Migalhas para Estudantes

Conheça as bem-qualificadas e já renomadas revistas acadêmicas geridas por estudantes

Explorar as opções acadêmicas ainda durante a faculdade é frequentemente citado como uma das formas mais interessantes de se destacar no mercado de trabalho e se preparar para outras fases da formação jurídica.

5/9/2022

Explorar as opções acadêmicas ainda durante a faculdade é frequentemente citado como uma das formas mais interessantes de se destacar no mercado de trabalho e se preparar para outras fases da formação jurídica. Além de abrilhantar logo cedo o currículo Lattes, o contato com a academia pode contribuir drasticamente a habilidades importantes como a escrita, a pesquisa científica, a citação de doutrina, a análise comparativa e o senso crítico.

Mas do que adiantaria muito escrever e pouco publicar?

É dessa vontade de contribuir diretamente aos meios científicos que surgiram e se consolidaram as revistas acadêmicas estudantis. Assim, tornou-se frequente, no contexto universitário internacional, a coexistência de law reviews (periódicos jurídicos) geridas por professores doutores e outras lideradas por estudantes. Esse amplo leque de publicações converge, porém, em um aspecto indispensável: a altíssima qualidade das publicações.

Comuns às mais renomadas universidades estadunidenses, os periódicos geridos por graduandos têm relevância verdadeiramente centenária e contribuem de forma decisiva ao acesso à pesquisa e à doutrina jurídicas. Não há exemplo mais especial e conceituado do que a Harvard Law Review, a revista jurídica editorada pelos estudantes de Harvard. Durante sua centenária existência, a famosíssima The Review tornou-se definitivamente o mais reconhecido periódico jurídico e veiculou centenas de artigos relevantíssimos aos alicerces jurisdicionais do common law estadunidense contemporâneo. Também não pega mal mencionar que seu primeiro presidente afro-americano acabou por tornar-se relativamente conhecido mesmo fora da academia: você, caro leitor, há de ter ouvido falar em um tal Barack Obama.

Seguindo, por hora, no assunto "personalidades", não há atestado maior ao prestígio internacional das revistas universitárias do que a Suprema Corte dos Estados Unidos. Simplesmente todos os membros da atual composição do mais alto tribunal norte-americano participaram das law reviews de suas respectivas faculdades: quatro, incluindo o presidente da corte – John Roberts – contribuíram à Harvard Law Review; outros quatro fizeram parte do corpo editorial da Yale Law Journal (o periódico jurídico da Universidade Yale); por último, Amy Coney Barrett, a exceção ao predomínio de Harvard e Yale na Corte, foi editora da Notre Dame Law Review (a revista da Universidade Notre Dame).

Tendo explicado as possibilidades de publicação representadas pelas revistas estudantis e sua importância inegável ao cenário acadêmico internacional, não foram surpreendentes o surgimento e o desenvolvimento de periódicos neste molde em algumas das principais faculdades brasileiras. Algumas, como veremos a seguir, já passam de duas décadas em funcionamento e contam com prestigiosos autores durante suas trajetórias.

Mas como funcionam as law reviews estudantis? Qual a missão delas? Por que participar de uma? Como são selecionados os artigos? Como são garantidas a qualidade e a veracidade do conteúdo publicado?

Foi com o objetivo de responder estes e mais outros diversos questionamentos importantes que a reportagem do Migalhas Para Estudantes entrou em contato justamente com aqueles que vivem – todos os dias – os desafios derivados do fenômeno das revistas estudantis e experimentam em primeira mão toda essa atmosfera acadêmica. Falamos, então, com as equipes de editoração dos três mais relevantes periódicos universitários de Brasília.

Foram consultados: Gabriel Pedroza, Letícia de Amorim e Diego Matos – editores da Revista dos Estudantes de Direito da UnB (RED – UnB); João Paulo Branco e Rafael Gonet Branco – editores-chefes da Revista de Direito e Atualidades do IDP (RDA – IDP); e, por último, Cecília Vendramin, Gabriel Borba e Francisco Silva – editores-chefes da Revista de Egressos e Acadêmicos de Direito do CEUB (READ – CEUB). 

