Novos Horizontes do Direito Privado

Paolo Grossi (1933-2022)

Fundador da revista Quaderni fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, Grossi tornou-se líder da escola florentina de história do direito, calcada nos estudos da história do pensamento jurídico, levando a área a novos ares, perscrutando a modernidade diante da tradição medievalista italiana.

6/7/2022

É com grande pesar que anunciamos ao público de língua portuguesa o falecimento do jurista italiano Paolo Grossi, na madrugada de 4 de julho. Nascido em 1933, era Professor emérito de História do Direito na Universidade de Florença e presidente emérito da Corte Constitucional italiana. Trata-se, sem dúvida, de um dos mais experimentados historiadores do direito de nosso tempo. Assim como o português António Manuel Hespanha (2019), o alemão Michael Stolleis (2021) e o argentino Víctor Tau Anzoátegui (2022), seu passamento representa um abrupto passar de gerações na área.

Fundador da revista Quaderni fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, Grossi tornou-se líder da escola florentina de história do direito, calcada nos estudos da história do pensamento jurídico, levando a área a novos ares, perscrutando a modernidade diante da tradição medievalista italiana.

A presença de prof. Grossi foi fundamental na consolidação do estudo da história do direito no Brasil, um campo de pesquisa jurídica relativamente recente entre nós. Neste sentido, como maestro dos prof. Arno Dal Ri Jr. (UFSC), Ricardo Sontag (UFMG) e Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR), todos tradutores de várias obras de Paolo Grossi para o português, foi fundamental para trazer ao Brasil a abordagem historiográfica-jurídica com o escopo de aprofundar uma visão dos fenômenos jurídicos com densidade própria, afastando-se de visões apologéticas, escatológicas, cronocêntricas e anacrônicas da história.

Presente várias vezes no Brasil, recebeu inclusive títulos doutor honoris causa de nossas universidades, do mesmo modo que em vários ateneus europeus e latino-americanos. Em sua extensa carreira universitária, dedicou-se à história do direito canônico e privado1, mas seus discípulos espraiaram suas ideias para a história do direito constitucional, administrativo, penal, trabalhista e tantas outras declinações2.

Porém, ainda há muito a ser feito no cenário nacional: mas, a partir de agora, não contaremos mais com a presença e conselhos diretos do professor; por outro lado, teremos à disposição uma extensa obra, em boa parte já em nosso idioma, para manter vivo o pensamento grossiano e dar novos impulsos à História do Direito no Brasil.

Para uma maior aproximação à vida e obra de Paolo Grossi, recomenda-se a leitura do recentemente lançado “O mundo das terras coletivas”3. O presente livro cumpre tanto a função de nos ajudar a conhecer mais este autor como seu itinerário de pesquisa. De fato, o texto é escrito em tom testemunhal, em que a história de sua vida se confunde com o desenvolvimento do tema de pesquisa sobre as terras coletivas na Itália. É nesse contexto, portanto, que Grossi insere o seu itinerário, dentro de um conjunto de estudos que mostrava a pluralidade dos estatutos da relação da humanidade com a terra. Trata-se justamente de resgatar, nesta relação, a factualidade do direito, que com o modelo subjetivista da codificação restou reduzida a “direitos reais” como gravame ao livre exercício das faculdades inerentes à propriedade privada moderna.

Assim, serve de porta de entrada para as obras anteriores do prof. Grossi já vertidas ao nosso vernáculo.

O grande plano de trabalho da obra de Paolo Grossi sempre foi o diálogo entre os historiadores do direito e os juristas do direito positivo. A historiografia jurídica serve para chamar a atenção à provisoriedade das soluções, para não termos as atuais formas jurídicas como as melhores até então formuladas, ou que as soluções formuladas pelas elites políticas e sociais sejam melhores que aquelas construídas pela prática ordinária das pessoas simples. Esse exercício incessante de relativização fomenta a consciência crítica dos juristas.

Por fim, não se pode deixar de falar do prof. Paolo Grossi sem mencionar seu amor pela docência e por seus estudantes. A eles, o mestre florentino sempre deu atenção prioritária. Sempre preferiu estar na sala de aula aos grandes salões de conferências. Mesmo após a aposentadoria na universidade e seu encargo na corte constitucional, nunca deixou de falar e escrever aos estudantes. Para ele, o cultivo da História do Direito pelos juristas e a sua presença na formação nas faculdades de direito sempre foram pontos inegociáveis.

Fica, portanto, o sinal da passagem de um verdadeiro mestre: preocupado com a formação e o desenvolvimento de seus discípulos, com a grandeza de fazê-los voarem por suas próprias asas. Que os juristas brasileiros saibam retribuir tal dedicação desenvolvendo o direito nacional livre de dogmatismos e amarras teóricas que impedem o livre pensar sobre um direito que se manifesta no cotidiano, pelas pessoas comuns.

_____

1 Sobre isso, ver na coluna “Novos Horizontes do Direito Privado”, coordenada por Carlos Alberto Garbi (cultor da obra de Grossi no direito civil nacional), o texto “O direito dos privados na obra de Paolo Grossi”: disponível aqui.

2 Para uma visão mais extensa, ver o necrológio escrito por Arno Dal Ri Jr.: “Reencontros com Paolo Grossi (1933-2022)”, aqui.

3 Para mais detalhes, veja-se o texto de Vanilda Honória dos Santos, “’Atiçar o fogo sob as cinzas’: Comentários ao livro O mundo das terras coletivas - Itinerários jurídicos entre o ontem e amanhã de Paolo Grossi”, aqui.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Coordenação

Carlos Alberto Garbi Pós-Doutor em Ciências Jurídico Empresariais pela UC - Universidade de Coimbra. Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Professor de Direito Privado das FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas. Vice-Presidente do Conselho do INBRADIM. Membro Acadêmico-Associado da ABDC - Academia Brasileira de Direito Civil. Diretor Nacional de Publicações da ADFAS - Associação de Direito de Famiília e das Sucessões. Advogado. Consultor. Parecerista.