Esta Coluna também abre espaço para os novos juristas. Afinal, eles fazem parte efetivamente dos Novos Horizontes do Direito Privado. Apresento hoje o artigo de grande interesse envolvendo o tema das Startups e de um instrumento muito utilizado para o incentivo e a manutenção dos melhores profissionais na área da tecnologia, que são as stock options. A escolha do tema e o texto é de autoria de Suzan Kuda. Eu dei apenas uma pequena contribuição na sua orientação. Espero que o leitor aproveite. Vamos à leitura.
O segundo setor da economia tem se mostrado em constante mudança, principalmente no âmbito da inovação tecnológica, mesmo em meio a pandemia, mudança que foi motivada principalmente pelas plataformas online desenvolvidas para o comércio. Com as constantes mudanças da tecnologia tem havido a necessidade de adequar os preceitos legais até então estabelecidos, impondo ao Legislativo operar de forma a incentivar e sanar certos déficits de regulação do mercado, como demonstra a atual redação do PL 146/19, que hoje tramita no Senado.
O referido projeto de lei, que pretende ser o Marco Legal das Startups, possui como intuito respaldar as empresas incipientes do mercado, que trazem em seu âmago produtos ou serviços que fogem ao convencional, principalmente no que tange ao agregado tecnológico. Para tanto, este modelo de negócios também traz consigo um velho e problemático aspecto jurídico, o modelo de incentivo stock options, que na definição da Securities Exchange Commission1, são considerados como uma oportunidade de oferecer ao funcionário a possibilidade de compra de ações da sua empresa a um valor pré-definido, após certo período de tempo. Esta operação ocorre pelo fato da empresa querer incentivar a fidelização e dedicação do colaborador ao seu negócio, como meio de trazer melhores resultados às atividades empresariais.
O problema em torno da temática está em definir qual é a natureza jurídica dessa relação, se remuneratória, e compreendida no âmbito da relação de trabalho, ou mercantil. Quando observada esta relação do ponto das relações trabalhistas, o mero incentivo à obtenção de melhores resultados à atividade laboral, corrobora com a manutenção da relação empregatícia, que visa através do pagamento e seus bônus a obtenção da dedicação e prestação de serviço adequada. Em contrapartida, no que tange a seara do direito empresarial, o contrato firmado entre as partes está atrelado ao mercado de opções2. Assim, a oferta contratual de opção de compra das ações encontra respaldo no fato de estabelecer previamente o valor e o prazo de vencimento do ativo, sujeitando o adquirente a uma relação contratual onerosa e à natural volatilidade do ativo, que pode ou não lhe gerar lucro e dividendos (a depender do desempenho das ações da empresa no mercado, na data de vencimento).
A atual redação do projetado Marco Legal das Startups adotou a definição das stock options pelo seu caráter remuneratório, conforme indicado no art. 11:
"Art. 11. A remuneração poderá ser variável levando em consideração a eficiência e a produtividade da empresa, do empregado ou do time de empregados, ou outros objetivos e parâmetros que as partes vierem a acordar, incluindo a remuneração por plano de opção de compra de ações (stock options), com dedutibilidade dos tributos na forma do art. X desta Lei."3
A forma adotada poderá ser um meio atrativo a retenção de profissionais qualificados, já que em início de operação, normalmente, as empresas incipientes, no caso as Startups, não possuem valor em caixa para arcar com altos custos da operação (Em nota, a Agência do Senado4 divulgou que tal espécie poderá ser adotada possibilitando de início a oferta de um salário reduzido, tendo como complemento a opção de compra das ações pelo participante).
Entretanto, convalidar tal benesse como de natureza salarial, implicará em uma mudança nos julgados dos tribunais (caso, sancionada referida lei), que por vezes discutiam as decisões segundo a outorga das ações, cujo amparo legal se encontra na Lei das SA’s em seu art. 168, § 3º, que retrata as delimitações acerca da emissão frente ao limite do capital social, e a necessidade de previsão estatutária. Assim, tal modalidade será retratada devido sua finalidade, que tange a tentativa de garantir maior lealdade e compromisso, dos administradores e empregados, como forma de reter os bons profissionais e melhorar os resultados da empresa.
