Em março deste ano, o julgamento do REsp 1.795.982 foi retomado no STJ. Esse caso, afetado em caráter repetitivo, trata da aplicação da taxa SELIC como correção das dívidas civis. Nos próximos dias, após pedido de vista, o STJ retomará o julgamento que demandará atenção especial.
O julgamento tema tem gerado grande interesse tanto na comunidade jurídica quanto na sociedade em geral, já que mais de seis milhões de processos podem ser impactados por essa decisão, muitos deles envolvendo dívidas de pessoas físicas e instituições financeiras.
A interpretação da Corte Especial do STJ, em conformidade com o artigo 406 do Código Civil, já estabelecida no EREsp 727.842, é que a SELIC é a taxa de correção utilizada pela Fazenda Nacional para atualizar suas obrigações.
O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, por meio do instituto do distinguishing, busca reavaliar o entendimento da Corte. Em sua perspectiva, a taxa SELIC não reflete adequadamente a soma dos juros moratórios e a real desvalorização da moeda. O relator defende a aplicação da taxa de 1% ao mês, com base no parágrafo 1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional.
Em seu voto, o ministro Relator argumentou que a SELIC não atualiza os valores de maneira justa, especialmente no que diz respeito ao momento em que os juros e a correção devem ser computados. Ele considera esses momentos como distintos, com base nas Súmulas 54 e 362 do STJ. O Ministro Relator também sustenta que os juros moratórios devem ter um caráter punitivo para incentivar o pagamento da dívida pelo devedor.
Portanto, caso o entendimento atual do Tribunal seja alterado, os valores das ações em curso aumentariam significativamente, beneficiando os credores das dívidas civis e, na visão do ministro Relator, incentivando o pagamento pelos devedores. Outro argumento apresentado é que o entendimento consolidado pelo Tribunal, que envolve o uso da SELIC, abrange questões de direito público e não questões de direito privado.
No entanto, acreditar que o aumento do custo do pagamento incentivaria a sua liquidação não é necessariamente preciso, dado que o alto custo das multas tributárias não impediu o acúmulo de dívidas fiscais de cinco trilhões de reais. A justiça deve trabalhar para reduzir o custo da legalidade e facilitar o pagamento de dívidas.
Por outro lado, o ministro Raul Araújo, em seu voto divergente, reiterou a utilização da taxa SELIC ao aplicar o artigo 406 do Código Civil. Ele argumenta que a proposta de distinção do ministro Relator não possui base legal, uma vez que o artigo 406 do Código Civil não permite a interpretação que (i) aplique o artigo 161, parágrafo 1º, do CTN; ou (ii) preveja juros moratórios e correção monetária em índices oficiais separados e distintos.
A coerência do sistema econômico nacional também é base da fundamentação do voto do ministro, dado que a SELIC é utilizada como principal taxa de referência para fins de controle inflacionário desde 1999. Essa taxa orienta as operações econômicas do país, como empréstimos, poupanças e investimentos, que envolvem juros e correção monetária.
Para o ministro Raul Araújo, a clareza do texto é tamanha que, inclusive, caberia apenas ao Poder Legislativo promover a alteração que permitisse a mudança almejada no voto do ministro Relator. No Congresso, tramitam diversos projetos de lei sobre o tema onde a questão em julgamento poderia ser esclarecida.
Assim, espera-se que o julgamento em questão confirme o entendimento da corte especial do STJ, em consonância com o mencionado artigo do Código Civil, em nome da segurança jurídica. E, em sendo o caso, que o Congresso mude a regra existente.