Há poucas coisas mais diretamente associadas ao estudo tradicional do Direito e a todo o campo semântico jurídico do que a escrita e publicação de textos acadêmicos. Não são poucas as faculdades que, às vezes ainda nos primeiros semestres da graduação, incentivam a inserção desse tipo de atividade no cotidiano dos estudantes: na Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, não há aluno que avance no curso sem antes ter passado pela clássica matéria de Pesquisa Jurídica. Sendo assim, se é tão comum entender a produção científica como imprescindível ao ensino de Direito, quão relevante ela é, exatamente, àqueles que estão na primeira fase de o que há de vir a ser uma estrondeante carreira jurídica?
Trata-se, pois, de um tema muito amplo. As utilidades, benefícios e consequências de se engajar em projetos tradicionalmente acadêmicos variam muito dependendo do ramo profissional e da trajetória estudantil-profissional almejadas. Logo, não é difícil chegar à conclusão que, apesar de inerentemente obrigatória àqueles que almejam para si uma carreira como professor ou pesquisador, a produção acadêmica raramente será prioridade de postulantes a cargos concursados – ao menos até a aprovação no concurso –. Desta forma, esta coluna buscará explicitar justamente os principais motivos para valorizar, sim, atividades e publicações acadêmicas ainda durante a graduação através de pontos de relevância comum a todo o espectro de estudantes de Direito: do maior fã de juristas germânicos parcialmente desconhecidos ao corajoso que decide o tema do TCC faltando especificamente 2 semanas, 4 dias, 3 horas e 20 minutos para a data de entrega.
Estudos no exterior
Não é necessário ser especialista em estudos no exterior para saber que a área acadêmica é muito mais valorizada em outros países. Falando dos Estados Unidos, por exemplo, é comum faculdades de ponta exigirem dos candidatos em programas de visiting-student, LLM (explicando simplificadamente, um mestrado) ou JD (resumidamente, um doutorado) que expliquem suas motivações acadêmicas e áreas de interesse ainda antes de participarem até mesmo de entrevistas com oficiais da faculdade. Foi o meu caso em Berkeley: já pousei na Califórnia sabendo que minha linha de pesquisa seria Direito Constitucional Comparado tangenciado à área de Current and Historical Politics ("Políticas Históricas e Atuais").
Além da importância dada à produção acadêmica durante o período de estudos no exterior, pode-se dizer que essa competência também é um excelente diferencial para aqueles almejantes de uma vaga em um destes programas. Nesse contexto, ter publicado artigos em revistas acadêmicas – principalmente as universitárias – é uma particularidade extremamente valorizada pelos norte-americanos no processo de análise do currículo de um candidato. Estar envolvido com a produção, editoração e divulgação destas revistas, mais ainda: literalmente todos os ministros da Suprema Corte estadunidense fizeram parte do bloco editorial das principais revistas jurídicas de suas respectivas universidades.
Desse modo, a pesquisa acadêmica passa a ser uma importante habilidade a se aprender, aperfeiçoar e se dedicar para os estudantes que planejam participar de experiências no exterior durante ou após a graduação no Brasil e que entendem necessitar de um diferencial no currículo.
Adendo: uma coluna especificamente sobre cursos no exterior será publicada aqui no Migalhas Para Estudantes num futuro próximo, fiquem de olho!
Opiniões credíveis e valorizadas em tempos de fake news
A escolha de produzir conteúdo acadêmico tem, muito frequentemente, a motivação de aproveitar a possibilidade de expressar opiniões sobre temas de interesse pessoal, relacionados a contextos profissionais ou mesmo tangentes a temas de atual relevância social. Em tempos de livre acesso aos maiores megafones da história da humanidade – as redes sociais –, é compreensível acreditar que a noção de depender de revistas e compilações para arremessar ideias ao mundo pareça meio datada. Todavia, na minha opinião, a realidade é justamente o contrário: as redes sociais e a internet tornaram a vida acadêmica mais acessível e mais importante do que nunca.