A ausência de segurança jurídica sobre a temática é notória quando observados os julgamentos dos tribunais e as manifestações do CARF a respeito do tema. Estas compreensões são antagônicas, pois, ao adotar o entendimento de remuneração, o ativo terá incidência de IRRF (art. 43, I CTN; art. 22 IN n. 1.500/14) e da Contribuição Previdenciária, que recairiam sobre a remuneração do empregado devido à contraprestação laboral (art. 457 CLT)5, enquanto para o entendimento de natureza mercantil, seria aplicado o IR sobre o exercício de opção de compra. Assim, muitos dos recursos analisados pelo CARF direcionaram as opções como vinculado à remuneração:
REMUNERAÇÃO INDIRETA. OPÇÃO DE COMPRA DE AÇÕES - STOCK OPTIONS. As verbas pagas pela empresa aos seus diretores, sob a forma de opções de compra de ações - stock options, como retribuição ao trabalho prestado, têm natureza remuneratória, sobre as quais incidem o imposto de renda que deve ser retido pela fonte pagadora. O ganho patrimonial deve ser apurado na data do exercício das opções e corresponde à diferença entre o valor de mercado das ações adquiridas e o valor efetivamente pago pelo beneficiário. (EMBARGOS, Processo nº 16327.720630/2015-46 – 2ª Seção de Julgamento / 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, Julgamento 4 fev. 2020) (grifo próprio)
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. STOCK OPTIONS. INCIDÊNCIA. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO. Incidem contribuições previdenciárias sobre benefícios concedidos a colaboradores, no âmbito de Programas de stock options, quando verificada que a operação tem nítido viés remuneratório, não apresentando natureza mercantil, não evidenciando qualquer risco para o beneficiário e estando claramente relacionada à contraprestação por serviços. O fato gerador da obrigação tem lugar no momento do exercício das opções de compra e a base de cálculo se verifica pela diferença entre o valor eventualmente pago pelos ativos e os valores praticados pelo mercado. FATO GERADOR. MOMENTO DA OCORRÊNCIA. A ocorrência do fato gerador se dá com o reconhecimento do direito à remuneração, ou seja, na data da reunião do Conselho de Administração que determina a emissão das ações em nome do beneficiário. BASE DE CÁLCULO. DIFERENÇA ENTRE VALOR EXERCÍCIO E O VALOR DE MERCADO DAS AÇÕES. A base de cálculo da exigência é remuneração dos segurados consistente no acréscimo patrimonial resultante da diferença entre os preços de mercado e de exercício, obtido na compra das ações pelos beneficiários do plano de STO, como contraprestação pelo trabalho. (grifo próprio)
(RECURSO VOLUNTÁRIO. Processo nº 13864.720104/2017-72 – 2ª Seção de Julgamento / 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária Julgamento, 15 jan. 2020
Este entendimento se mostra divergente daquele acolhido pela C. 4ª Turma do TRF36, que descaracteriza a natureza remuneratória para o fim de incidência de IR sobre o ganho de capital, com alíquota de 15% em face a de 22,5% sobre a operação (no caso em questão), em decorrência do reconhecimento da natureza mercantil. Está implícita nesta decisão a compreensão sobre a onerosidade e o risco (volatilidade do ativo) da transação, que, mesmo em face do empenho do funcionário no exercício de suas funções para validar o ganho de capital, não descaracterizam a oportunidade de investimento.
Neste sentido, com a validação do Stock Options como de natureza remuneratória, conforme indicado no projetado Marco Legal das Startups, a despeito do entendimento divergente, haverá a possibilidade de pacificar as decisões a respeito da natureza da relação, mesmo face à caracterização da onerosidade e volatilidade da operação. Essa estabilização legal também é importante para dirimir a questão no âmbito trabalhista.
Porém, em contrapartida, outra questão se deve clarear: os tribunais trabalhistas se depararam com situações de dispensa no vesting period (período de carência da opção de compra das ações), e reconhecem neste caso uma arbitrariedade do empregador, frente a dispensa sem justa causa, pois, retira do participante o direito ao exercício da compra das ações. Sustenta o Des. Marcelo Pertence que a dispensa durante o vesting period demonstra ofensa ao direito, caracterizando o contrato de stock options como meramente potestativo, assim, em suas palavras:
"(...) inadmissível a condição que retira dos obreiros o direito à opção de compra no caso de dispensa sem justa causa durante o período de carência, porquanto permite que a reclamada, ao dispensar o empregado, valendo-se de tal condição, obste a regular fruição do direito pelo obreiro. As circunstâncias reveladas nos presentes autos denotam, de modo indiscutível, que a referida cláusula permite que a empresa, de modo unilateral, impeça o empregado de usufruir o direito, constituindo-se em condição meramente potestativa, porquanto dependente apenas do arbítrio do empregador. 4. Assim, no caso de dispensa do obreiro no curso do período de carência, deve-se considerar preenchido o requisito temporal definido no Plano, nos termos do artigo 129 do Código Civil. 5. Recurso de Revista conhecido e não provido" (RR-363-05.2011.5.04.0021, 1ª Turma, Relator Desembargador Convocado Marcelo Lamego Pertence, DEJT 02/06/2017). (grifo próprio)