Qual o propósito de uma revista acadêmica estudantil? 

Seguindo as variadas respostas explicadas pelos jovens acadêmicos, não resta muita dúvida que o grande propósito dos periódicos jurídicos liderados por eles resulta de duas nobres missões: estimular o contato com o universo da pesquisa científica e oferecer mais meios de publicação aos graduandos.

Tal qual não é difícil de se imaginar, a existência de dezenas de periódicos jurídicos no Brasil frequentemente não se reflete em mais oportunidades de imersão acadêmica aos estudantes de Direito. "Existem muitas revistas renomadas, mas a grande maioria exige titulações de mestrado ou doutorado para a participação no processo editorial ou para a publicação de artigos", afirma Gabriel Pedroza, editor-chefe da RED. Dessa forma, os graduandos acabam impedidos não somente de expressar seus qualificados sensos críticos e opiniões, mas também de desfrutar dos diferentes benefícios tangentes à participação em um boletim jurídico.

Coube, então, aos periódicos estudantis buscar atender os anseios dos graduandos por mais oportunidades de agregar experiências acadêmicas: até aquele momento, nem a editoração nem a escrita científica eram acessíveis. Logo, pode-se afirmar que a combinação verdadeiramente única entre textos científicos bem-feitos, pareceres de especialistas renomados e a especial experiência editorial constitui uma excelente lista de motivos para participar de uma revista acadêmica. "O contato direto com produção acadêmica de boa qualidade, com os professores pareceristas (aqueles que analisam os textos submetidos) e com o processo editorial produz muitas possibilidades de aprendizado pessoal", conclui Rafael, da RDA.

Ademais, outra relevante consequência das law reviews é a experiência comparativa entre dezenas de opiniões divergentes e contrastantes – mas de boa fundamentação. Nesse sentido, observar de perto o constante e intenso debate de ideias que é inerente à academia e à elaboração de um periódico é, sem dúvidas, uma interessantíssima maneira de analisar conceitos importantes postos à prova e aplicados à materialidade. "Pesquisa é o elo entre o aprendizado da graduação e suas aplicações no mundo", foi a forma – quase poética – como a Cecília destrinchou essa característica da produção acadêmica. 

Como são selecionados os artigos? Há "controle de qualidade"?

É compreensível que um dos primeiros pensamentos após tomar conhecimento das revistas estudantis seja algo na linha de "como eles vão aprovar e recusar textos sendo apenas da graduação?". Bom, isso é fácil de responder: não são os graduandos que filtram os textos. Isto é, pelo menos quanto à qualidade do conteúdo. As três equipes editoriais explicaram que, para a grata surpresa desta reportagem, seguem processos internos consideravelmente similares – e rígidos – para determinar quais textos serão aprovados, reprovados ou aprovados com observações.

"A ideia de manter a qualidade dos artigos passa pelos professores especialistas, afinal mesmo que nós não sejamos mestres ou doutores, os pareceristas são", foi como a Letícia de Amorim, da RED, explicou a continuidade da presença de excelentes artigos nas já mais de vinte edições publicadas da revista. Já João Paulo, da RDA, explicou que "o propósito de abrir para estudantes não quer nunca dizer prejudicar o nível dos artigos" e mencionou que uma eventual queda não seria jamais bem-vinda, tendo em vista que significaria a perda de prestígio da revista perante os renomados juristas e professores – até estrangeiros – que já submeteram seus textos ao crivo da editoração.

