Notas contemporâneas com Murillo de Aragão

Os limites jurídicos das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs)

O texto oferece uma análise sobre o escopo de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) no Brasil, destacando sua importância como instrumento de investigação no âmbito legislativo e os limites constitucionais e regimentais que regem suas atividades.

7/3/2024

A análise jurídica sobre o escopo de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) é um tema recorrente no debate jurídico, evidenciando a complexidade e os limites de poder dessas comissões no Brasil. As CPIs, enquanto mecanismos constitucionais conferidos ao Congresso Nacional, às Assembleias Legislativas estaduais e às Câmaras Municipais, possuem a prerrogativa de investigar fatos específicos de relevante interesse para a ordem política, econômica, social ou jurídica. Munidas de poderes investigativos comparáveis aos das autoridades judiciárias, as CPIs operam dentro de um marco regulatório definido tanto pela Constituição quanto pelos regimentos internos das respectivas Casas Legislativas.

A composição dessas comissões reflete a proporcionalidade partidária, visando assegurar a pluralidade de visões e o equilíbrio político. Estabelecidas por um período determinado, mediante aprovação majoritária, as CPIs focalizam suas investigações em questões específicas, evitando abrangências genéricas.

Em seu processo investigativo, as CPIs são autorizadas a convocar audiências públicas, solicitar depoimentos, requerer documentação e executar outras medidas investigativas essenciais. Contudo, suas competências não se estendem a ações tipicamente judiciais, como a emissão de mandados de prisão (salvo em flagrante delito) ou de busca e apreensão, respeitando-se, assim, o processo legal. Concluídas as investigações, as CPIs elaboram relatórios finais, propondo, quando aplicáveis, medidas legislativas, políticas públicas ou encaminhamento ao Ministério Público para as devidas providências civis ou criminais.

Além desses aspectos operacionais, é imperativo destacar limitações adicionais vinculadas ao federalismo e à independência do Poder Judiciário. A título de exemplo, a tentativa de instituir uma CPI no Senado Federal com o intuito de investigar supostas irregularidades cometidas por membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de outros tribunais superiores esbarrou em obstáculos normativos e jurisprudenciais significativos. O Regimento Interno do Senado, em seu artigo 146, e as disposições constitucionais, particularmente o artigo 95, vedam, explicitamente, CPIs que visem investigar matérias sob a competência exclusiva de outros Poderes ou entes federativos, reforçando o princípio da separação dos Poderes. Tal interpretação é corroborada pela jurisprudência do STF, que rejeita a possibilidade de investigações por CPIs de atos jurisdicionais, fundamentando-se na garantia da independência judicial e na preservação das prerrogativas constitucionais dos magistrados.  

Esse princípio também se aplica à investigação de eventos ocorridos nas esferas estaduais e municipais, como demonstrado pela CPI da Covid-19 na controvérsia sobre a investigação do caso dos respiradores no Nordeste, quando prevaleceu a norma de não interferência em assuntos estaduais. Nessa direção, vale a leitura de artigo de Rogério Tadeu Romano publicado no site Jusbrasil.

A análise detalhada da capacidade investigativa das CPIs federais no Brasil revela um cenário complexo em que a tentativa de investigar atos judiciais e eventos ocorridos dentro de esferas estaduais e municipais se encontra em desacordo direto com os princípios constitucionais e as normas estabelecidas nos regimentos internos. Essa limitação está profundamente enraizada na estrutura federativa do Brasil, que visa preservar a autonomia e a independência entre os diferentes níveis de governo – federal, estadual e municipal –, assim como entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Esse desenho constitucional procura evitar interferências indevidas e garantir que cada entidade mantenha suas competências sem sobreposições nem intrusões não autorizadas por parte de outras.

Quando CPIs federais buscam estender sua atuação para além das competências federais, adentrando em matérias que dizem respeito exclusivamente a estados ou municípios, elas enfrentam um obstáculo constitucional significativo. Tais iniciativas, muitas vezes impulsionadas por motivações político-partidárias, acabam por colidir com o princípio da separação dos Poderes e da autonomia dos entes federativos. Essa situação não apenas viola preceitos constitucionais, como também desafia os regimentos internos que regem o funcionamento das próprias CPIs, que são claros ao delimitar o escopo de sua atuação dentro dos limites de sua jurisdição.

A insistência em prosseguir com investigações que ultrapassam esses limites estabelecidos pode resultar em uma série de implicações legais, incluindo a nulidade das provas obtidas e a possível ineficácia dos resultados alcançados. Esses atos, portanto, além de contrariarem o ordenamento jurídico, podem comprometer a credibilidade das próprias CPIs e do Legislativo como um todo.

Diante desse contexto, ressalta-se a importância de as CPIs federais se manterem fiéis aos princípios que orientam sua criação e seu funcionamento. A observância rigorosa dos limites constitucionais e regimentais, além de reforçar o respeito às normas que estruturam o Estado Democrático de Direito, assegura a efetividade de suas investigações dentro do âmbito de sua competência legal. Dessa forma, a integridade da estrutura federativa e a harmonia entre os Poderes são mantidas, reafirmando o compromisso com a legalidade e a justiça.

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Colunista

Murillo de Aragão é advogado, mestre em Ciência Política e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Sócio fundador da MDA Advogados e CEO da Arko Advice Pesquisas. Professor-adjunto da Columbia University e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Legislativo (IBDL).