciais que interessam ao direito pela dependência ou risco de dependência que podem ocorrer entre as sociedades.
Em geral, a atenção se volta a um tipo de coligação mais forte e intensa, no qual há efetivamente dependência, que é a figura do grupo de sociedades, expressão que encontra equivalente na Alemanha em Konzern, na Itália em Gruppo de Società, na França em Groupe de Societés, e na língua inglesa em Groupe of Companies.
Na doutrina, a coligação de sociedades pode se dar quando as sociedades estão em relação de participação (no capital, no voto ou na designação de administradores). Essa participação pode ocorrer de forma unilateral ou bilateral (recíproca). A participação unilateral pode ser dominante (parcial ou total) ou não dominante, e ainda se pode dizer que essa participação se dá desde o início (desde a constituição da sociedade) ou de forma superveniente.
A coligação ainda pode ocorrer quando as sociedades estão em relação contratual, ou por contrato de subordinação ou por contrato paritário.
O grupo de sociedades se define por uma relação de domínio ou por contrato. Não há dúvida de que há grupo de sociedades quando a relação é de domínio total ou quando se tem um contrato de subordinação ou de grupo paritário.
Dúvida pode haver na definição de grupo em relação a outras formas de coligação, especialmente quando se verifica o domínio parcial, se é que o domínio objetivamente pode ser graduado. É a participação no capital social da sociedade dependente que pode ocorrer de forma parcial ou por inteiro. Os grupos de fato ocupam quase sempre esse terreno, ou seja, o campo do domínio parcial.
As sociedades em relação de participação, que é definida pela participação societária de uma sociedade em outra (participação simples) ou participações recíprocas, não revelam, a partir exclusivamente da participação societária, a existência de uma relação de grupo.
No caso de participação recíproca há o risco de redução do capital social, porque a participação de uma sociedade em outra tem o efeito de anular efetivamente o capital envolvido, prejudicando os sócios e credores quanto à garantia de intangibilidade do capital. Há outro aspecto negativo dessa participação recíproca que diz respeito ao controle igualmente recíproco dos órgãos de deliberação e administração. Admite-se na lei portuguesa que esta participação recíproca ocorra até 10% do capital. Acima deste valor, os direitos decorrentes da participação adquirida ficam suspensos (Arts. 484.º e 485.º, CSC). No Brasil há vedação e suspensão do direito de voto (arts. 244 e seg., LSA).
No direito alemão as participações recíprocas são previstas pela AktG (§ 19). É uma espécie de participação recíproca qualificada, porque se refere a participação superior a 25% do capital das sociedades e não afasta a hipótese de grupo quando ocorrer participação maioritária ou poder de influência de uma sociedade sobre outra.
A coligação societária mais interessante ocorre quando as sociedades se encontram em relação de domínio. Essa relação de domínio pode ser entendida como suficiente para a identificação de uma relação de grupo. Há uma relação de domínio quando uma sociedade pode exercer diretamente sobre outra sociedade, ou por outra pessoa ou sociedade, influência dominante. Essa influência dominante não é um conceito preciso, mas se caracteriza sempre por pelo poder de controle.
Decorre da influência dominante a dependência societária. Na verdade, a dependência societária pressupõe a influência dominante ou o poder de controle. A relação de domínio pode ser total ou parcial. Na lei brasileira a figura da subsidiária integral (prevista nos arts. 251-253, LSA), constituída integralmente pelo capital de outra sociedade, é hipótese de domínio total.
Há uma outra forma de influência, chamada de relação de grupo paritário, que ocorre quando duas ou mais sociedades aceitam, por negócio jurídico, submeter-se a uma direção unitária e comum, exercida de fora, por outra sociedade. Também pode ser considerada a hipótese em que duas ou mais sociedades ajustam, por contrato, a gestão de suas atividades à direção de outra sociedade. Essa situação é chamada de sociedades em relação de subordinação.
A figura da coligação societária, ainda quando representada pelos contratos de subordinação ou paritários, não pode ser confundida com as relações contratuais coligadas, como ocorre com a formação de consórcios, parcerias ou outras formas de colaboração empresária. Deve-se investigar, portanto, a natureza dessas relações e a extensão da coligação para determinar os efeitos jurídicos produzidos por essa realidade, constituída formalmente ou de fato.
A definição de grupo de sociedades nem sempre tem a relevância que é devida, porque os modelos de regime contratuais, como ocorre no Brasil, reconhecem a existência do grupo não pela natureza jurídica que lhe é apontada na doutrina, mas pelo instrumento jurídico utilizado para a formalização do grupo. Para esses regimes (contratuais), a definição de grupo está implícita na tipologia desses instrumentos previamente estabelecidos pelo legislador (como é o caso da "convenção" no direito brasileiro), de forma que se retira do intérprete, especialmente do intérprete judicial, o poder de sindicar e reconhecer a existência do grupo. Coube ao legislador, no modelo de regime contratual, pré-definir o grupo de sociedades.