Assim, torna-se necessário, indubitavelmente, a aplicação consistente de efetivos métodos de triagem, seleção e formatação: trata-se, pois, de uma elaborada operação de múltiplas fases cuja grande estrela é, sem dúvidas, a etapa da double blind peer review, a avaliação dupla às cegas. É neste momento que os textos já submetidos e aprovados nos testes estruturais (análise de ABNT, citações e tamanho do texto realizada pelos graduandos editores) são apreciados por dois pareceristas – profissionais especialistas naquela área titulados, no mínimo, com mestrado – os quais não conhecem a identidade um do outro ou do autor. Sendo assim, a organização e a publicação por parte de estudantes não passam nem perto de conturbar a qualidade altíssima dos artigos publicados, afinal a triagem profunda destes se dá por meio de pareceres de profissionais com ampla bagagem acadêmica.

Esse rígido controle permite, simultaneamente, uma manutenção do padrão adequado dos artigos e experiências de aprendizado àqueles cujos artigos não foram aprovados: desaprovação por parte dos pareceristas é frequentemente somada de feedback sobre o que pode ser melhorado para uma futura publicação. Dessa forma, mesmo o recebimento de uma negativa evita um permanente desânimo daquele graduando quanto ao universo da academia, incentiva o autor a manter-se dedicado e, por isso, serve de experiência de aprendizado às suas aptidões de escrita e pesquisa científicas.

Concluindo, pode-se dizer que o método da double blind peer review com pareceristas permite que periódicos estudantis não somente driblem a desconfiança que porventura poderia vir a surgir de avaliações teóricas realizados por graduandos, como também ofereçam feedback do mais alto nível a seus autores interessados. 

É um diferencial profissional? Como fazer parte?               

Sendo este o último tópico geral a ser levantado sobre as revistas estudantis jurídicas no geral (a seguir serão destacadas individualmente cada uma das revistas mencionadas aqui), é imprescindível falar sobre os impactos e benesses de um histórico acadêmico à colocação profissional de um estudante de Direito.

Levando em conta o quão valorizados profissionais de boa escrita e de boa capacidade criativa têm sido recentemente, é possível – e correto – afirmar que fazer parte de uma revista acadêmica estudantil ou contribuir com artigos são ambos diferenciais notáveis no currículo. Sendo habilidades como a da escrita e da pesquisa profundamente beneficiadas pela imersão acadêmica, a possibilidade de aprendizados verdadeiramente profissionais é, sim, um outro incentivo interessante à participação numa revista.

Além disso, a experiência de compor um grupo numeroso de graduandos dedicados à academia traduz-se, invariavelmente, em diversas chances de exercitar as tão faladas soft skills: da liderança à comunicação eficiente, a construção conjunta de uma coletânea de belos artigos significa prosperar em projetos em equipe. Desse modo, integrar o corpo editorial de um periódico torna-se uma alternativa àqueles interessados por melhorarem determinadas habilidades pessoais mas não almejantes de outros programas de extensão – como as Empresas Juniores.

Em suma, conclui-se que a importância das revistas ao contexto dos estudantes de graduação transcende a tradicional ambientação acadêmica e pode, diretamente, contribuir para a formação de profissionais significativamente mais preparados a desafios de pesquisa, gestão e liderança. Por fim, também é imprescindível explicitar o efeito causado à leitura do currículo de um candidato: um possível analisador deve, muito provavelmente, entender um histórico de produção ou editoração como um eco de capacidades de amplos benefícios ao mundo profissional.

Se interessou? Então a notícia é boa. É, em grande parte, bastante simples fazer parte de um periódico estudantil: basta fazer parte do corpo discente da faculdade representada por aquela revista e, posteriormente, participar de seu respectivo processo seletivo específico. Boa sorte! 

Revista de Estudantes de Direito da UnB (RED – UnB)

Inicialmente inaugurada em 1996, a RED passou por substantivas mudanças até consolidar-se, definitivamente, no atual modelo de funcionamento desde 2016. Contando com quase 50 membros, um expoente renome acadêmico e um padrão de qualidade de publicação altíssimo, é motivo de orgulho para os estudantes da Faculdade de Direito UnB.

