Limite Penal (Nova)

Nota pública

Leia na íntegra a nota pública.

3/7/2023

As instituições abaixo signatárias vêm por meio desta nota manifestar sua veemente discordância da declaração do Min. Dias Toffoli que, durante sessão do Supremo Tribunal Federal na data de 29 de junho de 2023, defendeu a extinção do tribunal do júri.

Apesar de reconhecer que o júri não está indene de críticas e precisa ser aprimorado, não se pode compactuar com qualquer tentativa autoritária de restrição, subtração de competência ou mesmo a extinção.

A uma, pois o júri está previsto no art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, constituindo, portanto, um direito e garantia fundamental do cidadão, verdadeira cláusula pétrea, insuscetível de exclusão por emenda constitucional, conforme disposição expressa do art. 60, § 4º, IV da Carta Magna.

A duas, o júri está intrinsicamente ligado à democracia, tendo sido, em âmbito global, marcado por avanços e retrocessos que refletem os períodos políticos e sociais de cada época e de cada regime. Os regimes autoritários não admitem o julgamento popular, assim como em Estados verdadeiramente democráticos, o júri alcança maior protagonismo. A democracia transcende a forma de governo adotada por uma nação, sendo um ideal que abarca a participação livre do cidadão não apenas diretamente na vida política, mas também nos poderes que o constituem.

A três, não apenas em países que passaram por redemocratização recente, o tribunal do júri é reconhecido por consolidar um sistema acusatório e adversarial. Mesmo no Brasil, onde permanecemos com o deplorável título de único país das Américas a ainda possuir um sistema processual de matriz inquisitorial, o júri é o procedimento em que os princípios da oralidade e imediatidade são mais prestigiados.

A quatro, como já amplamente reconhecido, não há qualquer indicativo empírico a comprovar que cidadãos sem formação jurídica não possuam capacidade de julgar. Pelo contrário, as pesquisas apontam que juízes profissionais são tão suscetíveis quanto os jurados leigos à vieses, experiências pretéritas, influência midiática, preconceitos ou valores locais. Assim, consiste em um pensamento elitista e desassociado da realidade a crítica de que os jurados são inferiores.

A cinco, em se tratando da única forma de participação dos cidadãos na administração de justiça, o tribunal do júri, em todos os Estados democráticos de Direito, possui um caráter pedagógico importante, uma vez que propaga o caráter cogente das normas, além de reforçar o correto funcionamento das instituições.

Com o devido respeito, soa descabido o apelo do Min. Dias Toffoli à frente parlamentar feminina, considerando o julgamento da ADPF 779. Não se pode admitir que se confundam as matérias, transferindo a responsabilidade de falhas estruturais e de políticas públicas para o tribunal do júri. Aliás, não condiz com a realidade atribuir ao júri a quantidade de feminicídios ocorridos no Brasil ou mesmo uma suposta "impunidade", ainda mais quando o próprio Conselho Nacional de Justiça publicou nos últimos anos taxas similares de condenação: a cada 10 casos de feminicídios julgados, 9 resultam em condenação.

O Brasil não pode se associar aos modelos totalitários que visam depreciar seus cidadãos, rotulando-os como incapazes de participar efetivamente na democracia e no julgamento de seus pares. Ao contrário, países que tentam fortalecer o Estado de Direito optaram pelo modelo de julgamento por jurados nos últimos 30 anos, como Espanha, Coreia do Sul, Japão e, mais recentemente, a Argentina.

Por derradeiro, lembra-se que o procedimento do júri prevê a realização de um julgamento verdadeiramente público e transparente, em que as provas são apresentadas e valoradas perante o juiz natural, havendo um verdadeiro debate dialético entre acusação e defesa e uma decisão tomada na mesma sessão.

Todo o Processo Penal brasileiro precisa ser repensado. Inclusive a instituição do júri. Entretanto, a legitimação das decisões no processo penal como um todo perpassa pela observação restritas às normas de proteção das garantias individuais. Destarte, o júri precisa ser estruturado diariamente para que seus veredictos - de condenação ou de absolvição - sejam humanos, imparciais e justos.

No 35º ano da promulgação da Constituição da República e 201º ano da instituição do Tribunal do Júri, não há espaço para redução de direitos, mas sim de implementação e respeito incondicional aos direitos constitucionais e convencionais.

Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (ABRACRIM)

Associação Nacional dos Advogados Criminalistas (ANACRIM)

Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP)

Instituto Baiano de Direito Penal e Processual (IBADPP)

Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais - USP (CPECC)

Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (NUPEJURI)

Observatório da Mentalidade Inquisitória

Comissão Especial em Defesa do Tribunal do Júri da OAB Nacional

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*Enviado por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, colunista da Nova Limite Penal.

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Colunistas

Alexandre Morais da Rosa é doutor em Direito pela UFPR. Professor do Programa de graduação, mestrado e doutorado da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Juiz de Direito do TJ/SC. Membro do Comitê de Governança de Tecnologia da Informação - CGOVTI no âmbito do TJSC (2022-2024). Membro Honorário da Associação Ibero Americana de Direito e Inteligência Artificial/AID-IA. Coordenador do Grupo de Pesquisa SpinLawLab (CNPq UNIVALI).

Aury Lopes Jr. é doutor em Direito Processual Penal pela Universidad Complutense de Madrid. Professor Titular no Programa de pós-graduação em Ciências Criminais da PUC/RS. Membro do Escritório Aury Lopes Jr Advogados, com sede em Porto Alegre e Brasília. Autor da Editora SaraivaJur.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho é professor Titular de Direito Processual Penal da UFPR (aposentado). Professor do programa de pós-graduação em Ciências Criminais da PUC/RS. Professor do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade Damas, Recife. Professor do programa de pós-graduação em Direito da UNIVEL, Cascavel. Especialista em Filosofia do Direito (PUC/PR), mestre (UFPR), doutor (Università degli Studi di Roma "La Sapienza"). Presidente de Honra do Observatório da Mentalidade Inquisitória. Procurador do Estado do Paraná (aposentado). Advogado. Membro da Comissão de Juristas do Senado Federal que elaborou o anteprojeto de Reforma Global do CPP, hoje Projeto 156/2009-PLS.

Janaina Matida é professora de Direito da Universidad Alberto Hurtado (Chile). Doutora em Direito pela Universitat de Girona (Espanha). Assessora de ministro do STJ. Co-coordenadora da Rede Latino-americana de Epistemologia Jurídica.

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Rachel Herdy é professora associada da Faculdade de Direito da Universidad Adolfo Ibáñez (UAI), Chile. Doutora em Sociologia pela UERJ. Membro da Rede Latinoamericana de Epistemologia Jurídica.