A conjuntura marcada por produções deliberadamente falaciosas ou de procedência no mínimo duvidosa – as famosas fake news – na qual estamos imersos elevou a verificação de informações a um pedestal de magnânima importância. Pensar, fundamentar empiricamente e elaborar uma peça pouco adianta se o meio de publicação não tem um certo lastro de credibilidade. Ninguém publica um TCC na timeline do Twitter. Dessa forma, as revistas, publicações, jornais e compilações acadêmicas podem abrir aos estudantes a possibilidade de ouro de dar voz a suas ideias em plataformas cuja credibilidade é reconhecida – a melhor parte: ainda durante a graduação.
Além disso, tendo explicado como o boom das redes sociais alçou as publicações acadêmicas a um patamar ainda mais alto, é simples entender que essa revolução também contribuiu para que elas se tornassem ainda mais acessíveis. A possibilidade de contar com edições, processos seletivos e reuniões digitais agiliza – e muito – todos os processos envolvidos na organização e na divulgação de uma publicação acadêmica. Um exemplo: eu soube da existência da magnífica RED – UnB (Revista dos Estudantes de Direito da UnB) meros dias após ser aprovado no vestibular após um edital de submissões passar pelo meu feed do Instagram. Estamos, então, numa época de frequentes oportunidades para se participar do ambiente acadêmico e de todo seu criterioso prestígio.
Diferencial forte no currículo profissional
No contexto de petições, sustentações e pareceres, a habilidade da escrita é um aspecto importantíssimo para tornar-se competitivo no mercado de trabalho jurídico. Todavia, o fato de não ser comprovável através de um diploma – tal qual é possível, por exemplo, com a fluência em outro idioma –, esta não é uma habilidade fácil de ser legitimada antes do começo de uma nova experiência profissional, ou seja, ainda durante o processo seletivo. Sendo assim, mesmo sendo numerosas e criativas as estratégias dos candidatos para mostrar ao RH sua competência na escrita (há quem mencione a nota da redação do ENEM), apresentar um histórico de experiências acadêmicas é, sem dúvida, a forma mais direta e confiável.
Tal qual já mencionado no tópico anterior, a grande valorização e prestígio das publicações acadêmicas aparece como importantíssimo novamente neste contexto de destaque profissional. Uma seção do currículo dedicada a textos, artigos e participações em contextos tradicionalmente relacionados à pesquisa não somente comprova a habilidade dissertativa do candidato, mas também destaca sua capacidade criativa, um aspecto primordial a um estudante de Direito fora da curva. Explico: considerando o atual mercado transbordando de competidores, profissionais que transcendem a mera memorização de conceitos usando-os como base para criação de novas ideias são, indubitavelmente, muito mais valorizados.
O networking acadêmico não pode ser subestimado
Por último, agora voltando à noção do mercado de trabalho jurídico como um afetado diretamente pela magnitude imensa de profissionais formados em Direito no Brasil, o networking não pode nunca deixar de ser citado como talvez o principal meio de aparecer em meio à multidão. Óbvio, em breve publicaremos um texto especificamente sobre este fenômeno aqui no Migalhas Para Estudantes.
Falar sobre a formação de uma rede de contatos num contexto puramente profissional não seria, jamais, qualquer tipo de novidade. Trata-se de tema já debatido, explicado e esmiuçado das mais diversas formas e nas mais variadas mídias. O networking no meio acadêmico, por outro lado, é um artifício por vezes subestimado.
Conhecer pessoas com interesses similares aos seus e, por ventura, de áreas de estudo possivelmente convergentes à sua abre um leque de possibilidades futuras unicamente especial. Seguindo essa lógica, não há forma melhor de dar início a todo esse processo do que participando de grupos de estudo e mantendo-se atualizado sobre recentes desdobramentos acadêmicos em sua área de interesse. Para esta última faceta específica, recomendo dois métodos: 1) criar uma rede ampla de contatos no LinkedIn e seguir as páginas de revistas acadêmicas na plataforma; ou 2) o mais divertido, que consiste em stalkear frequentemente o currículo Lattes de pesquisadores da sua área, tal qual me foi recomendado por uma professora do primeiro semestre.