Além de contar com a tradicional revista – a qual é lançada bianualmente em formato físico e digital –, a RED também empreende diversos projetos interessantíssimos que visam, segundo seu editor-chefe, Gabriel Pedroza, "capacitar simultaneamente o corpo editorial, os autores e a comunidade acadêmica da UnB". É desse amplo leque de opções que surgiram o Blog da RED, o REDCast UnB, muitos eventos presenciais e remotos e, não menos importante, os chamados Cursos da RED, que dependem de inscrição, abordam temas contemporâneos relevantes ao direito e contam com a tutela de professores do mais alto nível.

A relativa longevidade permitiu que a revista, nesses anos de experiência sobressalente, estabelecesse um bem sistematizado funcionamento interno, ganhasse destaque no meio acadêmico da capital e, em decorrência disso, recebesse com frequência artigos escritos por juristas de renome nacional – ministros do STF, ministros do STJ, juízes, professores e doutrinadores.

Você não precisa ser da UnB para submeter seu artigo!               

Equipe RED

(Imagem: Divulgação)

Revista de Direito e Atualidades – IDP (RDA – IDP)

Criada durante a o começo da pandemia de Covid-19, a RDA surgiu, tal qual seus fundadores me explicaram, com o objetivo principal de preencher duas lacunas: 1) o IDP, apesar de possuir até uma conceituadíssima revista "A1", não possuía – ainda – revistas geridas por graduandos ou nas quais graduandos podiam publicar frequentemente seus textos; 2) o contexto da pandemia inviabilizava grande parte das atividades extracurriculares acadêmicas.

A solução foi a criação da RDA, agora uma já respeitada revista no universo acadêmico-legal.

Contando com artigos de renomadas figuras da esfera jurídica nacional desde a sua primeira edição, a RDA teve uma verdadeira ascensão meteórica durante os últimos dois anos e já está em vias de celebrar o lançamento de seu quarto exemplar. Além disso, o aspecto contemporâneo das temáticas abordadas nos artigos permite a elaboração de estudos e conclusões que transcendem o mero saber legal e tomem partido dos efeitos práticos das leis e normas à realidade na qual estão contextualizadas. É justamente da convergência entre o “Direito” e as “Atualidades” que surgem interessantes oportunidades de falar sobre o presente sob uma perspectiva jurídica.

(Imagem: Divulgação)

Revista de Egressos e Acadêmicos de Direito do CEUB (READ – CEUB)

A mais nova entre as revistas estudantis procuradas durante a realização desta reportagem, a READ mobilizou-se durante o último ano para abrir, recentemente, o edital de recebimento de artigos para a sua primeira edição. Já contando com quase 20 membros – entre graduandos e recém-graduados –, a READ promete dar esse grande passo inaugural no universo das publicações acadêmicas já com artigos de alta qualidade e assinados por professores de renome em suas respectivas áreas.

Planejada como uma "revista dos alunos para os alunos, mas representando muito bem o CEUB" – segundo a editora-chefe Cecília Vendramin –, a READ vêm sendo cautelosamente administrada pelos últimos meses de forma a agregar uma adequada equipe de especialistas pareceristas e, assim, possibilitar bons feedbacks e avaliações mesmo àqueles cujos textos não forem aprovados diretamente. Assim, a expectativa é que sejam veiculados artigos de diversas áreas diferentes do direito submetidos por autores com os mais variados backgrounds. O lançamento da edição inaugural está previsto para o primeiro semestre de 2023.

Você não precisa ser aluno do CEUB para submeter seu artigo!

Equipe da READ
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Colunista

Gabriel Rodrigues Teixeira É estudante de Direito na Universidade de Brasília (UnB) e foi Visiting Student na UC Berkeley. Coordena a coluna semanal e as redes sociais do Migalhas Para Estudantes. Siga no Instagram: @migalhaestudantes"