Ainda, nesse sentido, o entendimento do Tribunal Trabalhista:
"RECURSO DE REVISTA. RECURSO ANTES DA ÉGIDE DA LEI 13015/2014. DISPENSA OBSTATIVA - STOCK OPTIONS. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 122 E 129 DO CCB. O plano de compra de ações estabelecido pela empregadora, ao prever que o desligamento do autor, mesmo sem justa causa, implica em automática extinção do direito de opção da compra de ações, deixa ao arbítrio da empresa a possibilidade de permitir ao empregado o exercício do direito, ou seja, pode uma das partes a seu critério impedir que uma das condições do Plano se concretize, o que a configura como condição defesa, a teor do art. 122 do CCB. Por consequência, há que se considerar efetivada a carência, quando do desligamento do autor, nos termos do citado art. 129 do CCB, garantindo-se ao empregado o direito à indenização postulada. Recurso de Revista conhecido e provido. (¿) " (RR-1328-50.2010.5.04.0010, 2ª Turma, Relator Desembargador Convocado Claudio Armando Couce de Menezes, DEJT 04/12/2015). (grifo próprio)
Estas decisões, no sentido de que a benesse estaria intrinsecamente relacionada à demanda a qual o originou, porque a existência da opção de compra das ações teria por finalidade o desempenho do funcionário, no exercício da prestação ao qual foi contratado, descaracterizando as validações a respeito da rescisão na vigência do período de carência (vesting period), pode comprometer a busca da empresa em estimular o melhor desenvolvimento do funcionário, quando da concessão de tal benefício. A caracterização das stock options como benefício remuneratório pode onerar sensivelmente as startups e criar distorções que anulam a sua finalidade.
A sanção de tal Projeto não implicará, somente, alterações no âmbito do judiciário, podendo ocasionar mudanças no modo de disponibilização de tais opções. Ocorre que, para alguns representantes do setor privado, ligados ao ambiente de inovação, a medida não se mostra adequada, pois pode onerar ainda mais as empresas, que buscam investir principalmente no desenvolvimento de seu serviço e/ou produto e no próprio time. Em publicação recente, o Fecomercio/SP, por meio do Comitê de Startups7, e outras entidades e associações representantes de startups, encaminharam carta aberta ao senador Carlos Portinho (PL-RJ), relator do PL 146/19, com o intuito de que o Projeto de Lei seja modificado quanto ao tema stock options, reconhecendo o seu caráter mercantil: "Regulamentação das stock options para que não haja tributação na sua concessão, mas somente no eventual ganho de capital."8
Resulta deste breve estudo das consequências do modelo de natureza remuneratória para as stock options, a dúvida quanto ao efetivo resultado desejado, no sentido de fomentar a criação e o investimento em empresas de base tecnológica.
*Suzan Kuda é bacharel em Direito pela FMU. Psicóloga formada pelo Mackenzie.
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1 US. Securities Exchange Commission. Employee Stock Ownership Plans (ESOPs). Disponível aqui. Acessado em: 09 de fev. de 2021.
2 EIZIRK. N; et al. Mercado de Capitais. Regime Jurídico, 4ª ed. Ed. Quartier Latin, 2020.
3 BRASIL. PL 146/19 (em trâmite no Senado), Marco Legal das Startups. Disponível aqui. Acessado em: 10 fev. 2021.
4 AGÊNCIA SENADO. Senado deve votar marco legal das startups. Disponível aqui. Acessado em: 02 de fev. de 2021.
5 MONTEIRO, L.G. Stock Options Plans: Análise dos planos de opções de compra de ações e sua tributação, sob a ótica jurisprudencial e de legislação. Instituição Insper. São Paulo, 2019.
6 TRF3. Ações adquiridas por funcionários deem Stock Options Plan não são consideradas salário para fins de Imposta de Renda. Disponível aqui. Acessado em: 03 fev. 2021.
7 FECOMERCIO/SP. Em carta aberta, Comitê Startups da FecomercioSP e entidades solicitam ajustes no Marco Legal das Startups. Direcionado ao relator do projeto no Senado, documento elenca ajustes necessários para que a proposta desenvolva, de fato, ecossistema de inovação no País. Disponível aqui. Acessado em: 21 fev. 2021.
8 Pediram a alteração em outros três pontos: 1."Equiparação de tratamento tributário do investimento em startups e promoção de políticas de estímulo". 2."Possibilidade de enquadramento das sociedades anônimas (S/As) e de empresas com participação de outra pessoa jurídica em seu capital social (ou que participem de outra pessoa jurídica) no Simples Nacional." 3."Possibilidade do uso de livros digitais e dispensa de publicações sem limitação de acionistas."