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Princípio do amparo às pessoas vulneráveis no Direito Civil

O princípio do amparo às pessoas vulneráveis no Direito Civil, destacando a proteção jurídica necessária para equilibrar as desigualdades nas relações sociais, assegurando justiça e proteção proporcional.

25/9/2024

Trataremos, de modo objetivo, do que designamos de princípio do amparo às pessoas vulneráveis no Direito Civil.

Entre o forte e o fraco, a liberdade escraviza, e o Direito liberta. Essa é uma frase atribuída a Henri Dominique Lacordaire e dá a entender que, para grupos sociais mais vulneráveis, o Direito precisa intervir para protegê-los e até ajudá-los.

Essa preocupação está no fundamento do Direito Civil brasileiro por meio do que chamamos de princípio do amparo às pessoas vulneráveis. Como qualquer princípio, ele passa por balanços de ponderação ao chocarem com outros princípios, como o da autonomia privada, tudo de modo a encontrar uma solução justa no caso concreto.

Esse princípio consiste em que o Direito deve, sempre que possível e com razoabilidade, proteger e ajudar as pessoas vulneráveis nas relações jurídicas, neutralizando eventual abuso por parte de terceiros em condições pessoais vantajosas e contrabalançando as limitações impostas pelas situações de vulnerabilidade.

É claro que esse princípio não se destina a fomentar a irresponsabilidade ou a infantilização das pessoas a pretexto de vulnerabilidade, mas apenas a, com razoabilidade, municiar essas pessoas com instrumentos jurídicos que compensem as dificuldades decorrentes da vulnerabilidade.

Nos últimos anos, o Direito Civil, em conjunto com outros ramos, tem lançado os olhos para esse princípio com mais intensidade, do que dão exemplo as várias leis especiais destinadas à garantia dos direitos de pessoas vulneráveis.

Do princípio em pauta decorrem diversas consequências práticas no Direito, como estas:

  1. O Ministério Público, na condição de fiscal da lei (custos legis), tem o dever de agir em favor de grupos mais vulneráveis em diversas situações, como no caso de pessoa incapaz;
  2. A tutela coletiva de direitos por meio dos instrumentos da lei de ação civil pública (lei 7.347/85), como o ajuizamento de feitos para obtenção de decisões de indenização por dano moral coletivo ou de cessação de infrações etc;
  3. No caso de pessoas indígenas, o Estatuto da Pessoa Indígena (lei 6.001/73) estabelece diversas regras destinadas à sua proteção;
  4. No caso de combate a racismo, há diversas investidas legislativas. Uma delas é a lei 7.716/89, que prevê, como crime, condutas discriminatórias resultantes da raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional;
  5. Para a proteção à mulher diante de violência doméstica e familiar, a lei Maria da Penha (lei 11.340/06) estabelece um rito processual multidisciplinar destinado a garantir uma medida protetiva;
  6. Verbas trabalhistas, tributários e de investimento na forma da lei 6.858/80 podem ser objeto de pagamento direto. Em outras palavras, não dependem de prévio procedimento judicial ou extrajudicial de inventário ou de arrolamento, o que facilita o acesso dos herdeiros mais vulneráveis a bens essenciais à sua sobrevivência;
  7. No caso de internação psiquiátrica de pessoas com transtornos mentais, a lei 10.216/01 assegura garantias mínimas para evitar abusos. Uma dessas garantias é a de, no caso de internação involuntária, o Ministério Público tem de ser notificado para fiscalizar (art. 8º, § 1º);
  8. O ordenamento disponibiliza diversos institutos de amparo para viabilizar que pessoas vulneráveis possam praticar atos da vida civil com a maior segurança possível. É o caso, por exemplo, da tutela, curatela, guarda, tomada de decisão apoiada e poder familiar.
  9. Há diversas leis destinadas à proteção de pessoas mais vulneráveis em relações contratuais, de modo a prevenir abusos contra elas pela parte mais forte. É o caso do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90), da lei do inquilinato (lei 8.245/91), da lei de incorporação imobiliária (lei 4.591/64) etc.

Há vários outros exemplos. Deixamos apenas estes, com o objetivo de ilustrar a progressiva preocupação do ordenamento jurídico em efetivar uma sociedade mais justa, que proporcione aos grupos mais vulneráveis uma proteção proporcional e razoável.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.