Notas contemporâneas com Murillo de Aragão

A nova proposta de segurança pública do governo Federal

O texto trata da elaboração de um plano nacional de segurança pública pelo governo brasileiro, em resposta ao aumento da criminalidade e da violência no país.

14/10/2024

Em junho deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o governo estava elaborando um plano nacional voltado para a segurança pública, em resposta ao avanço desenfreado do crime organizado e aos elevados índices de violência que assolam o Brasil. As pesquisas indicam que a segurança pública é uma das maiores preocupações da população, o que torna o tema uma prioridade na agenda do governo. 

Para enfrentar esse cenário, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, iniciou uma série de reuniões com governadores para discutir um rascunho da proposta de emenda constitucional (PEC), que visa modificar a Constituição e fortalecer o papel do governo federal na formulação de políticas de segurança pública. Essa PEC busca permitir que a União estabeleça diretrizes gerais para o setor, as quais deverão ser seguidas pelos gestores estaduais, promovendo uma maior coordenação entre os entes federativos. 

A proposta é um movimento ambicioso que pretende aumentar as responsabilidades da União na área de segurança pública, tradicionalmente de competência dos estados. O governo federal passaria a ter um papel mais ativo na articulação e coordenação das políticas de segurança, em um esforço para integrar as polícias estaduais e federais, com o objetivo de criar um sistema de segurança mais eficiente e coeso. 

Um dos pilares dessa mudança seria a formalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que, embora já previsto em lei, ainda carece de maior institucionalização no texto constitucional. O SUSPbusca integrar as ações dos diversos órgãos de segurança pública do país, promovendo uma maior troca de informações e otimização de recursos entre as forças estaduais e federais. 

A integração das polícias é um dos pontos centrais da proposta, visando eliminar a fragmentação que atualmente dificulta o combate efetivo ao crime organizado. A articulação entre as polícias estaduais, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), por exemplo, seria essencial para melhorar a eficiência no enfrentamento a crimes transnacionais, tráfico de drogas, contrabando e roubo de cargas, áreas em que a PRF tem atuação destacada. 

O fortalecimento da Polícia Rodoviária Federal é outra meta prevista pela proposta. A PRF, além de suas responsabilidades atuais, teria suas atribuições ampliadas para atuar de forma mais integrada com as demais forças de segurança. A idéia é que o papel da PRF vá além da fiscalização das rodovias federais, estendendo-se ao apoio em operações conjuntas com as polícias estaduais, no combate ao crime organizado e ao tráfico de armas e drogas, muitas vezes facilitado pela malha rodoviária do país. 

Outro ponto crucial da proposta é a inclusão no texto constitucional de uma fonte de financiamento para o SUSP. Essa medida visa garantir a sustentabilidade financeira das políticas de segurança pública, assegurando que os recursos necessários estejam disponíveis para a implementação das diretrizes definidas pelo governo federal. Atualmente, a falta de recursos consistentes é um dos grandes obstáculos para a melhoria do setor, o que resulta em operações desarticuladas e a baixa capacidade de resposta de algumas forças estaduais. 

Embora o plano proposto traga inovações importantes e tenha o potencial de criar um sistema de segurança pública mais coordenado e eficiente, sua implementação não será simples. Um dos principais desafios será a articulação política com os estados, já que a segurança pública é tradicionalmente uma competência estadual no Brasil. Os governadores terão de ceder parte de sua autonomia ao governo federal, o que pode gerar resistência política. 

Além disso, a questão do financiamento é um ponto delicado. A inclusão de uma fonte permanente de recursos no texto constitucional é fundamental para o sucesso do SUSP, mas isso também exige um planejamento orçamentário cuidadoso, especialmente em um momento de crise fiscal e alta demanda por investimentos em outras áreas, como saúde e educação. 

A proposta de emenda constitucional que o governo Lula está desenvolvendo pode ser um divisor de águas na política de segurança pública no Brasil. Ao aumentar as responsabilidades da União, promover a integração das polícias e garantir o financiamento contínuo para o SUSP, o plano tem o potencial de melhorar significativamente a capacidade do país de enfrentar o crime organizado e reduzir os altos índices de violência. 

No entanto, para que essa proposta se torne uma realidade eficaz, será necessária uma ampla articulação política entre o governo federal e os estados, além de um compromisso de longo prazo com o financiamento do setor. Vale destacar que a louvável iniciativa do ministro Ricardo Lewandoski pode ter grande impacto político caso supere as naturais dificuldades de implementação e encontre meios viáveis de financiamento . A segurança pública é uma das principais demandas da população, e sua melhoria será um teste crucial para a gestão do governo, em busca de um Brasil mais seguro e estável.

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Colunista

Murillo de Aragão é advogado, mestre em Ciência Política e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Sócio fundador da MDA Advogados e CEO da Arko Advice Pesquisas. Professor-adjunto da Columbia University e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Legislativo (IBDL).