Logo, se o grupo de sociedades já se encontra tipificado no regime pelos instrumentos de constituição que foram dados, o conceito e a definição de grupo perdem relevância, de modo que a prévia e formal categorização do grupo não se importa em saber se efetivamente existe no conjunto de sociedades a direção unitária, a dependência econômica e administrativa e a existência de poder de controle. Tudo deixa de ser relevante diante da predefinição de grupo pelo instrumento jurídico utilizado. É o caso do regime brasileiro, que reconhece o grupo a partir da "convenção" (art. 265, LSA).
Para outro modelo de regime, o modelo orgânico, é necessário identificar a existência do grupo para que se possa aplicar a ele o regime legal. Para este modelo, assume significativa importância definir os elementos de identificação do grupo de sociedades. Todavia, é necessário reconhecer, o grupo de sociedades não é fácil de definir, porque é variada a acepção que se lhe pode atribuir de acordo com o critério adotado no regime jurídico aplicável. Em geral, em sentido amplo, se faz uso desta expressão – grupo – para designar o fenômeno intersocietário de controle das sociedades.
Designa-se por grupo de sociedades, em sentido estrito, segundo Engrácia Antunes, todo o conjunto mais ou menos vasto de sociedades comerciais que, conservando embora as respectivas personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram subordinadas a uma direção econômica unitária e comum. Acrescenta o autor, como elementos definidores deste conceito, de um lado, a independência jurídica das sociedades agrupadas, e, de outro lado, a dependência econômica relativamente ao poder de direção da sociedade diretora ou dominante.1
A definição de direção econômica unitária não é enfrentada pelos ordenamentos. A doutrina econômica há identificado três aspectos fundamentais sobre os quais deve recair o poder de direção: planejamento, execução e controle. No âmbito do direito tem sido entendido que o poder de direção unitária se identifica com o planejamento e o controle empresarial, podendo-se afirmar que o planejamento é uma atividade substancial mínima da direção unitária.2
A identificação, portanto, da direção unitária permite definir não só o grupo de sociedades de direito ou contratual, que é aquele formalmente constituído por atos destinados a organizar as atividades das sociedades, mas também os grupos de fato, quando tais atos não existem, mas a direção unitária sim.
O que define a relação de grupo, como uma relação de dependência societária, não é somente o exercício efetivo e concretizado na emissão de instruções, da direção unitária, mas o poder de fazê-lo. Esse poder de controle assume, portanto, absoluta relevância na identificação do grupo de sociedades e o que melhor indica a existência desse poder de controle é a deslocação do poder de direção da sociedade dependente para a sociedade dominante.3
Também a lei britânica (Companies Act 2006), embora não se refira diretamente à noção de grupo de sociedades, acaba por defini-lo indiretamente a partir de uma ideia de poder de controle ou exercício de uma influência dominante. É o que se verifica quando se define a sociedade-mãe e a sociedade-filha (subsidiária) pela detenção maioritária dos direitos de voto na empresa ou o direito de nomear ou destituir a maioria de seu conselho de administração, ou, ainda, pelo direito de exercer influência dominante sobre a sociedade, em virtude de um contrato de controle ou um acordo com outros acionistas ou membros, que lhe dê a maioria dos direitos a voto na empresa.4
Há uma forte resistência da doutrina em reconhecer relação de grupo nos casos de domínio externo (econômico), pois o entendimento prevalecente é no sentido de que o domínio, para caracterizar uma relação de grupo, deve ter a sua fonte na estrutura interna de organização da sociedade, daí a relevância da distinção entre domínio interno e domínio externo.5
A lei brasileira não define precisamente o grupo de sociedades, mas permite identificar a exigência de uma relação de controle para caracterizar o grupo (art. 265, “caput”,LSA).
No Brasil é muito comum encontrar a expressão "grupo econômico", que parece indicar bem o fato de que a unidade econômica das sociedades é considerada para fins de responsabilidade. Na verdade, e de forma técnica, o grupo econômico é sempre grupo de sociedades, coligadas pelo poder de controle. e não grupo de empresas.
O grupo de sociedades não é uma empresa ou grupo de empresas6, mas um conjunto de empresas "encadeadas", e a depender da espécie de grupo, essa relação poderá revelar mais a multiplicidade de elos (empresas) (grupos de fato subordinados), ou mais a unidade do conjunto (grupos contratuais de subordinação e grupos de domínio total). Essa cadeia, diz J.M. Coutinho de Abreu, poderá se verificar verticalmente, quando há uma verdadeira hierarquia entre a sociedade diretora e as demais integrantes do grupo (grupos de subordinação), ou horizontalmente, quando há uma relação paritária entre as sociedades (grupos paritários ou de coordenação), hipótese pouco comum.7
Neste cenário, merece atenção a holding ou sociedade holding.8 A organização grupal da empresa moderna (empresa plurissocietária) tem na holding apenas, como afirma Engrácia Antunes, um modelo jurídico-organizativo para a respectiva cúpula hierárquica, como uma das formas possíveis que pode revestir a sociedade-mãe de um grupo societário.9 Embora a holding seja um forte sinal da existência de um grupo de sociedades, pela possibilidade do exercício de uma direção unitária, é necessário que a participação que ela tem efetivamente nas sociedades participadas lhe possa assegurar esse poder (percentual de quotas ou ações e direito à voto) e que se verifique entre todas elas a direção unitária que identifica o grupo de sociedades, porque mesmo nesse caso poderá haver participação da holding em sociedades que não estão compreendidas na direção unitária ou que são dirigidas em outro sentido, sem que haja entre elas coligações societárias.
O que importa para a definição de uma relação de grupo não é, a nosso ver, o instrumento jurídico utilizado para estabelecer o poder de direção unitária, mas o fato de que uma sociedade tem esse poder sobre outra. O grupo de sociedades, a nosso ver, é uma relação factual que deve atrair os efeitos do regime, independentemente da sua formalização por um instrumento legal. Seja de fato, ou de direito, o reconhecimento do grupo de sociedades não deve escapar do rigor dos conceitos, sob pena de impor responsabilidade a quem não a tem.
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1 Os grupos de sociedades – estrutura e organização jurídica da empresa plurissocietária. 2ª ed. Edições Almedina : Coimbra, 2002, p. 52.
2 Mónica Fuentes Naharro (Grupos de sociedades y protección de acreedores – una perspectiva societária. Editorial Aranzadi (Thomson/Civitas) : Navarra, 2007, p. 114-115.
3 Nesse sentido a doutrina de Ana Perestrelo de Oliveira (Manual de grupos de sociedades. Edições Almedina : Coimbra, 2017, p. 15.
4 Part. 38. N. 1159 Meaning of "subsidiary" etc. (Companies Act 2006)
5 Ver a respeito Mónica Fuentes Naharro, que destaca a relevância desta distinção e aponta os argumentos da doutrina nesse sentido (Op. cit., p. 100-106). Encontramos em María Luisa de Arriba Fernández outra distinção entre o domínio orgânico, como relação de dependência, e o domínio econômico, que se identifica com o controle. Reconhece a autora o estreito parentesco que une dependência e controle, porque ambos geram consequências similares, que é a influência sobre uma sociedade, mas se diferenciam em razão dos instrumentos utilizados para alcançar este poder de influência. O controle, diz a autora, é um conceito econômico, enquanto a dependência é um conceito jurídico (Derecho de grupos de sociedades, Civitas Ediciones, 2004, p. 78-79).
6 Grupo de sociedades e direito do trabalho. Separata do vol. LXVI do BFD - Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra, 1990, p. 130. A explicação do autor é didática: "Todavia, não poderão ser usadas sinonimamente as duas expressões (grupos de empresas e grupo de sociedades), uma vez que os grupos de sociedades serão, ao mesmo tempo, grupos das respectivas empresas (sociais)? Poder, podem (...). Mas não com inteiro rigor. Por um lado, a designação grupos de empresas é mais ampla que grupos de sociedades: há empresas não societárias em grupo. Por outro lado, nos grupos de sociedades pode haver uma ou mais sociedades sem empresas propriamente ditas: é o caso das sociedades holding (gestoras, tão-só, de participações sociais). (...) Mas quer-se então com isto dizer que, afinal, é sempre incorrecto falar de grupos de empresas? Juridicamente, é-o quase sempre. Só será correcto quando as empresas em grupo sejam, não só objectos, instrumentos, organizações produtivas de empresários, mas também pessoas jurídicas. (...) De todo o modo, não vira mal ao mundo se se continuar a falar de grupos de empresas, enquanto expressão ampla, abrangente de relações entre sociedades, entre empresas e sociedades, entre sociedades e empresários individuais, entre empresas ... Tal forma de dizer está já arreigada na linguagem corrente. E mesmo na linguagem das leis, como se sabe, é frequente o uso translato ou metonímico de empresa (por empresário ou sujeito da empresa)" (op. cit., p. 130). A empresa é de fato um termo ambíguo e tem diferentes acepções no direito. Do ponto de vista científico não há um conceito unitário de empresa, como bem o demonstra J.M. Coutinho de Abreu (Da empresarialidade (as empresas no direito). Edições Almedina : Coimbra, 1999, p. 281-308).
7 Empresarialidade..., p. 271-272.
8 A holding (do inglês to hold) é de difícil definição doutrinária e quase sempre ausente dos regimes jurídicos societários. Geralmente é a designação que se dá a uma sociedade que tem como objeto a gestão de uma carteira de participação de várias outras sociedades (está é a holding pura ou não operacional). Há outras sociedades, também entendidas como holding, que, constituídas para a gestão de participações societárias, também têm, paralelamente, um objeto social empresarial, industrial ou comercial. É chamada de holding mista ou operacional. Uma série de preocupações (fiscais e sucessórias, quase sempre) tem motivado, no Brasil, a constituição de holding para gestão de participações societárias e também de patrimônio. Para maior desenvolvimento do estudo sobre o universo amplo e variado da holding ver Luca Boggio (Le holding societarie e la società europea. "Le società holging nell’Unione Europea: teoria e prassi". II Ed., IPSOA, 2013, p. 3-33) e Berardino Libonati (Opere Monografiche. Vol. I. Giuffrè Editore, 2014)
9 Op. cit., p. 90.